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Do Isolamento à Conexão: Inteligência Relacional e o Futuro do Trabalho Remoto
A Jornada da Rejeição
Os Personagens que nos Habitam
O drama do amor e da honra entre pais e filhos
Pertencimento – A Arte de Promover o Humano
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Recentemente escutei um podcast em que Pedro Cardoso, (1962/… ), ator, redator, roteirista, autor, escritor e humorista brasileiro, expressou-se sobre algumas questões acerca do modo como os cristãos pensam a vida de Jesus. Provocativamente o ator pergunta sobre “do que Jesus salva a humanidade?”, afirmando que nunca lhe responderam tal questão. Pois bem, vamos a ela.
A salvação de si mesmo: a vida de Jesus como exemplo de humanidade plena
A humanidade, desde os primórdios, carrega consigo um paradoxo: ao mesmo tempo em que constrói civilizações grandiosas, também perpetua destruições, guerras e desigualdades. Ao tempo em que cultua o valor humanístico, exclui, segrega, discrimina. Ao tempo em que fala de fraternidade e paz, é incapaz de exercer tais conceitos. Na reflexão proposta por Pedro Cardoso, ao questionar “do que Jesus salva a humanidade?”, uma resposta emerge clara: Jesus salva a humanidade de si mesma.
Ele não traz uma salvação mística ou distante, mas um chamado para que o ser humano se reencontre sua própria humanidade, resgate a dignidade do outro e busque, na convivência amorosa, um mundo melhor. Sua vida é o mapa para a salvação. Sua vida é um convite a um projeto humano que transcende o egoísmo e a destruição.
Salvar-nos de nós mesmos é, antes de tudo, um ato de coragem. Significa encarar nossa arrogância, nossa busca desenfreada pelo poder, nossa incapacidade de perceber a beleza que reside nas diferenças e na pluralidade. Salvar-nos é romper com o ciclo vicioso da ganância, das guerras ideológicas, das desigualdades sociais e das violências cotidianas que praticamos, muitas vezes, de forma inconsciente. Jesus traz essa provocação. Sua vida não é uma doutrina fria ou uma ideologia vazia, mas um testemunho vivo de como o amor, a compaixão e a justiça podem transformar a humanidade.
Um reino que é contra a lógica do poder
Jesus era esperado como um rei. Há uma esperança humana quase incontrolável por um líder que destrua os opressores e instaure uma nova ordem. No entanto, ao contrário da expectativa de seu tempo, Jesus não busca substituir reis ou instituir um reino político. Seu reino é outro: é o reino em que a justiça se sobrepõe à lei, em que o amor integra e não exclui, em que o perdão tem mais valor que a vingança.
Esse reino é uma revolução silenciosa, subversiva, contra cultural. Ele contraria a lógica do poder que domina o mundo: enquanto o mundo busca a supremacia, Jesus ensina o serviço; enquanto o mundo exalta a força, Jesus celebra a mansidão; enquanto o mundo oprime os fracos, Jesus acolhe os vulneráveis. Quando lhe foi oferecida a oportunidade de falar em Atenas – o centro intelectual do mundo antigo – Jesus optou pelo Calvário, rejeitando o brilho do debate estéril que apenas explica, mas não transforma, optando pela demonstração clara da “vida a serviço da vida”.
A vida de Jesus: um exemplo de plenitude
Pedro Cardoso chama a atenção para um ponto crucial: muitos cristãos valorizam exageradamente a morte de Jesus, deixando de lado o significado de sua vida. O que Cardoso parece não perceber é que aqueles que assim o fazem, não entenderam o propósito da missão dele. De fato, é na vida de Jesus que encontramos o verdadeiro chamado à humanidade plena. Sua vida é uma declaração contínua do valor da existência humana, uma celebração da vida em si.
Jesus viveu para que outros pudessem viver. Ele celebrou a vida quando transformou água em vinho no casamento em Caná, ensinando que a alegria tem lugar especial na existência humana. Ele celebrou a vida quando trouxe luz aos olhos dos cegos, caminhou com os excluídos e resgatou a dignidade dos impuros e esquecidos. Ele celebrou a vida quando restaurou o caminhar do coxo, quando trouxe de volta a saúde da mulher com hemorragia, quando livrou a “pecadora” do apedrejamento, quando reconciliou aquele que o traiu três vezes.
Sua vida desafiou sistemas religiosos, políticos e sociais que oprimiam os mais fracos. Ele enfrentou a arrogância dos poderosos, não com espada ou violência, mas com palavras e gestos de justiça e acolhimento. Sua vida não se resumiu a milagres, mas ao exemplo de humanidade. Jesus reuniu inimigos em uma mesma mesa, reconciliou famílias divididas, devolveu a esperança aos que haviam desistido de viver.
O propósito de sua morte: uma declaração de vida
Por que então a morte de Jesus é tão celebrada? Porque sua morte é uma extensão de sua vida. Sua morte é a prova de que o amor verdadeiro não se dobra às forças da opressão. É um tributo à verdade e à vida que ele tanto defendeu. Na cruz, Jesus declarou que a vida é mais importante do que a própria existência. Sua entrega é um ato de resistência contra tudo o que desumaniza e diminui a dignidade humana.
Aqueles que valorizam apenas a morte de Jesus e esquecem sua vida, não compreenderam o significado de sua missão. Sua morte é a culminação de uma vida vivida com propósito, entrega e amor incondicional. Sua ressurreição, por sua vez, é a porta para a eternidade, a prova de que a vida é um ciclo que nunca termina.
O chamado: transcender a nós mesmos
Jesus nos convida a transcender. Transcender a lógica do egoísmo, do poder e da destruição. Transcender nossa visão limitada sobre o outro e sobre o mundo. Ele nos lembra que não somos tão importantes assim. Nossa arrogância nos leva a achar que o mundo é nosso. Ledo engano. Fazemos parte do mundo, com a responsabilidade de cuidar dele, conservando-o em sua generosa e abundante riqueza, com a sabedoria que emana da sustentabilidade.
Por isso, Jesus nos desafia a “olhar os lírios do campo”, a acolher o próximo como o “samaritano” o fez, a receber de volta o “filho pródigo”, a repartir o pão, a “dar também a túnica”, e a “andá a segunda milha”.
Jesus nos salva de nós mesmos ao nos mostrar que há um caminho melhor: o caminho do amor, da compaixão e da justiça. Ele nos convida a viver uma vida que faz sentido, uma vida que celebra a existência do outro e que busca transformar o mundo em um lugar mais justo e mais humano.
Ao olharmos para a vida de Jesus, encontramos uma resposta clara para a pergunta de Pedro Cardoso: Jesus salva a humanidade dela mesma, oferecendo um exemplo vivo de como devemos viver. Sua vida é um convite permanente a sermos melhores, a reconstruirmos o que está quebrado e a reencontrarmos nossa própria humanidade.
Reflitam em paz!
POR HOMERO REIS©
PROIBIDA A REPRODUÇÃO DO TODO OU DE PARTES DESSE TEXTO, POR QUALQUER MEIO, SEM A AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E FORMAL DO AUTOR. HOMERO REIS, HOMERO@HOMEROREIS.COM. BRASÍLIA, DEZEMBRO/2024
by HOMERO REIS ©[1]
“Inteligência” é a capacidade de se “ler dentro de alguma coisa”. Ler dentro dos relacionamentos é o conceito básico de inteligência relacional. Nesse texto quero aplicar esse conceito no entendimento do que está acontecendo no mundo do trabalho, considerando o resultado de uma pandemia recente, a instalação durante ela do “home office” e as consequências de tudo isso para os relacionamentos entre as pessoas e para as organizações.
Nos últimos tempos o trabalho remoto ganhou muita força, principalmente considerando as experiências das organizações durante e depois da pandemia de COVID-19. No começo, parecia uma solução perfeita: sem trânsito, horários mais flexíveis, trabalhar em casa com mais autonomia, foco nos resultados e não na burocracia da legislação trabalhista, insumos da tecnologia, etc.
Mas, com o tempo, as consequências do trabalho remoto começaram a aparecer, notadamente em decorrência de temas sobre os quais tínhamos muita teoria, mas pouco experimento com tal nível de globalidade. Impactos na vida privada decorrentes do fato de que somos seres relacionais, nos fizeram perceber que existe uma demanda “quase que inconsciente” de contatos entre “diferentes” como uma forma de manter minimamente a saúde das relações entre pessoas e o senso comum de “humanidade”.
De fato, o trabalho por sua natureza coletiva, também tem um certo nível saudável de demandas de dependência uns dos outros, o que é vital para a produtividade e saúde humanas. Afinal, somos seres que atuam em redes relacionais.
Uma das grandes questões do trabalho remoto, percebida como experiência real, foi a falta de contato entre as pessoas. No escritório, a gente acaba trocando ideias, desabafando sobre o dia a dia e criando laços com os colegas, explorando outros temas que “não fazem parte do trabalho”, mas que fazem parte da vida e do que chamamos de humanidade. Já em casa, essa interação fica limitada e o resultado é que muitos se sentem sozinhos e desconfortáveis, mesmo cercados dos que se constituem como núcleo familiar seja ele de que natureza for.
Esse isolamento causou vários problemas e suas consequências apareceram nas estatísticas de saúde e produtividade em todos os institutos de pesquisa. A revista FORBES, a mais conceituada publicação sobre o mundo dos negócios, em recente artigo (setembro/24), mostrou como cresceu, nos últimos 36 meses, a tristeza, a depressão, o bournout, principalmente dentro dos espaços corporativos. A conclusão é de que o isolamento e o trabalho remoto tem muito a nos dizer sobre as origens dessas patologias emocionais.
Muitas vezes, a gente nem percebe o quanto essas pequenas interações cotidianas fazem diferença no nosso bem-estar. No início do trabalho remoto, a produtividade pareceu aumentar dada a liberdade que se tinha de se “trabalhar do jeito que a gente quiser e quando quiser”. A ideia era de que “o importante é a entrega e o acordo sobre expectativas”.
Mas, no andar da carruagem a gente acabou percebendo que a redução da interatividade interpessoal em seu aspecto físico-presencial, afetou a saúde e, como consequência, os resultados. Ou seja, aquilo que melhoramos em termos de desempenho, foi consumido pelo aumento das doenças ocupacionais. Daquelas que conhecíamos e das tantas outros que estamos a descobrir depois.
As reuniões online que, apesar de funcionais, são mais objetivas e diretas, deixam pouco espaço para conversas informais e troca de ideias espontâneas. Aqueles momentos de “brainstorm” ou uma conversas no corredor que geram insights, se perderam e aquilo que parecia ser muito bom, não foi tão bom assim.
Esse cenário tem um impacto forte não só na saúde mental, mas também nos índices dos resultados. O isolamento pode fazer com que as pessoas se sintam mais tristes, e, com o tempo, isso evolui para algo mais sério, como a depressão e outras “dificuldades”.
A falta de separação entre a vida pessoal e o trabalho também aumentou e o risco de esgotamento deixou de ser risco para ser uma realidade. Quando o escritório está em casa, muita gente acaba se sentindo “presa” no trabalho o tempo todo e o espaço sagrado da intimidade foi devastado pelo whatsapp a qualquer hora do dia ou da noite. É difícil desligar. Mas também é difícil desligar o chefe com síndrome do trabalho compulsivo.
A pessoa trabalha mais horas do que deveria, além de ficar com um sentimento de culpa latente, associado a um cansaço físico e mental não percebido.
Diante desse cenário, muitas empresas estão tentando encontrar um equilíbrio entre as vantagens do trabalho remoto e do trabalho presencial. O chamado modelo híbrido que combina o melhor do trabalho remoto e do presencial, permite que os colaboradores tenham liberdade para escolher onde e quando trabalhar, de acordo com suas necessidades e conforme os acordos feitos com as equipes e com a empresa.
Esse modelo tem ganhado popularidade à medida que as organizações registram que nem todos os funcionários se adaptam bem ao home office integral, mas, ao mesmo tempo, querem preservar as vantagens da flexibilidade, equilibrando suas responsabilidades profissionais e pessoais de maneira mais eficaz.
Foi isso que um cliente meu expressou depois de um programa de inteligência relacional. “Eles (colaboradores e gestores), podem trabalhar em casa em dias em que precisam estar perto da família ou quando têm compromissos pessoais, mas também podem ir ao escritório em momentos em que precisam de um ambiente mais colaborativo com reuniões presenciais. Estou satisfeito com os resultados.”
A promoção de momentos presenciais periódicos para fortalecer os laços da equipe são fundamentais, mas o que muda no novo cenário do trabalho híbrido é que a escolha desses momentos não é mais uma imposição gerencial; antes, passa a ser um acordo entre pessoas maduras que entendem suas responsabilidades e compromissos.
Esses encontros são usados para atividades estratégicas, como sessões de planejamento, brainstorming ou treinamentos, mas também para momentos de socialização, como confraternizações, que ajudam a construir relacionamentos mais fortes entre todos, deixando a opção do trabalho remoto para as atividades operacionais e de caráter personalíssimo.
No fim das contas, o trabalho remoto tem suas vantagens, mas também traz muitos desafios que precisam ser enfrentados. A falta de contato e o isolamento são questões sérias, e é fundamental que as empresas estejam atentas a isso.
Então, o futuro do trabalho parece caminhar-se para um modelo mais flexível, onde cada vez mais será possível aproveitar o melhor dos dois mundos: a liberdade do home office e a interação do trabalho presencial, considerando que essa combinação promove tanto a produtividade quanto o bem-estar de todos. Afinal, o que todo mundo quer é encontrar o equilíbrio perfeito entre a vida pessoal e o trabalho, sem abrir a mão da saúde e da qualidade de vida relacional.
Na Homero Reis – Relações Inteligentes (www.homeroreis.com), estamos ajudando as organizações a encontrarem esse caminho mais adequado para uma nova “cultura” do trabalho. Nosso desafio junto aos nossos clientes tem sido o de promover espaços de responsabilidade e protagonismo, a partir da flexibilidade cognitiva, que nos permite construir juntos novos paradigmas para as relações de trabalho e produção.
A partir da inteligência relacional, buscamos encontrar soluções que atendam à necessidade das organizações de melhorarem seus resultados, mas também das pessoas de melhorarem sua qualidade de vida em todos os domínios do viver. Isso porque entendemos que “existe vida para além do trabalho”, mas é no trabalho que se constrói uma parte significativa de nossa identidade social e de nosso propósito existencial.
Resolvemos isso com muitas estratégias que promovem uma combinação possível (não perfeita), entre trabalho remoto e presencial, integrando as pessoas em uma cultura acolhedora, participativa e geradora do senso de pertencimento. Essas estratégias tem minorado significativamente a saúde de todos, fortalecido o senso de cooperação e colaboração, reduzindo custos e aumentado a interatividade de todos.
Os temas mais comuns que aparecem nesses projetos híbridos e que tem sido objeto de nossa oferta ao mercado, são:
- Gestão e monitoramento de equipes, onde usamos ferramentas de gestão de projetos e metodologias ágeis onde todos, colaboradores, gestores e líderes, desenvolvem novas competências conversacionais, garantindo que suas equipes se sintam reforçadas e orientadas tanto no ambiente presencial como no modelo remoto;
- Inovação e criatividade, onde usamos as técnicas construtivistas de “atividades cooperativas” e oficinas de relacionamentos;
- Segurança e privacidade, onde usamos modelos de protocolos de relacionamentos para estabelecer processos e limites relacionais voltados para preservação dos espaços individuais e controle dos espaços coletivos, bem como proteger redes, dispositivos, aplicativos, sistemas e dados de ameaças cibernéticas;
- Ergonomia e saúde física no trabalho remoto, onde usamos a prescrição de “dietas” de trabalho, laser, saúde e atividades físicas como processos educacionais na construção de hábitos saudáveis em todos os domínios da vida;
- e, questões ligadas à diversidade, inclusão e gênero, onde promovemos a reflexão, o debate e a construção de códigos de conduta e ética na vida, bem como a busca inteligente de um equilíbrio entre vida pessoal e profissional de todos e para todos.
Fazemos isso a partir de dois grandes eixos andragógicos: mentorias e transferência de tecnologia. No primeiro, construímos junto com os clientes um processo educacional a partir das melhores práticas, de modo que cada um se torne um multiplicador da nova cultura do trabalho dentro da organização em que atua.
No segundo, promovemos a transferência de conteúdos para a organização, de modo que ela “ganhe tempo” na instalação de novos paradigmas nas relações de trabalho e produção, focando em resultados e qualidade de vida.
É assim que atuamos.
Seja bem-vindo à Homero Reis – Relações Inteligentes.
Venha conversar conosco.
Abraços.
Homero Reis
Sócio-fundador.
[1] © proibida a reprodução do todo ou de parte desse texto sem a prévia autorização do autor. Direitos reservados a REIS, Homero; Brasília/DF, setembro/2024. homero@homeroreis.com
Entenda, Lide e Supere
por Homero Reis©
A vida e os relacionamentos humanos são complexos e cheios de circunstâncias nem sempre agradáveis, claras e objetivas. Muito pelo contrário. Vivemos em redes relacionais em intensa interação onde as interferências recíprocas são muito mais amplas do que “supõem nossa vã filosofia”. Mas, considerando a história da humanidade, começamos a estudar há muito pouco tempo os impactos (causas e consequências) de nossas interferências recíprocas em nossa saúde pessoal, social e emocional.
É fato que o que nasce da barriga da mulher é a reprodução biológica da espécie; mas, o que nos torna seres humanos é nossa vida sócio-comunitária porque “ser humano é ser social”. É nesse sentido que somos a origem e o destino de nossas competências e fracassos. Com essa distinção básica, começou-se a estudar o que as interações sociais promovem em termos de identidade e de saúde tanto na sociedade como nos indivíduos. Desde então, muitas coisas foram sendo explicadas e entendidas, mas muitas questões novas estão surgindo desses estudos. Dentre elas, o que se tem até o momento como o mais complexo dos sentimentos, e como um dos aspectos mais difíceis de serem compreendidos e cuidados é a questão da rejeição. Nos sentimos rejeitados, aprendemos a viver com isso e rejeitamos os outros num ciclo vicioso contínuo. Mas, amos conversar sobre isso.
Conceituando melhor o termo: Rejeição é uma palavra que evoca uma gama de emoções e experiências complexas. Desde os primeiros dias de nossa existência até os estágios mais avançados da vida, todos nós nos encontramos em muitos momentos, confrontados por esse sentimento desconfortável. Mas o que exatamente é rejeição? Como ela afeta nossa mente, nossas emoções e nosso comportamento? O que filósofos, educadores e religiosos dizem sobre a rejeição? E, o mais importante, como lidar com ela e ser capaz de superar esse desafio emocional?
A rejeição é a sensação de ser excluído, abandonado ou não aceito. Ela pode ser experimentada em diversas formas e em diferentes contextos. Pode ocorrer de forma sutil, como um olhar de desaprovação, uma frase dita por alguém, ou de maneira mais direta e ostensiva, como ser demitido de um emprego, rejeitado em um pedido de amor. Rejeitar alguém significa resistir às suas diferenças, desqualificá-lo a partir de preconceitos, desprezar ou recusar algo ou alguém por qualquer que seja a razão. Estudos mostram que dentre todas as “tragédias humanas”, a rejeição é a que gera as feridas emocionais mais profundas e dolorosas. A dor que ela provoca é mais intensa que a dor da perda e da morte de alguém que amamos muito. O que é mais grave é que a rejeição se faz presente em todos os âmbitos da vida e não se conhece nenhuma mecânica social que não a tenha em seu escopo. Todos os indivíduos, povos, línguas, culturas e raças, ao longo de todo o tempo viveram (ou vivem) situações de rejeição. Isso ocorre desde as relações sociais nucleares, até as relações entre estados, povos e nações.
A rejeição ocorre quando um indivíduo é deliberadamente excluído de uma relação ou interação social por outro indivíduo ou por grupos inteiros, incluindo aí a rejeição de seus pares, a rejeição dos afetos, a étnica, cultural e a rejeição familiar, além das que decorrem de preconceitos de qualquer natureza.
Além disso, a rejeição pode ser ativa, quando promove a exposição do outro ridicularizando-o, desqualificando-o (bullying), ou; passiva, quando ignora o outro. Mas, em qualquer caso, a experiência de ser rejeitado ou de viver circunstâncias inevitáveis de rejeição, embora seja subjetiva, gera inúmeras consequências objetivas na vida. Seus efeitos mais comuns aparecem travestidos de isolamento social, sentimento de exclusão e cancelamento, quebra de vínculos afetivos, “síndrome do estrangeiro”, além de solidão, baixa autoestima, agressividade, depressão, insegurança, dificuldades afetivo-relacionais, dentre outras.
A rejeição é especialmente dolorosa porque a necessidade de interação com outros seres humanos é uma necessidade básica e essencial para a construção de nossa identidade. Segundo Maslow (falarei dele mais a frente), todos os seres humanos, mesmo aqueles mais introvertidos, precisam ser capazes de dar e receber afeto para serem psicologicamente saudáveis. O contato simples ou a interação social eventual com os outros não é suficiente para atender a essa necessidade. As pessoas necessitam formar e manter relacionamentos interpessoais significativos e estáveis para satisfazer necessidades de amar e ser amado, como de pertencimento social. Se algum desses ingredientes (pertencimento e amor), estiverem faltando, as pessoas começarão a sentir-se solitárias e infelizes. Por isso a rejeição é uma ameaça significativa. De fato, a maioria das ansiedades humanas parece decorrer de preocupações sobre a questão da rejeição.
O modo como o indivíduo espera ser reconhecido no meio em que vive é um componente-chave para a qualidade da autoimagem e do modo como ele atua me sociedade. Tanto é que um estudo da Duke University, conduzido por Mark Leary (2022), sugeriu que o objetivo principal da autoimagem é monitorar nossas relações sociais e detectar a possibilidades de rejeição. Nesse estudo, a autoimagem aparece como uma medida da nossa capacidade de tolerar a exclusão. Quando essa taxa é baixa, aparecem comportamentos antissociais (solidão, isolamento, agorafobia, etc); bem como comportamento agressivo, desatenção, impulsividade e altas taxas de ansiedade.
Depois que o indivíduo “admite” viver em estado de rejeição, ou sucumbe-se a esse estado, tende a julgar impossível livrar-se dele e sua vida, no sentido mais amplo, passa a ser determinada por desmotivações, vitimismo, resistência à mudança, comportamento excessivamente rotineiro. No estudo da Duke University, pesquisadores descobriram que, a rejeição quando internalizada como “conduta normal do mundo”, promove quebra de conexões sociais e um vazio existencial preenchido, muitas vezes, por sentimentos de preconceitos e tirania, dando lugar à angústia constante.
É importante considerar que o tema da rejeição é amplo e a maneira como ela pode se manifestar, em diferentes áreas da vida, é complexo e diverso em cada contexto. As principais formas de manifestação do “sentimento” de rejeição, começam com a exclusão passiva por um grupo social ou por alguém, e segue com rompimento amoroso ou preferência familiar, até rejeição profissional, como não ser selecionado para um emprego ou receber críticas negativas reiteradas vezes. Ela também pode ocorrer de maneira sutil, como não ser convidado para um evento, ou de forma mais direta, ser insultado ou menosprezado por outras pessoas.
A rejeição tem um impacto significativo no bem-estar mental e emocional, desencadeando uma série de emoções negativas, como tristeza, raiva, vergonha e ansiedade. Além disso, repetida ou prolongada contribui para o desenvolvimento de problemas de saúde mental, como transtornos obsessivo compulsivo, e as já citadas depressão, baixa autoestima e transtornos de ansiedade.
A rejeição cria um ciclo vicioso e negativo de vergonha crônica em que a pessoa começa a internalizar a mensagem de que não é digna de amor ou aceitação, se envergonha por isso e, por isso passa a acreditar que não é digna de amor e aceitação. Isso leva a um padrão de pensamento e comportamento que tende à autodestruição.
Do ponto de vista psíquico, a rejeição ativa áreas do cérebro associadas à dor física, sugerindo que ela pode ser percebida pelo nosso cérebro como uma forma de lesão emocional. Isso explica por que a rejeição pode ser tão dolorosa e difícil de superar. A psicologia oferece insights valiosos sobre como a rejeição funciona e como podemos lidar com ela. A Teoria da Autodeterminação, (p.ex.), afirma que todos nós temos uma necessidade inata de nos sentir conectados e aceitos pelos outros. Quando essa necessidade não é atendida, experimentamos a dor da rejeição. A resiliência como capacidade de suportar e se recuperar de adversidades e desafios, incluindo a rejeição, é outro indicador importante. A psicologia nos ensina que a resiliência não é algo inato, mas sim uma habilidade que pode ser desenvolvida através de práticas e estratégias específicas que nos fortalecem contra os “estragos” da rejeição.
Freud (Sigmund), ofereceu várias contribuições importantes para a compreensão da rejeição enquanto fenômeno psíquico. Embora ele não a tenha abordado diretamente em sua obra, muitos de seus conceitos e teorias são relevantes para a forma como entendemos esse fenômeno.
Na teoria do complexo de Édipo (p.ex.), usada para explicar o desenvolvimento da sexualidade infantil e a formação do superego, Freud defende que durante a fase fálica do desenvolvimento psicossexual, as crianças desenvolvem desejos inconscientes pelo genitor do sexo oposto e hostilidade em relação ao genitor do mesmo sexo. A resolução bem-sucedida desse complexo envolve a identificação com o genitor do mesmo sexo e a internalização dos valores e normas sociais, enquanto a rejeição desses desejos pode levar a conflitos psíquicos e distúrbios emocionais. A resolução do complexo de Édipo pressupõe a competência para se lidar com a rejeição.
Freud também descreveu uma série de mecanismos de defesa que o ego utiliza para lidar com conflitos e ansiedades. A negação (p.ex.), é um mecanismo de defesa pelo qual a pessoa recusa aceitar uma determinada realidade dolorosa ou perturbadora. Nesse caso, a rejeição é uma forma de negação, onde o indivíduo tenta negar ou minimizar o impacto emocional de uma experiência de exclusão ou não aceitação.
Na teoria sobre o narcisismo, Freud discute a questão do amor-próprio e da autoestima. Para ele o narcisismo saudável consiste em ser capaz de reconhecer sua beleza e de estimar-se por isso, sendo natural ao desenvolvimento humano uma “alta” autoestima. Mas, quando em excesso, o narcisismo leva à rigidez psíquica e à incapacidade de lidar com o fato de que os outros podem discordar de nós. Nesse caso, a rejeição pode ser particularmente desafiadora para os indivíduos com um alto grau de narcisismo, pois ameaça a imagem idealizada de si mesmos.
Embora Freud não tenha tratado explicitamente da rejeição como um fenômeno isolado, suas teorias sobre o desenvolvimento psicossexual, os mecanismos de defesa e o narcisismo oferecem insights importantes sobre como a rejeição pode ser entendida e abordada do ponto de vista psicanalítico. A partir desses conceitos, os psicanalistas contemporâneos continuam a explorar a dinâmica da rejeição e seu impacto na vida mental e emocional dos indivíduos.
Do ponto de vista filosófico, muito se fala sobre a rejeição. Vários filósofos ao longo da história exploraram o tema, oferecendo perspectivas valiosas sobre esse aspecto da experiência humana. Por exemplo, Søren Kierkegaard, o filósofo dinamarquês do século XIX, pai do existencialismo, abordou a rejeição em sua obra “O Conceito de Angústia”. Nela ele explora a ideia de que a rejeição é uma manifestação da angústia existencial, resultante da liberdade e da responsabilidade do indivíduo. Kierkegaard argumentava que a rejeição é uma parte inevitável da busca pela autenticidade e pelo significado na vida. A questão está em saber lidar com ela e não sucumbir-se a ela.
Já Friedrich Nietzsche discutiu a rejeição em relação ao conceito de ressentimento em sua obra “Genealogia da Moral”. Ele sugeria que a rejeição surge como uma reação à inferioridade percebida em relação a outra pessoa ou grupo. Nietzsche via a superação do ressentimento e da rejeição como uma parte essencial do projeto de “maturidade humana “e da afirmação da vontade de poder.
Sartre (Jean-Paul), o existencialista francês, explorou a rejeição em sua filosofia da liberdade e da responsabilidade individual. No livro “O Ser e o Nada”, argumenta que a rejeição é uma consequência inevitável da liberdade de escolha. Ele enfatizava a importância de assumir a responsabilidade por nossas próprias ações, mesmo quando enfrentamos a rejeição dos outros. Para ele, cada escolha pressupõe a renúncia de infinitas outras possibilidades. Saber renunciar é saber lidar com a rejeição.
Michel Foucault examinou a dinâmica do poder e da exclusão social em sua análise das instituições sociais e do controle disciplinar. Na obra “Vigiar e Punir”, ele descreveu como a rejeição pode ser utilizada como uma ferramenta de controle social, marginalizando aqueles que desafiam as normas estabelecidas. Foucault destacava a importância de resistir à rejeição e de lutar contra as estruturas opressivas do poder.
Esses filósofos (dentre tantos), oferecem uma variedade de perspectivas sobre a rejeição, desde sua relação com a angústia existencial e o ressentimento, até sua conexão com a liberdade e o poder. Suas ideias continuam a influenciar o pensamento contemporâneo sobre esse tema complexo e universal.
Mas o que os educadores falam sobre a rejeição? À semelhança da filosofia, os educadores também têm na rejeição um tema estruturante de suas teorias. Jean Piaget, um dos educadores mais influentes e pai do construtivismo, quando tratou do desenvolvimento cognitivo infantil, não se concentrou especificamente na rejeição, mas nos trouxe importantes princípios, no contexto educacional, que têm contribuído com perspectivas sobre como a rejeição pode afetar o processo educacional e o desenvolvimento das crianças. Suas teorias esclarecem como elas lidam com o conflito e a desaprovação. Piaget enfatizou a importância do jogo simbólico e da interação social na aprendizagem das crianças. Ele argumentava que as crianças constroem ativamente seu próprio conhecimento por meio da exploração e da experimentação. O conflito cognitivo entre a construção da identidade e a rejeição natural dos outros, desempenha um papel crucial nesse processo.
Vygotsky, outro importante teórico do desenvolvimento infantil, tem ideias relevantes para o tema da rejeição no processo educacional, com repercussões na vida adulta. Ele enfatizou o papel do ambiente social na aprendizagem das crianças, argumentando que a interação com os outros e a participação em atividades culturais e sociais são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Vygotsky introduziu o conceito de “zona proximal de desenvolvimento”, que se refere ao espaço entre o que uma criança pode fazer sozinha e o que pode fazer com a ajuda de um adulto ou colega mais experiente. No contexto educacional, a rejeição por parte dos colegas ou dos professores pode afetar negativamente a autoestima e o engajamento dos alunos, limitando assim seu acesso à zona proximal de desenvolvimento e seu potencial de aprendizagem. Tal processo cria mecanismos que se repetirão na vida adulta. Quando alguém entende que está sendo rejeitado, sua mobilização e seu potencial para a vida, são profundamente reduzidos.
Carl Rogers também abordou questões relacionadas à educação e ao desenvolvimento pessoal, nos dando boas pistas para se entender o efeito da rejeição na vida. Ele enfatizou a importância da aceitação incondicional e do respeito genuíno no processo educacional, argumentando que os alunos prosperam em um ambiente onde se sentem valorizados e respeitados como indivíduos. A rejeição por parte dos professores ou dos colegas, mina a autoestima e a autoconfiança, prejudicando o desempenho acadêmico, profissional, relacional e o bem-estar emocional.
Na hierarquia das necessidades psicológicas de Abraham Maslow, depois de satisfeitas as necessidades básicas (fisiológicas: comer, beber, etc), todos os demais níveis (segurança, social, estima) presumem reconhecimento e aceitação. Segurança e pertencimento são o contraponto à rejeição que, quando não “processada” ameaça toda a estabilidade psicossocial das pessoas e dificulta o processo de aprendizagem, desenvolvimento e engajamento social.
Howard Gardner, conhecido por sua teoria das inteligências múltiplas, mentes que criam e estruturas da mente, também enfatiza a importância do reconhecimento e da valorização das habilidades e talentos únicos de cada um, num contexto de aceitação e acolhimento. A rejeição, ao surgir, pode nos fazer sentir inadequados ou desvalorizados por não nos encaixar em determinado padrão “de sucesso”, o que prejudica substantivamente a autoestima e motivação para a vida.
Carol Dweck, conhecida por seu trabalho sobre a mentalidade de crescimento, sugere que as crenças das pessoas sobre suas próprias habilidades influenciam seu comportamento e desempenho. No contexto relacional, Dweck argumenta que nossas habilidades podem ser desenvolvidas através do esforço e da prática e, se associado a isso também se tem um contexto de aceitação dessas habilidades pelo grupo social, exponencializa-se o desempenho e a saúde tanto da pessoa como da “comunidade”. Por outro lado, se esse contexto é de rejeição, as perdas pessoais e sociais são enormes. A rejeição desencadeia uma mentalidade de “fixação”, onde as pessoas se veem como incapazes de mudar ou melhorar, prejudicando assim seu desempenho, sua motivação para aprender e seu compromisso com a vida. Dweck vai mais além quando afirma que a rejeição é uma forma extremamente agressiva de relacionamentos tóxicos e abusivos.
Na religião cristã, a abordagem da rejeição segue a linha da complexidade, refletindo uma combinação de ensinamentos bíblicos, interpretações teológicas e práticas espirituais que atuam a partir de dois argumentos: 1) A rejeição é um fenômeno decorrente do pecado. O homem rejeitou a Deus e, por isso sofre as consequências de sua escolha; 2) A salvação em Cristo restaura a relação do homem com Deus, afastando a rejeição e criando um novo homem e um povo que vive a partir do amor. Esse povo é chamado de “igreja de cristo”, “corpo de Cristo”, “Reino de Deus”.
As perspectivas da rejeição, do ponto de vista da fé cristã, em seus aspectos negativos e positivos, podem ser resumidos assim:
1. Deus é amor e aceita e ama incondicionalmente cada indivíduo, independentemente de suas falhas ou imperfeições. Essa aceitação divina é vista como uma fonte de segurança e consolo para aqueles que se sentem rejeitados pelos outros.
2. A morte e ressurreição de Jesus Cristo, dá a todas as pessoas a oportunidade de serem perdoadas e reconciliadas com Deus. Isso significa que, mesmo quando nos sentimos rejeitados pelos outros ou por nós mesmos, podemos encontrar esperança e renovação na fé em Cristo, pela aceitação de seu sacrifício na cruz e de sua condição de Senhor.
3. A comunidade cristã (igreja), é vista como um lugar de acolhimento e apoio mútuo, onde os membros são encorajados a se amarem e cuidarem uns dos outros. Os cristãos são chamados a praticar a empatia, a compaixão e a solidariedade, oferecendo conforto e apoio àqueles que estão enfrentando a rejeição.
4. Para os cristãos, a identidade do indivíduo não está enraizada nas opiniões ou julgamentos dos outros, mas sim na sua relação com Deus em Cristo Jesus, como filhas e filhos amados. Isso significa que a rejeição por parte dos outros não define quem somos, pois nossa identidade é encontrada em nossa fé em Cristo.
5. A fé cristã ensina que, mesmo diante da adversidade e da rejeição, podemos encontrar força e esperança na promessa de Deus de que Ele está conosco em todas as circunstâncias. Essa confiança na providência divina nos capacita a perseverar e a superar os desafios que enfrentamos.
A religião cristã aborda a rejeição como um desafio humano comum, mas oferece uma perspectiva de esperança, amor e aceitação divinos, juntamente com o apoio da comunidade de fé. Esses ensinamentos proporcionam conforto e orientação para aqueles que lidam com a rejeição, incentivando-os a encontrar significado e propósito em sua relação com Deus e com os outros.
Aqui vão alguns textos bíblicos que abordam o tema da rejeição: Salmo 27:10 (NVI): “Embora meus pais me abandonem, o Senhor me receberá.” Isaías 53:3 (NVI): “Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e familiarizado com o sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima.” Mateus 21:42 (NVI): “Jesus lhes disse: ‘Vocês nunca leram nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isso vem do Senhor, e é algo maravilhoso para nós’. “Lucas 20:17 (NVI): “Jesus olhou para eles e perguntou: ‘Então, o que significa o que está escrito: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’?” João 1:11 (NVI): “Ele veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.” Romanos 9:33 (NVI): “Como está escrito: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha que faz cair; mas aquele que confia nela jamais será envergonhado’.”
Esses textos e tantos outros, refletem diferentes aspectos da rejeição, desde a experiência de ser abandonado pelos outros até a rejeição de Jesus Cristo pelos que o cercavam durante seu ministério terreno. No entanto, eles também transmitem a mensagem de esperança e redenção, mostrando como Deus pode transformar a rejeição em algo significativo e poderoso.
Mas, a boa notícia é que todos esses filósofos, psicólogos, educadores, sociólogos, e as orientações da fé cristã, oferecem perspectivas valiosas sobre a rejeição, tanto no seu aspecto diagnóstico, como na capacitação para se saber lidar com ela. Todos os que estudam o tema destacam a importância de se construir ambientes relacionais que promovam a aceitação, respeito mútuo e o reconhecimento das habilidades e potencialidades únicas de cada um, bem como a valorização das diferenças de cor, raça, sexo e cultura. Se assim o for, a dinâmica da pluralidade-aceita cria uma mentalidade de crescimento, de apoio e incentivo para que todos, juntos, enfrentem os desafios de construir vidas e sociedades mais adequadas e saudáveis.
Aqui estão algumas perspectivas e estratégias que fomentam relacionamentos mais saudáveis, mais inclusivos, acolhedores e menos promotores da rejeição:
1. A promoção da empatia e da inclusão a partir do entendimento das experiências e perspectivas uns dos outros, reduz o potencial de rejeição e exclusão.
2. O desenvolvimento de habilidades sociais e a convivência entre diferentes é fundamental para lidar com situações de rejeição. A prática de habilidades como comunicação eficaz, resolução de conflitos e trabalho em equipe, ajudam a construir relacionamentos saudáveis e resilientes.
3. A valorização da autoestima e da autoconfiança fortalecem o desenvolvimento e a estruturação da autoimagem positiva e de uma autoestima bem alicerçadas. A importância do elogio, do feedback, da educação continuada, da mentoria constante e da valorização da autonomia, são fundamentais.
4. As estratégias de enfrentamento e confrontamento saudáveis para se lidar com a rejeição e a adversidade, são bem-vindas. Isso inclui técnicas de relaxamento, respiração profunda, mindfulness, competências conversacionais, bem como o desenvolvimento de habilidades de pensamento positivo e resiliência emocional.
5. A criação de uma cultura de segurança, de honestidade intelectual, de flexibilidade cognitiva e de resolução de problemas complexos em grupos heterogêneos, reduz sensivelmente o senso de rejeição, promovendo abertura para a relacionamentos inteligentes e fornecendo recursos e orientação para se enfrentar as circunstâncias da vida social.
6. Programas educacionais de prevenção de bullying para organizações e instituições de todas as naturezas, incluindo treinamento para gestores e funcionários sobre aceitação e respeito é fundamental. A intervenção imediata quando comportamentos e falas inadequadas são identificados, é um princípio muito eficaz. A ideia é promover em toda a sociedade, ambientes seguros, inclusivos e solidários, neutralizando qualquer expressão preconceituosa. Ao fornecerem orientação, apoio e recursos, esses programas ajudam as pessoas a desenvolverem habilidades e resiliência para enfrentar os desafios da vida e construir relacionamentos saudáveis e significativos.
Do ponto de vista pessoal, lidar com a rejeição é desafiador. Mas, existem várias estratégias e atitudes que podem nos ajudar a enfrentá-la de forma saudável e construtiva:
1. Reconheça e aceite seus sentimentos de rejeição. É normal se sentir triste, magoado ou zangado. Permita-se experimentar essas emoções, mas lembre-se de que elas não definem quem você é. Converse sobre isso com alguém competente em que você confia.
2. Reflita sobre como você está reagindo à rejeição. Está se culpando ou se depreciando? Tente identificar pensamentos distorcidos e substituí-los por pensamentos mais realistas e compassivos.
3. Busque apoio em amigos, familiares ou profissionais de saúde mental. Compartilhar seus sentimentos com outras pessoas pode ajudá-lo a se sentir compreendido e apoiado. Mentorias e processos terapêuticos são muito úteis.
4. Cultive uma autoestima saudável, reconhecendo suas qualidades e valor pessoal. Lembre-se de que a rejeição de uma pessoa ou situação não significa que você não seja digno de amor e aceitação.
5. Veja a rejeição como uma oportunidade de crescimento e aprendizado. Pergunte a si mesmo o que você pode aprender dessa experiência e como pode usá-la para se fortalecer no futuro. Seja proativo.
6. Priorize o autocuidado físico, emocional e mental. Cuide de si mesmo praticando atividades que o façam sentir-se bem, como exercícios, meditação, hobbies ou passatempos.
7. Evite se fixar no passado ou se preocupar demasiadamente com o futuro. Concentre-se no momento presente e nas coisas que você pode controlar.
A rejeição é uma parte inevitável da experiência humana, mas não precisa nos definir ou nos limitar. Ao compreendermos o que é rejeição, como ela nos afeta e como podemos lidar com ela, podemos aprender a transformar essa experiência desafiadora e dolorida, em uma oportunidade de crescimento e fortalecimento pessoal. Com práticas e atitudes positivas, podemos nos libertar do peso da rejeição e seguir em frente em direção a uma vida mais plena e satisfatória, lembrando sempre de que não estamos sozinhos nessa jornada.
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Homero Reis©.
Curitiba/PR, abril/2024
Pensadores em todos os tempos e das mais diferentes orientações sempre buscaram metáforas para construir modelos para explicar o que é a mente humana, o que a compõe e como ela funciona. John Locke a descreve como uma “tábua em branco ou tábula rasa” onde toda a nossa experiência sensorial é gravada. Para Locke nascemos sem conhecimento e nossa compreensão do mundo é moldada pela experiência, incluindo aí a educação como sendo a “forma como somos ensinados a pensar e a interpretar as coisas. Aristóteles, por sua vez, entendia a mente como um espelho que reflete a realidade externa.
Nessa metáfora, a mente é passiva e recebe informações do mundo ao seu redor, refletindo-as de volta na forma de pensamentos e percepções. Alguns filósofos modernos, como Gilbert Ryle, defendem a ideia da mente como uma máquina, argumentando que os processos mentais podem ser entendidos em termos de operações mecânicas, químicas e físicas. A Mente como um Jardim, é uma metáfora encontrada em algumas tradições filosóficas orientais, que a descreve como um espaço a ser cultivado a partir das “sementes” que elegemos escolher daquilo que os sentidos captam da realidade. Como um jardim pode ser cultivado para produzir flores bonitas e frutas saudáveis, a mente pode ser cultivada através da prática da meditação e do cultivo de pensamentos positivos.
William Shakespeare e outros, associavam a mente a um teatro, onde os pensamentos e emoções são encenações de histórias (enredo) que contamos sobre nós mesmos e sobre as coisas que acontecem conosco. Nessa metáfora, personagens, cenário e história criam o espetáculo da vida. Somos os autores, atores e os espectadores do drama que se desenrola dentro de nós mesmos. Essas são apenas algumas das muitas metáforas existentes, que os pensadores têm usado ao longo da história para descrever a complexidade da mente humana. Cada uma delas oferecendo uma perspectiva única sobre a natureza e o funcionamento da mente, contribuindo para o entendimento da experiência humana.
No entanto, uma explicação se faz necessária. É preciso deixar claro a diferença entre mente e cérebro. Vou fazer isso rapidamente. A Mente humana é um conceito abstrato e multifacetado. Refere-se ao conjunto de processos mentais e experiências subjetivas que ocorrem dentro da consciência de um indivíduo. Isso inclui pensamentos, sentimentos, percepções, memórias, desejos, crenças e imaginação, entre outros aspectos da experiência humana. A mente é responsável por nossa experiência subjetiva do mundo e por nossa capacidade de reflexão, autoconsciência e autorreflexão.
O cérebro, por sua vez, é um órgão físico do corpo humano, parte do sistema nervoso central, situado dentro do crânio. Ele desempenha diversas funções vitais, como controlar os movimentos corporais, processar informações sensoriais, regular funções autônomas (como respiração e batimentos cardíacos) e realizar funções cognitivas complexas, como pensamento, memória e emoção. O cérebro é composto por bilhões de células nervosas, chamadas neurônios, que se comunicam entre si por meio de sinais elétricos e químicos. ETop of Form
E Enquanto o cérebro é um órgão físico responsável por processar informações e controlar diversas funções corporais, a mente é um conceito mais amplo que se refere aos processos mentais e experiências subjetivas que ocorrem dentro da consciência de um indivíduo. O cérebro fornece a base física para esses processos mentais, mas a mente transcende o funcionamento puramente biológico do cérebro, envolvendo aspectos emocionais, cognitivos, sociais e espirituais da experiência humana.
Então, quero prosseguir refletindo sobre nossa mente. Apesar das inúmeras formas de se tentar representá-la, há um fator comum em toda a literatura sobre o tema: temos a consciência (mais ou menos) de que somos habitados por diferentes formas de ver o mundo. Essas formas coexistem e coabitam o mesmo “espaço” em nosso corpo, mas nem sempre estão de acordo entre si. Metaforicamente falando, essas “diferentes formas de ver o mundo” podem ser vistas como personagens autônomas com identidades próprias. Às vezes um lado de nós concorda com algo, enquanto outro lado discorda veementemente. Pensamos e fazemos coisas que “um lado aprova e o outro rejeita”. A dúvida é, de fato, um diálogo entre essas identidades (personagens) que nos habitam simultaneamente. Cada uma delas, pode-se assim dizer, é um “ser” antagônico aos demais que “luta para manter-se no domínio”.
Nesse vasto universo da mente humana, existe um baile eterno de personagens internos. Personagens que, como astros em órbita, cada um com sua própria luz e sombra, dançam ao redor do núcleo central que chamamos de “eu”. São eles que compõem a complexa sinfonia que somos nós mesmos: pai, amigo, esposo, filho, profissional, o lado bom, o lado ruim, a luz e a sombra, a “carne e o espírito – todos eles têm seu lugar nessa dança, cada um com sua própria trajetória, suas próprias influências, suas próprias histórias.
Há dias em que esses personagens fluem em harmonia, como estrelas cadentes pintando o céu noturno com sua beleza efêmera. Mas há dias em que suas órbitas se chocam, criando uma chuva de meteoros interna, onde conflitos existenciais promovem colisões de interesses e geram o caos. Imagine, se quiser, o turbilhão dos movimentos mentais que esse fenômeno promove e observe de perto esses personagens em seu eterno ballet psíquico. Quem nunca se percebeu em conflito consigo mesmo?
De um lado o ser protetor, do outro o rebelde. Um personagem amoroso com ideais de proteção e cuidado convivendo com outro anárquico, egoísta e pronto a desconstruir tudo. De um lado a responsabilidade da orientação e do amor incondicional. Do outro um ser rebelde e inquieto em busca de sua própria identidade, desafiando as convenções, testando os limites do espaço ao seu redor. O amigo leal e o inimigo convivendo num diálogo sem fim sobre como se conduzir na vida. O desejo de ser uma estrela guia e a vontade inquieta de “colocar fogo no mundo”. Um lado está cheio de luz, o outro navega na sombra. Ao lado do amigo, há uma presença mais sombria – o inimigo interior. Ele sussurra dúvidas e medos, espalhando uma sombra que obscurece a visão clara do caminho à frente. É uma batalha constante entre a confiança e a autossabotagem, entre a luz e a escuridão. Um lado é bom, o outro não.
Compondo a plêiade de personagens que nos habitam, há o profissional determinado, uma estrela de realizações e ambições. Ele trabalha incansavelmente para alcançar suas metas, navegando pelas correntes turbulentas do mercado de trabalho com habilidade e destreza. Sua luz é intensa, refletindo o brilho do sucesso conquistado com esforço e dedicação. A seu lado, como um cometa destrutivo, está o crítico implacável. O perfeccionista doentio que aponta cada falha, cada imperfeição, lançando sombras sobre os triunfos do profissional e dúvidas sobre sua competência. É uma dança perigosa entre a autoconfiança e a autocrítica, onde o menor deslize pode resultar em colisão catastrófica.
A esposa apaixonada, uma estrela de amor e compromisso, pilar de apoio em tempos de turbulência, a chama que aquece os momentos mais frios da vida. Luz suave e constante, ilumina os cantos mais escuros da alma com seu calor reconfortante. Ao seu lado, a amante proibida representando os desejos ocultos, as fantasias não realizadas, as tentações que espreitam nas sombras da rotina. É uma batalha entre o dever e o desejo, entre a fidelidade e a tentação, onde o coração é dividido entre dois mundos distintos.
A dualidade eterna – o lado bom e o lado ruim, são como luz e trevas, sempre em conflito, sempre em equilíbrio frágil. Um lado busca a paz, a compaixão, a bondade que nos habita. O outro instiga o caos, arquiteta a destruição, sussurra tentações nas horas mais escuras da noite. Sua escuridão é profunda, envolvendo os corações em um abraço gélido, corroendo a pureza com sua influência nefasta.
Assim, a mente atua num ciclo interminável de luz e sombra, de conflito e harmonia, de vida e morte. Cada personagem interno tem seu papel a desempenhar, sua própria história a contar, sua própria órbita a seguir. No centro de tudo isso, somos nós mesmos, navegando pelo vasto cosmos da alma, tentando encontrar nosso lugar neste universo infinito de possibilidades.
Diante do intricado panorama de personagens internos que nos habitam, é natural que nos encontremos em constante conflito e em busca de equilíbrio. Reconhecer a existência dessas múltiplas facetas da nossa identidade é o primeiro passo para uma jornada de autoconhecimento e crescimento pessoal. É o primeiro passo para aquilo que chamamos de maturidade, de saúde psíquica, de inteligência nos relacionamentos.
Mas, como podemos lidar com essa dinâmica intensa dos personagens internos que nos habitam? Como lidar com eles e como manter uma certa coerência diante de tantas controvérsias internas? As respostas não são fáceis, nem muito menos simples. Não há manual sobre isso. Mas existem algumas recomendações que nos podem ser úteis.
O primeiro passo para se lidar com nossos personagens internos é desenvolver a autoconsciência. Reconhecer e compreender as diferentes facetas da nossa personalidade nos permite identificar padrões de comportamento e emoções associadas a cada personagem. Isso abre a possibilidade de intervir nas atuações desses personagens “reescrevendo seus roteiros de vida” e, como diretores dessa peça teatral que é a nossa vida, alterar a importância que tais personagens tem na história que estamos contando.
O segundo passo é aceitar cada um dos personagens que nos habitam. Eles fazem parte de quem somos. Não se pode negar sua existência nem, ingenuamente, julgar que eles não têm importância nesse condomínio que somos nós. Em vez de reprimir ou negar aspectos mais sombrios, devemos aceitá-los como parte integrante da nossa identidade. A aceitação não significa aprovação, mas sim reconhecimento e compreensão de que eles lá estão. Nosso desafio é saber lidar com eles.
Em seguida, buscar o equilíbrio entre os diversos personagens internos. Esse equilíbrio é essencial para uma vida harmoniosa e saudável. Envolve aprender a integrar e gerenciar as diferentes partes de nós mesmos, reconhecendo que cada personagem tem seu papel a desempenhar, mas nenhum deve dominar completamente o cenário.
Segue-se a isso, a pratica da auto empatia. É fundamental ser empático conosco mesmos para se lidar com os conflitos internos. Isso significa cultivar uma relação auto-amorosa e compassiva consigo mesmo, reconhecendo que todos nós somos seres humanos imperfeitos e merecemos compaixão, perdão e acolhimento. Mas cuidado. A empatia tem também seu lado sombrio que é a vitimização. Entenda que você não é a vítima da sua vida. Antes, é o protagonista de sua história. Portanto, use a empatia para alavancar a proatividade.
O próximo passo é ser capaz de manter um saudável diálogo interno. Desenvolver as conversas privadas (conversas internas), é essencial para resolver conflitos e tomar decisões alinhadas com nossos valores e objetivos. Isso envolve aprender a escutar as diferentes vozes dentro de nós e buscar soluções que levem em consideração as necessidades e aspirações de todos os nossos personagens internos. Todos eles têm uma razão de existir e, portanto, um propósito na rede relacional da qual participamos no mundo. Esse diálogo interno nos fornece um rico material emocional e cognitivo que deve ser considerado quando tomamos nossas decisões.
Cuide-se, priorizando o equilíbrio entre os personagens internos. Isso envolve cuidar da nossa saúde física, mental, relacional e emocional, reservando tempo para atividades que nos tragam prazer e bem-estar, mas também desafios para superação de nós mesmos. Estabeleça limites, mas ouse avançar; respeite as regras e normas, mas considere desobedecer; seja acolhedor, mas não se omita; estabeleça limites saudáveis, mas não tenha medo de perder; seja responsável, mas não se prive dos riscos; seja acolhedor, mas não queira agradar a todos; misture-se, mas seja diferente; relacione-se, mas cuide de sua individualidade.
Ao seguir essas recomendações e cultivar uma relação mais consciente e harmoniosa com os múltiplos personagens que nos habitam, podemos nos tornar protagonistas da nossa própria jornada de autoconhecimento, crescimento pessoal e realização. Em vez de serem fontes de conflito e angústia, esses personagens internos podem se tornar aliados na busca por uma vida mais autêntica, significativa e plena, lembrando que “erros só existem quando a experiência não é usada como aprendizado que se manifesta no modo de viver a vida”.
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Homero Reis©.
Curitiba/PR, abril/2024
Relacionamentos Inteligentes
Por Homero Reis ©
Ah, o amor inabalável entre pais e filhos, tão cheio de ternura, compreensão e… bem, quem sabe um pouco de sarcasmo? Vamos encarar, a ideia de que laços sanguíneos significam laços de afeto é tão antiquada quanto escrever telegramas ou escutar discos de vinil. Hoje em dia os valores são outros e as construções afetivas são construídas a partir de outras lógicas. O fato é: as relações afetivas paterno-filiais existem, mas não da forma como existiam em um passado recente, concordemos ou não. Saber atuar no cenário dos relacionamentos nos dias de hoje é difícil e o tempo está sempre contra nós porque tudo muda numa velocidade que não permite que nada se solidifique: valores se alteram, tudo é permitido, os limites se dissolvem no ar juntamente com tudo aquilo que dávamos por certo há poucos instantes. O melhor que se tem desse contexto é que pais e filhos estão totalmente confusos ou perdidos e, o que é pior, cada um acha que está “mais certo” do que o outro, sem dar ao outro o espaço necessário para entender o que está acontecendo.
Dia desses um pai me disse assim: “nessa questão dos relacionamentos com meus filhos, pare o mundo que eu quero descer. Não os entendo e sei que não sou entendido. Às vezes tenho a sensação de que somos estranhos que habitam o mesmo espaço. O que eu esperava ter com meus filhos está longe de ser o que temos e, tenho certeza de que eles também pensam assim. A questão é que a gente sente isso mas não faz nada para mudar. A gente não consegue se explicar, o outro não consegue entender e tudo continua do mesmo jeito”. De fato, a realidade é muito diferente das expectativas. Mas deixe-me lhes dizer como tenho vivido isso. Comigo não tem sido muito diferente dos pais (e filhos) com quem tenho conversado. Aliás, não tem sido diferente nem em inúmeras conversas com minha terapeuta. A gente acaba vivendo num fluxo normal com algumas pitadas de esquizofrenia social, pequenos dramas e tragédias eventuais, mas nada que nos mobilize de fato para promover uma reflexão ativa sobre o tema dos amores e afetos entre pais e filhos. É assim que inicio esse texto, que espero, possa lhe ser útil. Quero refletir sobre os relacionamentos paterno-filiais numa jornada trágica-cômica (ou pode ser ao contrário), através dos meandros tortuosos da parentalidade e da descendência, onde o amor é questionável, as brigas são frequentes, os conflitos são o prato do dia e o respeito já deixou de ser servido. Não quero ser categórico. Nesse mar de incertezas existem algumas ilhas.
Começo com umas declarações clássicas, “raras, mas que acontecem sempre”, que tenho escutado cada vez nos círculos que frequento. É claro, escutado das mais diversas formas e com muitos disfarces. Coisas do tipo: “Eu sou assim porque sou seu filho; não pedi para nascer; ela é igual à mãe; você não sabe de nada; você não manda em mim; não sou eu que vai realizar o seus sonhos”. Essas declarações presumem que a genética e a circunstância sócio-parentais são as mais fortes concorrentes a culpadas por todas as falhas de comportamento, caráter e dificuldades relacionais que vivemos. Claro, as falhas nos afetos e nos relacionamentos não tem nada a ver com a maneira como você foi criado, suas influências externas, seus ciclos expandidos de influências recíprocas ou suas próprias escolhas. Não, é tudo culpa dos nossos queridos progenitores, que convenientemente se tornam os bodes expiatórios de todas as nossas imperfeições e dificuldades afetivas. “Ah, mãe, se eu sou preguiçoso é porque herdei isso de você, aprendi isso em casa, certo? Somos espelhos um do outro”. Outra: “sou assim porque você vive me enchendo o saco”. É como se a sociologia doméstica fosse um álibi perfeito para todos os dramas comportamentais. E quando se trata de pais, há sempre aquela acusação clássica: “Você não me acrescenta nada. Deixa que eu me viro”. Ah, sim, porque claramente os pais existem apenas para serem almoxarifados emocionais, fornecendo amor, apoio e conselhos ininterruptos sem nunca esperar nada em troca. Como se a mera existência deles não fosse o suficiente para nos dar uma base sólida para a vida. “Não preciso de você para nada”, escutei um filho dizer enquanto deleitava-se com o fato de ter sido financiando nos estudos, na sustentação da vida, no teto sobre sua cabeça, na comida na mesa, na enfermidade e na certeza de o “leite nasce na geladeira, assim como no videogame, na viagem à Disney”. Sim, realmente os pais não acrescentam nada, exceto, você sabe, tudo. É incrível como às vezes usamos a desculpa de “eu sou assim porque sou seu filho, ou porque nasci nessa (ou naquela) família”, como um passe livre para todos os dramas nos relacionamentos como se nossos pais fossem uma fábrica de defeitos e nós simplesmente escolhêssemos aqueles que mais nos convêm. “Você sempre foi tão cabeça-dura e teimoso!” Como se pudéssemos, magicamente, alterar nossa genética, cultura familiar ou a maneira como nos educaram para evitar que herdássemos características indesejadas. Claro, porque se há algo que os pais adoram fazer é escolher os piores traços de personalidade para passar adiante. Então, onde isso nos deixa na grande questão do amor entre pais e filhos? Bem, talvez não seja tão simples quanto uma linha reta de afeto incondicional. Talvez seja uma dança complicada de expectativas não atendidas, ressentimentos mal direcionados, falta de conversa e amor verdadeiro que persiste, apesar de tudo. Porque, no fundo, mesmo quando estamos resmungando sobre “como nossos pais são antiquados, inadequados e desatualizados” e os acusando de serem egoístas porque tudo se trata deles, há um vínculo indelével que nos une, não importa o quanto tentemos negá-lo. E daí que, apesar de toda a ironia e sarcasmo, há uma verdade subjacente que não se pode ignorar: o vínculo entre pais e filhos, embora muitas vezes complicado e repleto de conflitos, é profundamente significativo. Mesmo quando estamos ocupados reclamando sobre os hábitos ultrapassados deles, de serem egoístas e de só pensarem em si, há um amor genuíno que persiste, um amor que transcende as diferenças e os desentendimentos. Isso é difícil de entender, mas de fato existe.
Mas, de repente, a maturidade chega. Às vezes mais cedo, às vezes mais tarde. Só se espera que não chegue “tarde demais”. A maturidade desempenha um papel crucial nos relacionamentos entre pais e filhos. (Haja paciência para espera-la acontecer). É natural que os filhos, especialmente a partir da adolescência, com ênfase no início da idade adulta, questionem a autoridade de seus pais e busquem afirmar sua própria identidade e independência. Isso muitas vezes leva a conflitos e desafios, na medida em que os jovens adultos lutam para encontrar seu lugar no mundo e definir suas próprias crenças e valores.
Sabe-se que no início da vida as relações são de dependência. Os filhos dependem dos pais e, por isso, vendo-os suprir todas as suas necessidades, os veem também como heróis. Com o tempo a figura heroica se desfaz em si mesma e surge o outro ciclo: o ciclo da independência. Nesse momento, os filhos no início da vida adulta, já se julgam sabedores de tudo e conhecedores dos meandros da vida e de sua mecânica. Criticam os pais, desejam ser “filhos de outros”, tem soluções para tudo, declaram conhecimento profundo sobre coisas complexas que desafiam a humanidade desde os primórdios. Nunca vi pessoas mais cheias de certezas do que jovens adultos. Mas, o bom disso tudo, é que tudo passa. Nada melhor do que alguns tombos para se entender que nada é tão óbvio como parece. Depois de um tempo chega o tempo da interdependência. Nesse novo ciclo, os filhos que conseguiram conquistar a “maturidade” descobrem o valor de seus pais e entendem o que eles foram, são e poderão continuar a ser até que a vida se encerre. Minha torcida é para que isso não aconteça tarde demais. Porque é isso que escuto de muitos filhos: devia ter convivido mais, devia ter conversado mais, devia ter sido mais paciente, “devia ter amado mais, chorado mais, ter visto o sol nascer…” como diz aquela música dos Titãs. Devia… devia… devia. Então, por que não o fazem?
Creio que é aí que entra a questão da honra. Honrar pai e mãe é um preceito imperativo na cultura judaico-cristã e uma ideia profundamente enraizada em muitas culturas e tradições ao redor do mundo. Originário de princípios éticos e morais, esse “mandamento” geralmente é interpretado como uma instrução para mostrar respeito, gratidão e reverência aos pais. Mas, a ideia transcende as fronteiras da religião e se torna uma parte fundamental da ética familiar em muitas sociedades. Honrar pai e mãe não se trata apenas de seguir ordens cegamente, mas de reconhecer o papel vital que os pais desempenham em nossas vidas e demonstrar apreciação por isso. Honrar pai e mãe também significa reconhecer de onde viemos e valorizar essa origem como ponto de partida de toda a nossa história pessoal, seja ela qual for. É respeitar a autoridade paterno-maternal e escutar seus conselhos, preservar a figura “genitora” e seguir seus legados, quando apropriados. Embora possamos discordar deles, e isso é mais comum do que se imagina, é importante reconhecer sua sabedoria e experiência, especialmente em questões importantes sobre o ciclo da vida. Normalmente os pais são “mais velhos que os filhos”; já viram e já passaram por mais coisas do que os filhos. Isso lhes dá, pelo menos, a autoridade de afirmar que tudo passa. Portanto, “fiquem tranquilos, meus filhos, isso vai passar (seja o que for)”.
Mas nessa conversa toda, sempre tem os interlocutores mais objetivos. Foi o caso de um “colega” ciclista que, durante o nosso pedal em que falávamos sobre o tema, perguntou-me objetivamente. –Tá bom, mas você pode dar alguns exemplos de como honrar pai e mãe? Exemplos de como resolver a questão prática do amor? – Claro, respondi. No meu modo de ver, aqui vão algumas possibilidades:
1. Respeite a autoridade de seus pais: Isso inclui considerar suas regras e diretrizes quando estamos sob seu cuidado, especialmente durante a infância e a adolescência; e, na fase adulta, ser capaz de lhes dar relevância. Mesmo quando discordamos, é importante expressar nossa opinião de maneira respeitosa e solene, até mesmo quando um entendimento mútuo não seja possível. O respeito é a taça sagrada que se enche com amor. Amor sem respeito é insustentável, respeito sem amor é formalidade.
2. Expresse gratidão: Mostre apreciação pelos sacrifícios e esforços que foram feitos por você ao longo dos anos. Tenho certeza que você não tem a menor ideia do quanto seus pais se esforçaram; e, se tem, reconheça isso. Expressar gratidão pode ser feito através de palavras sinceras de agradecimento, gestos de carinho e reconhecimento de suas contribuições para a vida.
3. Passe tempo com eles: Demonstre que você valoriza a companhia deles e que quer estar presente em suas vidas. Isso pode incluir visitas regulares, telefonemas, e-mails ou mensagens de texto, especialmente se você mora longe deles. Mas também requer “pequenas ações elegantes”; ou seja, surpreenda-os com um programa inusitado e/ou pequenos gestos criativos que fujam da rotina. A desculpa da vida corrida, da agenda apertada e de “cada um tem sua vida”, pode até ser “politicamente correta”, mas não cola mais; a não ser para aliviar sua consciência.
4. Cuide deles na velhice: Assumir a responsabilidade de cuidar de seus pais à medida que envelhecem, é um fator de honra. Faça isso generosamente, mas não queira ser “o pai dos seus pais”. Garanta que tenham o apoio necessário em termos de saúde, finanças e bem-estar emocional. Os pais, quando envelhecem, não se tornam incapazes. Talvez um pouco ranzinzas e com algumas manias. Repetem histórias e piadas. Ria disso, mesmo que já tenha escutado algumas vezes. Para você não é novidade, mas para eles é história. Cuidar pode envolver ajudá-los com tarefas cotidianas, tomar decisões médicas em seu nome e garantir que estejam seguros e confortáveis. Nem sempre os pais estão tão conectados com o mundo moderno e, talvez, não tenham tanta facilidade com as “coisas desse tempo” como você gostaria. Portanto, cuide.
5. Escute seus conselhos: Reconhecer a experiência e sabedoria de vida de seus pais e considerar a opinião deles em questões importantes da vida, como carreira, relacionamentos e saúde é uma forma de demonstrar amor e honra. Embora nem sempre você vá concordar, é importante escutar suas perspectivas e levar em consideração seus caminhos pela vida. Mas escute também suas histórias e se interesse honestamente sobre como elas se deram. Seja curioso e atento. Esse escutar alivia a ansiedade da vida, reduz a insegurança, promove um pouco mais de clareza quanto ao futuro e gera senso de pertencimento.
6. Defenda o nome e reputação de seus pais: Proteja a dignidade e a integridade de seus pais e faça isso tanto em público quanto em particular. Essa é uma forma de respeito. Significa evitar falar mal deles, envergonhá-los ou expô-los. Em vez disso, fale com orgulho sobre suas realizações e qualidades. Defenda-os não como paradigmas de virtude, mas como pessoas que lhes precederam e que trazem no corpo e na alma as marcas do caminho.
7. Perdoe e deixe ir ressentimentos passados: Reconheça que seus pais são seres humanos com falhas e imperfeições, e esteja disposto a perdoá-los por erros passados. Isso não significa esquecer as mágoas do passado, mas sim libertar-se do peso do ressentimento e cultivar um relacionamento mais saudável e positivo. Se nem sempre seus pais “acertaram na mosca”, saiba que nunca tiveram a intenção de errar.
Esses são alguns exemplos práticos que dei ao meu “colega de pedal”, de como se pode honrar pai e mãe em nossas vidas. No entanto, é importante lembrar que a maneira como expressamos esse respeito e gratidão pode variar de acordo com as circunstâncias individuais e o tipo de relacionamento que temos com eles. O importante é cultivar um vínculo baseado no amor, respeito e compreensão mútuos.
Outro aspecto que deve ser considerado é a necessidade de pais e filhos atuarem juntos para construir um relacionamento saudável e significativo, baseado na confiança, no apoio mútuo e no amor incondicional. Isso envolve práticas de expressão e apreciação de afetos, resolução de conflitos de forma construtiva e cultivo de um ambiente familiar onde todos se sintam valorizados e respeitados; e, acima de tudo, entender que é melhor viver em paz “do que estar certo”. A vida do afetos paterno-filiais, não é uma competição. Considere também como os desafios e conflitos existentes entre pais e filhos podem ser oportunidades para crescimento e fortalecimento relacional. Em vez de evitar ou ignorar os momentos difíceis, construa conexões mais profundas onde você e seus pais podem aprender a enfrentar juntos, as situações que vão surgindo na vida em função da idade e das acontecências históricas que se nos acometem a todos. Lembre-se, com a idade, um dia você chegará lá. Como diz o ditado popular, você não pode mudar sua origem, mas pode construir um belíssimo final.
E você, gostou?
Faz sentido essa reflexão?
Vamos conversar sobre o tema.
Reflita em paz!
Homero Reis©.
Curitiba/PR, abril/2024
Pertencer a uma cultura, um país, uma família, a uma tribo, um grupo social é a maior demanda do ser humano. O não pertencimento gera quebra de vínculos e conexões, sendo a principal causa dos problemas de saúde emocional e relacional. Pesquisas afirmam que “não pertencer” gera desajustes sociais, sociopatias, distúrbios emocionais, agressividade, solidão e desequilíbrios relacionais. Queremos ser e fazer parte de algo que tenha significado, que seja maior do que nós mesmos e que nos forneça um propósito para a vida. Queremos pertencer e fazer parte de coisas que sejam significativas na família, no trabalho, nos relacionamentos.
Pertencer a algo, ou “pertencimento” (termo usado na literatura que trata desse assunto), é conceituado como o sentimento de estar conectado, aceito e integrado a um grupo, comunidade ou identidade compartilhada. É a sensação de fazer parte de algo maior onde nos identificamos e encontramos um lugar de propósito, aceitação e significado. O pertencimento não apenas proporciona uma rede de apoio relacional e emocional, mas contribui para o desenvolvimento da identidade pessoal e coletiva, influenciando a autoestima, os valores e comportamentos. Essa conexão com outros indivíduos ou entidades sociais é fundamental para o bem-estar psicológico, social e emocional das pessoas, influenciando diretamente sua qualidade de vida, seu senso de realização, seu propósito e trabalho.
A necessidade de pertencimento é uma característica fundamental da natureza humana, profundamente enraizada em nossa psicologia e evolução social. Desde os primórdios da humanidade os seres humanos têm vivido em grupos, tribos e comunidades, onde o pertencimento não só proporciona segurança física, mas também emocional e psíquica. A busca por pertencimento é motivada pela necessidade de conexão, identidade e significado, e é gerada pela natureza gregária de nossa espécie.
Quando uma pessoa se sente excluída ou desvinculada de qualquer grupo ao qual ela pertença ou aspire pertencer, tem como consequência uma série de desajustes. Além da solidão, o sentimento de não pertencimento pode causar ansiedade, depressão e baixa autoestima, potencializando sofrimentos crônicos e outros distúrbios mais graves.
A sensação de pertencimento está intimamente ligada à nossa identidade e autoestima. Quando nos identificamos com um grupo, seja ele uma família, uma cultura, uma religião, uma comunidade online ou qualquer outra forma de associação social, isso nos dá uma sensação de propósito e significado, nos ajudando a encontrar nosso lugar no mundo e a compreender nosso papel na sociedade. Os grupos oferecem o apoio necessário para ajudar seus membros a enfrentar desafios e as dificuldades da vida a partir do princípio da reciprocidade. Eles oferecem amizade, camaradagem e um senso de conexão que pode ser vital para o bem-estar sócio-emocional. Pertencer a algo ou a alguma coisa nos proporciona apoio para a jornada humana. O caminho sempre é mais fácil quando se caminha junto.
Sentir-se excluído ou não pertencente é o estopim (ou o gatilho) para fomentar ciclos de isolamento que se tornam em solidão crônica com efeitos devastadores em todos os domínios da vida privada e social. O sentimento de exclusão quebra o vínculo humanístico, descaracterizando nossa natureza humana. As consequências disso podem chegar a níveis em que o indivíduo já não se reconhece mais como “ser humano”, além de não reconhecer o outro, também como tal. (P.Ex.) Em extremo, mas não tanto, o suicídio se ancora no despertencimento e na quebra de vínculos com a vida.
Portanto, é crucial reconhecer a importância do pertencimento e trabalhar para criar comunidades inclusivas e acolhedoras onde todos se sintam valorizados e aceitos. Isso requer esforços tanto a nível individual quanto coletivo para promover a compreensão, a empatia e a tolerância em relação às diferenças e diversidades que existem dentro de nossa sociedade e dentro também dos grupos ou tribos. Ao cultivar um senso de pertencimento positivo e inclusivo, podemos ajudar a mitigar muitos dos problemas sociais e emocionais associados à exclusão e solidão.
O pertencimento é percebido pela experiência de envolvimento pessoal com um sistema relacional, ou ambiente social, de forma que a pessoa sinta que é parte integrada de algo maior, de uma comunidade, de um grupo de pessoas, com propósitos e valores com os quais ela se identifica ou deseja se identificar. Ela se sente vinculada, próxima e aceita pelas pessoas; sente-se “igual” e torna-se capaz de manter relações estáveis e de crescer com o grupo (uma nação, um time esportivo, uma religião ou uma família), desenvolvendo afetos orgânicos com os demais. Isso é fundamental para manter os vínculos humanísticos que nos caracterizam como espécie. Apesar de nossas inúmeras diferenças, somos todos, humanos. Por outro lado, a sensação de não pertencimento surge a partir da falta de conexão com o meio. Por exemplo, indivíduos que não se sentem pertencentes à sua família por terem personalidades e crenças muito diferentes, sentem-se alijados dos “pequenos grupos” aos quais deveria estar associado, sentem-se objeto de críticas e preconceitos; enfim, sentem-se fora do contexto. Isso desencadeia “sentimentos” que produzem desconexão, afastamento e quebra de vínculos com suas patologias associadas: depressão, solidão, agorafobia, dentre outros.
A sensação de pertencimento começa a esmorecer quando o indivíduo percebe que sua existência no grupo não é mais relevante para o conjunto de acontecimentos que caracterizam o grupo. Ao perceber-se marionete de vontades alheias, objeto de descriminação e de “cancelamento social”, além de julgamentos constantes e críticas maldosas, ocorre a fragilização de suas relações com o grupo e, por consequência, da sensação de pertencer.
Dentre as principais causas que dificultam o pertencimento, seja em organizações, empresas ou grupos sociais, as mais significativas são:
- Discriminação e preconceito: quando as pessoas são discriminadas ou tratadas de maneira injusta com base em características como raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, status socioeconômico, entre outros.
- Exclusão ou cancelamento social: situações em que as pessoas são deliberadamente excluídas ou marginalizadas por razões meramente subjetivas ou por motivo torpe (p.ex.: divergências de opinião, orientação política, time de futebol ou parar na faixa de pedestres).
- Falta de diversidade e representação: grupos que carecem de diversidade e representação podem fazer com que alguns membros se sintam alienados, alijados ou não representados e sem valor. Essa tentativa de uniformidade do grupo já contou a sua história: raça pura, hegemonia masculina, fascismo, etc.
- Normas e expectativas restritivas: normas culturais ou expectativas sociais rígidas e inflexíveis, impostas autoritariamente, podem alienar os indivíduos que não se encaixam nessas normas, fazendo com que se sintam excluídos ou incompreendidos.
- Conflitos interpessoais: disputas, rivalidades ou indisposições entre os membros, podem criar tensões e divisões que prejudicam o senso de pertencimento de todos os envolvidos, principalmente quando não há espaços conversacionais.
- Falta de comunicação eficaz: uma comunicação deficiente, preconceituosa ou com falta de transparência dentro da comunidade pode levar a mal-entendidos, ressentimentos e desconexões. Piadas sexistas, racistas, machistas são um bom exemplo do que não deve ser feito.
- Ambiente hostil ou inseguro: Um ambiente físico ou social que seja percebido como hostil, inseguro ou ameaçador desencoraja o pertencimento ao criar sentimentos de medo, ansiedade ou desconfiança.
- Individualismo excessivo: Uma cultura que valoriza excessivamente o individualismo em detrimento do senso de comunidade e colaboração pode levar os membros a se sentirem isolados ou desconectados.
- Falta de oportunidades de participação: Quando os membros não têm oportunidades significativas para contribuir, participar ativamente ou se envolver, isso pode reduzir seu senso de pertencimento e investimento no grupo, no time ou na comunidade.
- Mudanças rápidas ou desestruturação: Mudanças rápidas ou desestruturações não negociadas, alterações de normas e procedimentos unilaterais, podem criar incerteza e instabilidade, dificultando o senso de pertencimento dos membros.
Identificar essas causas e aborda-las no sentido de promover conversas e compartilhamentos, é trabalhar para criar um ambiente inclusivo, acolhedor e participativo, essencial para promover o pertencimento e fortalecer a coesão dentro dos sistemas relacionais.
O sentimento de exclusão ou não pertencimento, decorrente das causas acima mencionadas, se manifesta de várias maneiras na vida social e relacional das pessoas. Tais manifestações podem variar de acordo com a personalidade, experiências individuais e contexto social, mas apresentam certos sinais já conhecidos. Dentre eles, os mais ocorrentes e que indicam maior sentimento de exclusão ou não pertencimento, com suas doenças relacionadas, são os seguintes:
- Solidão crônica: Sentir-se constantemente isolado, criticado e sem apoio social. A solidão crônica pode levar a uma série de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, e, não raro, à tendências suicidas.
- Baixa autoestima: Sentimentos de inadequação, desvalorização e falta de autoconfiança. Isso pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos de personalidade, compulsividade ou distúrbios alimentares.
- Ansiedade social: O medo intenso de ser julgado, rejeitado, criticado ou ridicularizado. Isso promove transtornos de imagem e cognição.
- Depressão: Sentimentos persistentes de tristeza, desesperança e desinteresse pela vida. A depressão é uma doença mental comum e séria, muitas vezes associada ao sentimento de exclusão.
- Comportamentos de evitação: Preferir evitar situações sociais, se isolar ou se distanciar dos outros, não conseguir formar amizades, ser excessivamente ritualista, muitas vezes são estratégias de enfrentamento adotadas por pessoas que se sentem excluídas ou não pertencentes. Isso tem como consequência problemas de relacionamento e dificuldades de interação social.
- Hostilidade e agressão: Algumas pessoas respondem à exclusão social com sentimentos de raiva, agressividade, ressentimentos e hostilidade em relação aos outros, muitas vezes sem “causa aparente”. Isso leva a conflitos interpessoais e comportamentos agressivos.
- Desenvolvimento de vícios: O uso compulsivo de substâncias como álcool, drogas, jogos de azar ou on-line, pode ser uma forma de lidar com a dor emocional e o vazio resultantes da exclusão social e do não pertencimento.
- Transtornos alimentares: Transtornos alimentares, como anorexia ou bulimia, são também considerados formas patológicas do enfrentamento da perda do senso de pertencimento como forma auto-destrutiva da autoestima.
- Auto isolamento: Retirar-se voluntariamente das interações sociais e evitar contato com outras pessoas também é um tipo de resposta ao sentimento de exclusão ou não pertencimento. Isso pode levar ao desenvolvimento de problemas de saúde mental, como agorafobia ou fobia social. Muitos casos de “homeless” decorrem do auto isolamento como modo de enfrentar o sentimento de “não pertencer”.
- Baixa qualidade de vida geral: Descuido com a qualidade de vida, com a imagem pessoal, com a saúde. Desmazelo e desprezo para com os cuidados rudimentares da vida, indicam desconexão e despertencimento.
Do ponto de vista individual é importante reconhecer esses sinais para buscar o apoio adequado necessário. A terapia individual ou em grupo e o apoio de redes sociais e comunitárias podem ser recursos úteis para se lidar com os efeitos negativos da exclusão social e promover o senso de pertencimento. Do ponto de vista social, é fundamental que gestores, professores, pais, terapeutas e demais pessoas que “cuidam de gente”, entendam esses sinais como forma de promover práticas corporativas e políticas públicas de acolhimento. O desafio é gerar nas pessoas a sensação correta de ser um elemento importante na teia social. Esse sentimento faz com que elas se sintam parte de algo maior. Já, o contrário disso é trágico, como já comentei.
Nas organizações (p.ex.), para aumentar o sentimento de pertencimento, é preciso que formadores de opinião, gestores e lideranças, demonstrem confiança nos seus times. Isso funciona muito bem quando as expectativas e objetivos ficam claros para os colaboradores, por meio de feedbacks e avaliações constantes com seus líderes. A cultura e a forma como a organização percebe seus colaboradores diz muito sobre o nível de efetividade de uma política de pertencimento. Não basta apenas teorizar sobre as condições de trabalho, mas também assegurar uma prática inclusiva condizente. Quem “sente que pertence” aonde trabalha, tende a ser mais produtivo, otimista e preocupado com o negócio. Isso se manifesta no modo como vivencia e experimenta, no dia-a-dia, uma condição de melhoria contínua do trabalho e das oportunidades de crescimento.
Seguem algumas dicas para se cuidar do “senso de pertencimento” nas organizações:
- Estimule uma cultura que tenha como compromisso fazer com que todas as jornadas valham a pena. Enxergar o capital humano a partir do estímulo de uma visão empreendedora como fonte geradora de riqueza e crescimento do negócio abre espaço para a diversidade, a inclusão e o pertencimento.
- Melhore a comunicação interna. A comunicação e a informação sem ruídos, num ambiente livre, produzem interações positivas, minimizando conversas paralelas e interpretações equivocadas. Essa boa prática evita movimentos paralelos que prejudicam os relacionamentos e geram possíveis conflitos entre equipes.
- Construa e fortaleça os vínculos entre as pessoas dizendo a todos que são importantes e que o tratamento é igualitário, valorizando a participação de todos, tendo mecanismos claros de promoção do mérito, além de estimular que as pessoas façam coisas juntas para além do trabalho. Quanto à construção de vínculos, refiro-me a ter atividades que façam com que a equipe troque experiências e se integre a partir das diferenças individuais, tanto em seus aspectos interpessoais, quanto na percepção da dinâmica organizacional. Refiro-me também à narrativa da organização, que faz com que esse coletivo de pessoas esteja junto considerando os motivos que levam a organização a existir e a seguir em frente construindo algo maior a partir de suas atividades rotineiras.
- Escute os colaboradores. A rotina acelerada, repleta de processos e urgências, condiciona empresas e organizações a tornarem os relacionamentos vulneráveis porque todos têm algo a dizer e desejam ser escutados mas, quando isso não acontece, se retraem e deixam de dar boas ideias. Cuidando da escuta ativa se pode ter duas surpresas agradáveis: uma chuva de ideias altamente produtivas e o despertar de novos profissionais que, percebendo a oportunidade de serem reconhecidos, passarão a ter maior engajamento e disposição para o trabalho.
- Celebre conquistas. Celebre coisas grandes e pequenas mantendo no time o sentimento de que estamos vencendo sempre, seja nos resultados, seja na aprendizagem. Antes de serem profissionais, os seres humanos sonham e vibram quando conquistam algo; logo, celebre sempre.
- Ofereça reconhecimento. Reconheça o trabalho, seja grato e generoso. Ideias como “não fez mais do que a obrigação” são péssimas para uma boa prática de pertencimento. Todas as vezes que alguém, seja quem for, apresentar uma boa performance reconheça e permita que todos saibam. Elogie. Diante de desafios, incentive todos a usarem todo o conhecimento disponível e a mostrar do que são capazes. Assim eles verão a empresa/organização com apoiadora e não apenas aquela que utiliza seus profissionais para atingir metas.
- Promova o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. O bom desempenho profissional depende de uma saúde mental equilibrada, onde a qualidade de vida, o bem-estar e a realização pessoal tem um lugar de destaque na vida de cada pessoa. Gerir o tempo para o lazer e família, estimula o compromisso com as relações de trabalho, favorecendo o desejo de pertencer.
Construir “boas práticas” de pertencimento que se caracterizem como elemento de uma cultura organizacional (e social) saudável, não é resultado de uma fórmula mágica; antes, é o resultado de cuidados cotidianos constantes e de atenção com a qualidade dos relacionamentos. Essa é uma construção dinâmica, diária e evolutiva. E não se esqueça: o sentimento de pertencimento nasce da percepção de respeito, sem distinções no tratamento das pessoas independentemente do grau hierárquico ou tempo na empresa/organização. É a inclusão mostrando o valor e o real sentido da palavra pertencimento.
E você, gostou? Faz sentido essa reflexão? Vamos conversar sobre o tema.
Reflitam em paz!
Por: Homero Reis
Origens e Consequências Amargas do Egoísmo Desenfreado.
Uma Reflexão por Homero Reis.
Sou um observador do mundo em que vivo e da minha forma de viver nele. Faço isso por questões pessoais e profissionais porque creio que vivemos em redes relacionais a partir do princípio gregário que nos torna humanos. Num mundo que parece cada vez mais centrado no indivíduo, onde o mantra do “eu primeiro” ecoa mais alto do que nunca, creio que pausar e refletir sobre o modo como estamos vivendo e nos relacionando é essencial para se entender o que estamos criando. Um dos temas que me tem chamado a atenção é o egoísmo contemporâneo e suas consequências. Muitas vezes, as pessoas mergulham tão profundamente em suas próprias preocupações e interesses que acabam negligenciando completamente o impacto de suas ações sobre os outros. Essa falta de empatia e consideração, gera um ciclo vicioso de alienação e solidão, deixando pelo caminho uma trilha de desolação emocional e relacional. Nesse caminho, nada dá certo: casamentos se tornam insuportáveis; amigos incomodam; o trânsito é causa de “úlcera”; uma conversa de bar descamba para uma briga sem sentido; um jogo de futebol torna-se numa praça de guerra; os outros são idiotas; pais e filhos não se falam, nem se entendem; governantes acreditam que a guerra é a solução. Quero controlar tudo e nada me satisfaz; tenho tudo, mas não me contento com nada e por aí vai.
Mas, além do contexto acima, o que me motivou a escrever sobre o egoísmo, foi uma experiência pessoal. Eu e minha esposa viajávamos com um casal de amigos antigos que, embora fossem amigos antigos aquela era a primeira vez que viajávamos juntos. Passamos uma semana de intenso convívio e relacionamento. A relação dos dois não estava lá essas coisas, mas tudo parecia ser “um jeito de ser”. O fato é que, durante aquela semana, pude observar algumas coisas: no restaurante, meu amigo fazia o seu pedido sem se preocupar com o que a esposa gostaria de comer; no café da manhã ele se servia, sem nem perceber se os outros estavam se servindo ou se havia o suficiente para os demais; na fila para comprar ingressos para um show, ele comprou o dele e nos deixou a deriva (tivemos que entrar na fila novamente); no passeio pela praia ele foi à frente e desconectou-se de nós; em todo o tempo sua conversa foi sobre como tirar proveito das situações e como os outros “são idiotas”. Num dado momento, intervi: fulano, você não pensou em nós? Ele responde: desculpe, não os vi!!!!!. Ou seja, eu cuido de mim e cada um que cuide de si. Será? Isso me incomodou muito e resolvi estudar um pouco mais sobre as consequências amargas dessas atitudes e, conversar com ele sobre o assunto.
Nossa conversa girou em torno do egoísmo como uma erva daninha que se infiltra silenciosamente em todos os aspectos da vida, corroendo lentamente os laços que nos conectam com os outros. Seja no âmbito pessoal, profissional ou social, suas ramificações são profundas e amplamente prejudiciais: as relações interpessoais se desintegram, oportunidades são perdidas e, em última análise, a própria felicidade fica comprometida. Também é fato de que o egoísmo não é uma característica inata do ser humano, muito pelo contrário, é uma distinção aprendida e reforçada pelo contexto em que se vive e que começa em nossas relações primárias e se instala na teia social tornando-se uma cultura “transparente” nos nossos relacionamentos.
Existem várias causas geradoras do egoísmo; causas cuja origem se observa desde as experiências de vida nos círculos afetivos primários (família nuclear ou estendida), até características individuais formatadas nas macro-relações sociais (religião, escola, estado), ou nos mecanismos de defesa na teia social. As mais “visíveis”, conforme os protocolos da “pesquisa-ação”, são as seguintes:
- Experiências de Infância: Experiências negativas na infância, como falta de atenção dos pais, abuso emocional ou negligência. Elas promovem o desenvolvimento de uma visão de mundo centrada apenas em si mesmo como uma forma de proteção ou adaptação.
Cultura e Ambiente Social: O ambiente em que uma pessoa é criada e os valores culturais predominantes também desempenham um papel importante. Em culturas que valorizam o individualismo e a competição, pode ser mais provável que as pessoas desenvolvam comportamentos egoístas. - Recompensa de Comportamentos Egoístas: Em alguns casos, comportamentos egoístas, recompensados ou incentivados, seja através de ganhos materiais ou de status social, levam as pessoas a adotarem uma mentalidade de “cada um por si”.
- Traumas e Feridas Emocionais: Traumas passados, com perdas significativas, abandono ou experiências de rejeição, são potencialmente geradores de um egoísmo exacerbado, criando pessoas emocionalmente fechadas e centradas em suas próprias necessidades como uma forma de autopreservação.
- Baixa Autoestima: A baixa autoestima leva as pessoas a recorrerem ao egoísmo como uma forma de compensar sentimentos de inadequação ou insegurança. Elas podem se concentrar excessivamente em si mesmas como uma maneira de se sentir mais valorizadas ou no controle. Aliás, a necessidade de controle é uma forma de expressão do egoísmo em sua forma mais adoecida.
- Falta de Empatia Desenvolvida: Alguns indivíduos tem dificuldades em entender e se conectar emocionalmente com os outros devido a falta de desenvolvimento da empatia, seja por questões genéticas, ambientais ou sociais.
- Modelos de Comportamento: Se uma pessoa cresce em um ambiente onde o egoísmo é prevalente e modelado por figuras de autoridade ou modelos de referência, é mais provável que ela internalize esse comportamento como normativo.
- Estresse e Pressão Externas: Situações de estresse, pressão financeira ou dificuldades pessoais podem levar uma pessoa a se concentrar mais em suas próprias necessidades imediatas, em detrimento das necessidades dos outros.
O egoísmo pode ser influenciado por esses fatores (além de outros), ou por uma combinação deles conforme o modo particular com que cada um “interpreta ou interpretou” suas experiências e trajetórias de vida, no contexto de suas relações. Compreender essas causas pode ajudar na identificação e no enfrentamento do comportamento egoísta, tanto a nível individual quanto social.
Mas, vamos ver o que alguns pensadores têm a nos ensinar sobre o egoísmo. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, conhecido por suas reflexões sobre moralidade, poder e individualidade, nos livros “Assim Falou Zaratustra” e “ Para Além do Bem e do Mal”, explora o conceito e a “prática” do egoísmo bem como suas implicações na vida humana. Ele abordou essa questão destacando como o egoísmo excessivo leva à alienação e à falta de conexão humana. Em sua visão, a busca implacável pelo poder e pela satisfação pessoal resultam em um vazio existencial, uma sensação de desolação que assombra até os mais egocêntricos.
O egoísmo mina a confiança e o respeito mútuo nos relacionamentos, gerando quebra da confiança. Quando uma pessoa está constantemente preocupada apenas consigo mesma, ela demonstra uma falta de comprometimento e consideração pelos outros, promovendo ressentimentos e mágoas naqueles que estão ao seu redor e minando gradualmente a base sobre o qual o relacionamento foi construído.
O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, discutiu amplamente a questão do egoísmo em suas obras “O Amor Líquido”, a “Vida Líquida “e na “Modernidade Líquida”. Nelas ele examina a fragilidade dos laços sociais na sociedade contemporânea e o impacto do individualismo e do egoísmo nas relações humanas. Discutiu também a ideia de que os laços sociais se tornam cada vez mais frágeis e transitórios onde as pessoas estão centradas em si mesmas. O egoísmo é um dos principais catalisadores da fragilidade social, corroendo os alicerces da confiança e da cooperação mútua.
No ambiente de trabalho, o egoísmo é extremamente prejudicial. Quando os indivíduos estão mais preocupados em promover seus próprios interesses do que em contribuir para o bem-estar da equipe, o moral e a produtividade sofrem.
O psicólogo norte-americano Abraham Maslow, conhecido por sua teoria da hierarquia das necessidades humanas, destaca a importância do pertencimento e da conexão social para o bem-estar psíquico das pessoas, contrastando com o foco excessivo no eu individual, gerador de desarticulação. Ao desenvolver a hierarquia das necessidades humanas, Maslow destacou a importância da realização pessoal e da autorrealização, mas associadas ao senso comunitário. Por isso enfatizou a importância de se pertencer a um grupo e de se sentir parte de algo maior (senso de propósito), do que o eu individual. O egoísmo desenfreado mina essa necessidade básica de conexão e pertencimento, prejudicando o ambiente de trabalho e suas relações como um todo.
Além das consequências interpessoais, o egoísmo também pode ter um impacto significativo na saúde mental e emocional de uma pessoa. Quando alguém está constantemente preocupado apenas consigo mesmo, desenvolve sentimentos de isolamento e solidão, mesmo quando cercado por outras pessoas. Martim Heidegger, filósofo alemão, escreve um tratado chamado “Todos nós, ninguém”, onde demonstra o conceito de solidão nas grandes aglomerações humanas, solidão gerada pelo egoísmo social, onde a identidade se dissolve na multidão. “Estamos próximos, mas não estamos juntos. Vivemos numa cegueira social que nos impede de ver o outro”, afirma ele. Já o psicólogo Eric Fromm, psicanalista e filósofo social alemão, cujo trabalho explorou temas como a alienação, a liberdade e a natureza humana, é enfático quanto aos efeitos malévolos do egoísmo. Nas suas obras “O Medo à Liberdade” e “O Amor e a Solidão”, Fromm examina as consequências emocionais do egoísmo e da falta de conexão interpessoal, explorando como a dinâmica do egoísmo na sociedade moderna pode levar à alienação e ao vazio emocional e existencial. Afirma ele que “o egoísmo exacerbado é uma manifestação contrária a liberdade genuína, onde a conexão com os outros é vista como uma ameaça à autonomia pessoal”.
O egoísmo cria um ciclo vicioso de insatisfação e busca incessante por gratificação instantânea. Quando alguém está constantemente preocupado em satisfazer suas próprias necessidades e desejos, pode encontrar-se preso em um ciclo interminável de consumo e busca de prazer. Isso cria e fomenta um sentimento de “eterna escassez” onde nunca, nada é suficiente. O filósofo existencialista francês, Jean-Paul Sartre, discorre sobre essa “busca incessante” em suas obras quando reflete sobre as questões da liberdade, responsabilidade e autenticidade. Em “O Ser e o Nada” (e em outras obras também), Sartre apresenta o egoísmo como uma forma de evasão da liberdade genuína e da responsabilidade pelos outros argumentando que a liberdade humana vem acompanhada de uma angústia existencial, necessária ao senso de humanidade. Quando as pessoas se concentram exclusivamente em si mesmas, estão evitando enfrentar essa angústia, e acabam presas em uma existência vazia e desprovida de significado e de propósito.
Na tradição judaico-cristã, o egoísmo é tratado como pecado. Mais que um sentimento ou característica da personalidade de alguém, a teologia bíblica alerta para o mal dessa propensão natural. O egoísta peca, pois busca excessivamente a realização de seus desejos, sem considerar os propósitos de Deus para a sua vida, para a vida comunitária e a necessidade dos que lhe são “próximos”. O egoísmo desencoraja a caridade, a irmandade, a generosidade, dentre outras virtudes cristãs. Assim é que, de fato, para a doutrina cristã, “ninguém morre de frio ou de fome, morre por abandono” em uma sociedade egoísta que perdeu o senso de altruísmo, abnegação, beneficência, amor, desapego, entrega, filantropia, renúncia, longanimidade. Ou seja, uma sociedade egoísta não considera o compartilhamento como um valor, tornando-se acumuladora em demasia e autodestrutiva das relações.
O pensamento rabínico sobre o egoísmo, embora multifacetado, é fundamentado nos escritos sagrados do judaísmo e pode ser encontrado em várias passagens das escrituras judaicas, incluindo a Torá, os Profetas e os escritos rabínicos, como o Talmud e a Midrash. Neles o judaísmo reconhece o egoísmo como uma característica humana decorrente do livre-arbítrio, mas também enfatiza a importância de superá-lo em prol do bem-estar da comunidade e da relação com o divino. Para tanto, explicita quatro princípios fundamentais do seu pensamento sobre a questão do egoísmo:
1. Equilíbrio entre o eu e o coletivo: o judaísmo valoriza a importância do indivíduo, mas preconiza a responsabilidade coletiva de se contribuir o bem comum para a comunidade como um todo. Essa noção está enraizada no conceito de “tikkun olam”, que significa “reparar o mundo”, encorajando os indivíduos a agir em benefício dos outros e do mundo ao seu redor.
2. Altruísmo como um ideal: os ensinamentos rabínicos frequentemente destacam a importância de praticar a caridade, a justiça social e o serviço aos outros como formas de transcender o egoísmo. O ato de dar é visto como uma expressão fundamental da conexão com o divino e uma maneira de elevar, tanto o doador quanto o receptor, para mais próximos de Jeová.
3. Autoconhecimento e controle do ego: os textos rabínicos também enfatizam a importância do autoconhecimento e do autocontrole como meios de combater o egoísmo. Isso inclui a prática da reflexão, da introspecção, do arrependimento e dos “serviços aos outros” como formas de cultivar a humildade e a empatia em relação aos outros.
4. Responsabilidade individual: embora o egoísmo seja reconhecido como uma tendência natural (mas não inata), os ensinamentos rabínicos destacam a responsabilidade individual de cada pessoa em superá-lo. Isso envolve a prática da autodisciplina e do auto aperfeiçoamento, bem como a adesão aos mandamentos e valores éticos que promovem a justiça, a compaixão e o respeito mútuo.
O pensamento rabínico reconhece a presença do egoísmo na natureza humana como “uma escolha pessoal”, mas também enfatiza a importância de transcendê-lo por meio do serviço aos outros, da autodisciplina e do compromisso com valores éticos e espirituais.
Por sua vez, o pensamento cristão sobre o egoísmo baseia-se nos ensinamentos de Jesus Cristo e nas demais considerações feitas pelos seus discípulos nas escrituras do Novo Testamento da Bíblia. O cristianismo reconhece o egoísmo como uma condição humana resultante do pecado original, mas mostrando a importância e necessidade de superá-lo em favor do amor e do serviço ao próximo, como forma de expressão da “nova natureza que o homem adquiri ao aceitar a salvação em Jesus Cristo”. Essa condição se torna uma identidade do “corpo de Cristo”; ou seja, a igreja. Semelhantemente ao pensamento judaico-rabínico, o cristianismo também sugere em sua conduta ética, quatro princípios para se abordar a questão do egoísmo:
1. Amor ao próximo como princípio central: Jesus ensinou que o maior mandamento é amar a Deus acima de tudo e amar o próximo como a si mesmo. Isso implica transcender o egoísmo, colocando as necessidades e interesses dos outros em primeiro lugar, como forma de expressão daqueles que “nasceram em Cristo”.
2. Serviço e sacrifício: O cristianismo valoriza o serviço e o sacrifício em favor uns dos outros como formas de combater o egoísmo. Jesus é apresentado como o exemplo supremo de altruísmo, sacrificando-se na cruz para redimir a humanidade do pecado.
3. Humildade e renúncia: Os cristãos são chamados a seguir o exemplo de humildade e renúncia de Jesus, abandonando o egoísmo e buscando a vontade de Deus em suas vidas. Isso envolve renunciar ao orgulho, ao materialismo e aos desejos egoístas em favor da submissão a Deus e do serviço aos outros.
4. Arrependimento e transformação: O cristianismo oferece a promessa de perdão e transformação através do arrependimento e da fé em Cristo. Isso inclui a conscientização do egoísmo como um pecado a ser confessado e abandonado, e a busca por uma vida mais alinhada com os princípios do amor e da justiça.
O pensamento cristão sobre o egoísmo também reconhece sua presença na vida humana como uma consequência do pecado, mas exorta os fiéis a superá-lo por meio do amor, do serviço ao próximo, da humildade e da busca pela vontade de Deus.
Embora o pensamento rabínico e o pensamento cristão sobre o egoísmo compartilhem algumas semelhanças, também apresentam diferenças significativas em sua abordagem e ênfase. Aqui estão dois elementos que os diferenciam:
1. Sobre a origem e natureza do egoísmo:
Rabínico: O pensamento rabínico reconhece o egoísmo como uma característica inerente à natureza humana, resultante do livre arbítrio concedido por Deus e da inclinação para o mal (yetzer hara). O egoísmo é visto como uma tendência natural que pode ser superada através do autocontrole, do serviço aos outros e do cumprimento dos mandamentos divinos.
Cristão: O pensamento cristão também reconhece o egoísmo como uma consequência do pecado original, que corrompeu a natureza humana. O egoísmo é considerado uma separação do amor de Deus e uma inclinação para satisfazer os próprios desejos em detrimento dos outros. No entanto, o cristianismo enfatiza que o egoísmo pode ser superado através do perdão, da transformação espiritual e do seguimento dos ensinamentos e exemplo de Jesus Cristo.
2. Sobre a superação do egoísmo:
Rabínico: O judaísmo promove a prática da caridade, da justiça social e do serviço à comunidade como formas de transcender o egoísmo. Além disso, enfatiza a importância do autoconhecimento, do arrependimento e do cumprimento dos mandamentos divinos como meio de controlar as tendências egoístas.
Cristão: O cristianismo enfatiza o amor ao próximo como o principal antídoto para o egoísmo. Jesus Cristo é visto como o exemplo supremo de amor e serviço, e os cristãos são chamados a seguir seu exemplo, renunciando ao egoísmo em favor do amor e da compaixão pelos outros. A fé em Cristo e o arrependimento são vistos como meios de transformação espiritual que capacitam os indivíduos a superar o egoísmo e viver em conformidade com os princípios do amor e da justiça.
Tanto o pensamento rabínico quanto o pensamento cristão reconhecem o egoísmo como um desafio moral e espiritual a ser enfrentado. Ambas as tradições religiosas enfatizam a importância do amor, do serviço e da busca pela vontade divina como meios de superar o egoísmo e viver uma vida virtuosa. No entanto, diferem em suas perspectivas sobre a origem do egoísmo e nos detalhes de como ele pode ser superado. Assim, nas tradições judaico-cristã e para os filósofos mencionados aqui (além de outros), há pontos em comum: ressaltam que o egoísmo não é uma característica inata, como já comentei, mas um comportamento aprendido pela condição humana e reforçado ao longo do tempo. No entanto é possível cultivar uma maior consciência e empatia em relação aos outros, mesmo que isso exija esforço consciente e contínuo.
Em última análise, as consequências de uma vida egoísta e excessivamente autocentrada são vastas e profundamente prejudiciais, não apenas para o indivíduo, mas também para aqueles ao seu redor e para a sociedade como um todo. É essencial reconhecer o impacto de nossas ações sobre os outros e cultivar uma maior consciência e empatia em nossas interações diárias. Somente através do entendimento e da aceitação mútua podemos construir relacionamentos significativos e uma sociedade mais justa e compassiva para todos.
Mas, como fazer isso? A psicologia positiva oferece uma série de estratégias e técnicas para cultivar uma mentalidade mais altruísta e longânime, que ajudam a mitigar os efeitos nocivos do egoísmo em nossas vidas.
Do ponto de vista terapêutico, alguns procedimentos podem nos ajudar a tratar dessa “síndrome do egoísmo exacerbado”. Nas várias abordagens sobre o tema, o que se busca é construir e promover uma maior empatia e conexão com os outros. E, para nos orientar nessa jornada, seguem algumas linhas terapêuticas que nos podem ser úteis:
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC pode ajudar os indivíduos a identificar padrões de pensamentos e práticas egocêntricas e a desenvolver estratégias para desafiar e modificar esses padrões. Isso pode envolver a prática de reconhecer e questionar pensamentos distorcidos sobre si mesmo e sobre os outros, promovendo uma perspectiva mais equilibrada e empática.
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): Enfatiza a importância do indivíduo aceitar pensamentos e sentimentos difíceis, ao mesmo tempo em que o desafia a se comprometer com ações que são consistentes com os valores pessoais. Para combater o egoísmo, a ACT ajuda os indivíduos a reconhecer e aceitar seus próprios desejos e necessidades, ao mesmo tempo em que cultiva uma maior sensibilidade e consideração pelos outros.
Terapia de Grupo: Participar de uma terapia de grupo pode proporcionar uma oportunidade única para os indivíduos explorarem e confrontarem seu comportamento egoísta em um ambiente de apoio e feedback construtivo. O compartilhamento de experiências com os outros pode ajudar a promover uma maior conscientização e empatia, ao mesmo tempo em que oferece suporte emocional e encorajamento para mudanças positivas.
Terapia de Casal ou Familiar: Quando o egoísmo afeta relacionamentos íntimos ou familiares, a terapia de casal ou familiar pode ser especialmente benéfica. Essas formas de terapia podem ajudar os casais e as famílias a identificar padrões de comunicação disfuncionais, resolver conflitos e desenvolver habilidades para promover a cooperação, o apoio mútuo e a empatia.
Mindfulness e Meditação: Práticas de mindfulness e meditação podem ajudar os indivíduos a cultivar uma maior consciência do momento presente e a desenvolver uma atitude de aceitação e compaixão consigo mesmo e com os outros. Ao praticar a atenção plena, a escuta ativa e a presença autêntica, as pessoas podem aprender a reconhecer e responder de forma mais consciente aos próprios pensamentos e emoções, diminuindo assim a tendência ao egoísmo.
Voluntariado e Atos de Generosidade: Engajar-se em atividades de voluntariado e realizar atos de generosidade podem ajudar a quebrar padrões de pensamentos egocêntricos, proporcionando oportunidades para servir aos outros e vivenciar a gratificação que vem com a contribuição para o bem-estar de outras pessoas.
Esses são apenas alguns exemplos de procedimentos terapêuticos que podem ser eficazes na minimização da síndrome do egoísmo. É importante lembrar que cada indivíduo é único, e o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Portanto, é essencial buscar a orientação profissional qualificada para determinar a melhor abordagem terapêutica para cada situação específica.
Do ponto de vista prático, pequenas coisas podem ser feitas com um enorme impacto na construção de uma vida menos egoísta e mais empática. Seguem algumas sugestões:
Pratique a Gratidão: Reserve alguns minutos todos os dias para refletir sobre as coisas pelas quais você é grato na vida. Reconhecer as bênçãos e as contribuições dos outros pode ajudar a cultivar um senso de humildade e apreciação, contrabalançando o foco excessivo em si mesmo.
Escute Ativamente: Ao interagir com os outros, faça um esforço consciente para escutar atentamente o que estão dizendo, sem interromper ou monopolizar a conversa. Demonstre interesse genuíno nas experiências e perspectivas dos outros para desenvolver empatia e conexão.
Faça Pequenas Ações Elegantes: Procure oportunidades para realizar atos de bondade e generosidade no seu dia-a-dia, mesmo que sejam pequenos gestos. Desde segurar a porta para alguém entrar até oferecer ajuda a um colega de trabalho, essas ações podem fazer uma grande diferença na vida dos outros e ajudar a romper com o egoísmo.
Pratique a Empatia: Ao enfrentar conflitos ou desafios interpessoais, tente se colocar no lugar da outra pessoa e considere as necessidades e os sentimentos dela. O outro está em sofrimento. Entenda isso e promova uma maior compreensão e empatia, facilitando a resolução de problemas de forma colaborativa. Faça um esforço para imaginar como o outro pode estar se sentindo naquela situações. Isso pode ajudar a desenvolver acolhimento e sensibilidade às necessidades e emoções dos outros.
Cultive Relacionamentos Significativos: Dedique tempo e esforço para cultivar relacionamentos significativos com amigos, familiares e colegas. Investir na construção de conexões genuínas e solidárias pode ajudar a mitigar o egoísmo, promovendo um senso de pertencimento e apoio mútuo.
Desafie os Pensamentos Egoístas: Esteja atento aos seus próprios pensamentos e comportamentos egoístas e desafiando-os ativamente. Pergunte a si mesmo se suas ações estão considerando os impactos sobre os outros e se existe uma maneira mais compassiva de agir.
Busque Feedbacks e Aprenda com Eles: Esteja aberto ao feedback dos outros sobre seu comportamento e suas interações. Peça-os a quem considera e confia. Tenha um mentor. Use essas informações como uma oportunidade para crescer e aprender a ser uma pessoa mais compassiva e colaborativa.
Uma mentalidade mais compassiva e voltada para o outro nos ajuda a neutralizar o egoísmo excessivo e a gerar uma vida social e afetiva mais autêntica. Por isso tenha autocompaixão e reconheça que todos nós temos nossas falhas e momentos de egoísmo. Seja gentil consigo mesmo quando perceber esses padrões de comportamento e use essas oportunidades como uma chance de crescimento pessoal. Observe e aprenda com pessoas que demonstram generosidade, empatia e altruísmo em suas vidas. Modelar o comportamento de indivíduos compassivos pode ajudar a inspirar e fortalecer suas próprias práticas de bondade. Pratique a flexibilidade mental estando disposto a considerar diferentes perspectivas e estando aberto a novas ideias e experiências. Uma mente flexível e aberta pode ajudar a quebrar padrões de pensamento egoísta e promover uma maior compreensão e aceitação dos outros.
Tenha limites relacionais saudáveis porque, embora seja importante ser generoso e considerar os outros, também é crucial estabelecer limites saudáveis para não se sobrecarregar com as necessidades dos outros. Aprenda a dizer não quando necessário e reserve tempo para cuidar de si mesmo. Pratique a comunicação não violenta para expressar suas necessidades e preocupações de uma maneira compassiva e respeitosa. Isso envolve escutar atentamente os outros, expressar-se de forma clara e assertiva e buscar soluções que atendam às necessidades de todas as partes envolvidas. Cultive a apreciação pela diversidade reconhecendo e valorizando as diferenças individuais entre as pessoas, incluindo aí diferenças culturais, de opinião e de cosmovisão. Celebre a diversidade, não necessariamente para aceita-la, mas sobretudo para respeita-la. Isso pode ajudar a promover um senso de inclusão e respeito mútuo, combatendo assim o egoísmo e a intolerância.
Busque desenvolver-se pessoalmente comprometendo-se com um processo contínuo de crescimento pessoal e autoconhecimento. Isso pode envolver atividades conversacionais com amigos, mentores, líderes religiosos, além do desenvolvimento pessoal com leitura, meditação, terapia ou prática espiritual, que podem ajudar a promover uma maior consciência de si mesmo e dos outros.
Ao incorporar essas práticas e comportamentos em sua vida diária, será possível neutralizar gradualmente o egoísmo e promover um estilo de vida mais centrado, mas que considere os outros e suas necessidades, baseado na empatia, na generosidade e no respeito mútuo. Fazendo isso você estará dando passos significativos para neutralizar o egoísmo e construir relacionamentos mais saudáveis, gratificantes e significativos com os outros.
Lembre-se de que a jornada para se tornar uma pessoa mais compassiva e empática é contínua e requer dedicação e esforço, mas os benefícios para si mesmo e para os outros são inestimáveis. O futuro da humanidade agradece.
E você, gostou?
Faz sentido essa reflexão?
Vamos conversar sobre o tema.
Reflita em paz!
Homero Reis.
Um dos meus programas favoritos é, numa cafeteria charmosa, tomar café, ler, conversar com amigos. Pois é. Dia desses estava fazendo isso quando numa mesa ao lado sentaram-se algumas pessoas. O papo rolou solto. Mas, de repente, algo começo a chamar minha atenção. Os assuntos tratados eram os mais variáveis possíveis. Falaram de física quântica a massa de pizza, passando por politica internacional, psicologia profunda, previsão do tempo e, é claro, sobre os perigos da inteligência artificial. Fiquei boquiaberto. Ou aquelas pessoas eram enciclopédias ambulantes, ou falastrões. Fica a dúvida. Mas, ocorreu-me um questionamento legítimo (pelo menos me parece legítimo). É possível saber sem conhecer? O fato é que, a partir dessa experiência, comecei a “escutar as conversas alheias”. Impressiona-me o fato de que todo mundo tem opinião certa e segura sobre todas as coisas. Aliás, não me lembro de ter escutado alguém dizer: isso eu não sei, vou estudar o assunto, meu conhecimento sobre tal coisa é irrisório; enfim, as pessoas sabem sem conhecer, dão palpite em tudo sem ter a menor ideia do que estão falando. Por isso, resolvi escrever esse texto para propor uma reflexão sobre a questão do saber e do conhecer. A questão é intrigante e pode ser abordada de diferentes maneiras, dependendo das nuances conceituais atribuídas a esses termos. Vou começar por ai.
Se considerarmos o “saber” como a posse de informações factuais ou proposicionais, então é difícil argumentar que alguém possa saber algo sem, de alguma forma, estar familiarizado com esse algo, ou seja, sem conhecer. Afinal, o conhecimento está intrinsecamente ligado à compreensão e à familiaridade com o objeto de conhecimento. Nesse sentido só se conhece aquilo que se sabe, e só se sabe aquilo que se experiencializa ou se estuda na perspectiva de se estabelecer uma relação plausível entre causas e efeitos ou consequências. Se isso não ocorre e mesmo assim julga-se saber, o que decorre é um falatório sem sentido e com “pitadas” de arrogância.
Em um sentido mais abstrato ou filosófico, o “conhecer” poderia existir em um estado potencial, latente ou subconsciente, sem necessariamente se manifestar na consciência ou na experiência consciente. Por exemplo, alguém poderia ter adquirido conhecimento de algo sem estar totalmente consciente desse conhecimento ou sem ter tido a oportunidade de aplicá-lo ou expressá-lo em um contexto específico. Além disso, em certos contextos, como a linguagem cotidiana, pode-se usar o termo “conhecer” de forma mais ampla para se referir a uma crença ou convicção sobre algo, mesmo que essa crença não seja baseada em um saber completo ou profundo do assunto. Nesse sentido, alguém poderia “conhecer” algo de maneira superficial ou intuitiva, sem necessariamente “saber” plenamente os detalhes ou nuances do assunto. Mas aí, o conhecer é, de fato, apenas uma percepção ou (vou ser generoso), uma opinião que pode ser expressa, obviamente, apenas nessa categoria e não reivindicando para si, status de verdade.
Na história da reflexão filosófica sobre a diferença (e possibilidade) entre saber e conhecer encontramos grandes pensadores de peso. Platão, Aristóteles, Kant, Hegel, enfim, gente que discutiu o assunto sobre os mais diferentes vieses, mas que concordam em um ponto. Expressar o saber, sem conhecer é estupidez. E expressar o conhecer sem o saber é devaneio. Embora esses termos possam ser usados de forma intercambiável no discurso cotidiano, na filosofia, eles assumem significados distintos e profundamente significativos. Assim é que os filósofos recomendam a busca do conhecimento como expressão de sabedoria e o interesse em aprender a partir da declaração de ignorância, com um método oportuno.
Meus colegas de cafeteria não precisam ser experts em todos os temas apresentados naquele encontro, mas poderiam adotar a busca de informações ou o compartilhamento delas como uma forma de tornar a conversa mais agradável, sem o uso das prerrogativas “do sujeito pressuposto saber”.
Aprofundando um pouco mais. Saber é frequentemente associado ao domínio de informações factuais ou proposicionais. É o entendimento de algo específico, com uma base sólida de evidências ou razões. Por exemplo, saber que a Terra orbita o Sol ou que Paris é a capital da França são exemplos de conhecimento factual. O saber está intimamente ligado à capacidade de descrever, explicar e aplicar esse conhecimento de maneira coerente e consistente. Conhecer transcende a mera posse de informações. Conhecer implica uma conexão mais profunda e pessoal com o objeto de conhecimento. Envolve uma compreensão não apenas cognitiva, mas também experiencial e emocional. Conhecer uma pessoa, uma obra de arte ou um conceito abstrato implica uma familiaridade íntima que vai além do simples saber dos fatos associados a eles. Por exemplo, alguém pode saber muito sobre a teoria musical, mas só quem a conhece profundamente pode compor uma sinfonia emocionante ou pode sensibilizar-se com alguma música. Por isso, quando alguém me diz que não gosta de arte (p.ex.), escuto ela dizer que nada sabe sobre arte. Isso porque conquanto o conhecimento transcenda a mera informação, não pode prescindir do saber.
Platão, na Teoria das Formas[1], sugere que o conhecimento verdadeiro transcende o mundo sensível e está relacionado à contemplação das ideias eternas e imutáveis. Nesse contexto, conhecer é acessar a essência ou a realidade subjacente de algo, enquanto saber é reconhecer a sua manifestação no mundo empírico. Por exemplo: toda a percepção que tenho de verdade, a partir da experiência pessoal, remete a uma “realidade universal chamada de verdade”, o mesmo acontecendo com qualquer outra distinção.
Kant também segue esse caminho na distinção entre saber e conhecer. Para ele, o conhecimento é uma síntese entre o que percebemos (fenômeno) e as estruturas cognitivas inatas da mente (noumeno). Assim, o que sabemos é limitado ao que podemos perceber e compreender através do filtro das nossas capacidades cognitivas, decorrentes de nossas vivências, experiências e aprendizagens. Portanto, enquanto saber se concentra no conhecimento objetivo e factual, conhecer abarca uma compreensão mais profunda e subjetiva, incorporando experiência, intuição e conexão pessoal com o objeto de conhecimento. Ambos os aspectos são fundamentais e imprescindíveis para uma compreensão completa e enriquecedora do mundo ao nosso redor ou daquilo que “chamamos de realidade.
Além das análises filosóficas, as perspectivas da sociologia e da psicologia acrescentam camadas adicionais à distinção entre saber e conhecer. Na sociologia, a diferenciação se dá à luz das estruturas sociais e das dinâmicas de poder. O saber muitas vezes é associado ao conhecimento institucionalizado e legitimado pela sociedade, como o conhecimento científico ou acadêmico. Por outro lado, o conhecer pode envolver formas mais subjetivas de percepção e sensibilidade que são moldadas pela experiência pessoal e pela posição social. Por exemplo, as pessoas podem conhecer a realidade da pobreza não apenas por meio de estatísticas ou teorias sociológicas, mas também através de suas próprias experiências vividas ou na experiência de suas comunidades. No entanto, conhecer a partir da experiência revela apenas o modo como “eu” percebo tal experiência. Na relação social tal percepção deve ser “conferida” com outras percepções para se produzir um entendimento que explique, da forma mais ampla possível, o fenômeno. Isso porque uma coisa são os fatos e outra coisa são as interpretações pessoais que fazemos deles. Rafael Echeverria tem uma frase que deixa esse conceito mais claro. Diz ele: “as coisas não são como são; são apenas o modo como as percebemos ou interpretamos. Vivemos em mundos interpretativos”. Anaïs Nin, escritora francesa (1903-1977), acrescenta que “não vemos as coisas como são: vemos como somos”. Ora, isso é fundamental para se entender que qualquer forma de expressão do conhecimento sem o saber, está fadado a um jogo de poder ou a uma busca do saber. Novamente, meus colegas de cafeteria estavam mais próximos de uma “disputa de poder” do que, propriamente, conversando.
Na psicologia, a distinção entre saber e conhecer é entendida nos termos dos processos cognitivos e emocionais. O saber está relacionado à cognição consciente, à memória e ao pensamento racional, enquanto o conhecer pode envolver aspectos mais emocionais, intuitivos e subconscientes da mente. Por exemplo, alguém pode saber que um determinado alimento é saudável, mas ainda assim escolher comer algo prejudicial devido a impulsos emocionais ou hábitos arraigados. A psicologia destaca a importância do conhecimento tácito, ou seja, o conhecimento implícito e não articulado que influencia nossas ações e decisões. Esse tipo de conhecimento muitas vezes não pode ser totalmente descrito ou explicado verbalmente, mas é essencial para nossa compreensão do mundo e nossa interação com ele. Por exemplo, um artesão pode conhecer intuitivamente como esculpir uma peça de madeira, mesmo que não consiga explicar completamente seu processo mental. Mas, mesmo assim, se quer se tornar um artesão excelente, deve saber as melhores práticas da arte de esculpir. Daí a necessidade do estudo, da pesquisa, da prática experimental, enfim, da ciência. Qual a consequência disso? Veja, você pode filosofar sem ter estudado filosofia; você pode tocar um instrumento “de ouvido” sem ter estudado. Mas se quer ser um “virtuose” em qualquer coisa, saiba o que existe, pratique o que está disponível; e expresse seu saber com o conhecimento decorrente de sua subjetividade e sensibilidade.
Então, entendo que a distinção entre saber e conhecer é ainda mais complexa do que simplesmente uma questão de informação factual versus compreensão subjetiva. Envolve também questões de poder, experiência social, processos cognitivos e emocionais, e formas de conhecimento que podem ser tanto conscientes quanto inconscientes.
Não sei quanto a vocês, mas para mim, essas reflexões enriquecem nossa compreensão da natureza multifacetada do conhecimento humano e, se as temos, nossas conversas, ainda que de entretenimento, tornar-se-ão muito mais ricas. Veja, por exemplo, o que a Inteligência Relacional fala sobre o tema.
A perspectiva da Inteligência Relacional oferece insights valiosos sobre a distinção entre saber e conhecer, especialmente ao considerar a diversidade cultural e as diferentes formas de conhecimento que existem ao redor do mundo. Ao adotar o conceito de “etnocentrismo”, oriundo da antropologia, ela entende como diferentes culturas podem ter visões distintas sobre o que é considerado conhecimento legítimo e verdadeiro. O saber, muitas vezes, é moldado por sistemas de crenças e valores culturais específicos, o que pode levar a diferentes entendimentos sobre o que é considerado válido e verdadeiro em diferentes contextos sociais. Por exemplo, em algumas culturas, o conhecimento era (a ainda é), é transmitido oralmente de geração em geração, e a sabedoria é valorizada não apenas pelo que é dito, mas também pela maneira como é transmitida, incorporando histórias, mitos e rituais. Nesses casos, o conhecimento está enraizado na tradição e na prática cultural, e pode não se alinhar necessariamente com os padrões da validação científica, o que, de fato, não é necessariamente errado.
Além disso, a Inteligência Relacional entende a importância do “conhecimento local”, das “distinções pessoais” ou da “sabedoria prática” – conhecimentos específicos de determinados contextos culturais – como essenciais para a sobrevivência e adaptação em ambientes específicos. Por exemplo, as habilidades de navegação dos povos polinésios, os métodos agrícolas tradicionais de comunidades rurais, a sobrevivência na selva dos povos indígenas, o modo de vida dos esquimós, etc, podem ser considerados formas valiosas de conhecimento que não se enquadram nas categorias tradicionais de saber acadêmico. Isso legitima e amplia nossa compreensão da distinção entre saber e conhecer, destacando a importância da cultura, da tradição e da prática social na formação e na validação do conhecimento humano, mostrando e reconhecendo que diferentes sociedades e grupos sociais podem valorizar formas de conhecimento que vão além do conhecimento institucionalizado ou científico, enriquecendo assim nossa compreensão da diversidade e da complexidade do conhecimento humano. Esse princípio é o que valida as “tribos” urbanas, seus hábitos e valores.
Mas, vamos avançar. Do ponto de vista prático, como se pode diferenciar o saber do conhecer? Seguem alguns critérios que estou anotando sobre isso. Certamente existem outros, mas, por ora, fiquemos com esses.
- As Fontes de Informações: O saber muitas vezes é adquirido através de fontes reconhecidas e institucionalizadas, como livros acadêmicos, artigos científicos, cursos formais, entre outros. Por outro lado, o conhecer pode surgir de experiências pessoais, interações sociais, observações diretas do ambiente e da vida cotidiana. No entanto, ambos são faces da mesma moeda.
- A Natureza do Conhecimento: O saber tende a ser mais objetivo e factual, baseado em evidências verificáveis e teorias estabelecidas. Em contraste, o conhecer pode ser mais subjetivo e situacional, influenciado por valores pessoais, emoções e contextos culturais. Juntos promovem segurança. Separados promovem disputas de poder. Conversar na perspectiva da unidade desses dois elementos promovem sabedoria.
- Aplicações Práticas: O saber muitas vezes se traduz em habilidades técnicas específicas ou na capacidade de resolver problemas de maneira sistemática e lógica. O conhecer, por outro lado, pode se manifestar em insights intuitivos, compreensão interpessoal e adaptação criativa a novas situações. No entanto, o que for proposto a partir os insights e intuições dever ser, a seu tempo, submetido ao saber como método.
- Validação social: O saber é frequentemente validado por comunidades acadêmicas, científicas ou profissionais, que seguem critérios rigorosos de revisão e avaliação. O conhecer pode ser validado através do reconhecimento e respeito de outros membros da comunidade ou grupo social, sem necessariamente passar pelos mesmos processos formais de validação.
- Tempo e experiência: O saber muitas vezes é construído ao longo do tempo, através do estudo e da acumulação de conhecimento sistemático. O conhecer pode se desenvolver através de experiências vividas e interações contínuas com o mundo ao nosso redor, sendo moldado pela reflexão e pela prática ao longo da vida.
Por fim, é importante reconhecer que, na prática, o saber e o conhecer frequentemente se entrelaçam e se complementam. Ambos são aspectos essenciais da nossa compreensão do mundo e do nosso lugar nele, e cada um oferece perspectivas únicas que enriquecem nossa visão global, embora dissociados promovam perspectivas muito limitadas. Meus colegas de cafeteria devem continuar conversando e celebrando a amizade. Mas deve-se tomar cuidado para não se pressupor conhecer o que não se sabe. Mas, a máxima que se deve considerar é: nosso conhecimento refere-se a fragmentos, nossa visão da “realidade” é particular e é na conversa interativa que busca o saber que desenvolvemos o conhecer. Que aprendamos uns com os outros.
E você, gostou?
Faz sentido essa reflexão?
Vamos conversar sobre o tema.
Reflitam em paz!
Homero Reis©.
Curitiba/PR, fevereiro/2024.
[1] Costuma-se chamar “teoria das Formas” de Platão a crença difusa nos diálogos platônicos de que para determinado conjunto de objetos tangíveis que compartilham de uma mesma qualidade, essa qualidade comum tem existência real configurando-se como uma Forma Inteligível da qual participando estes objetos recebem as características que apresentam; por exemplo, além das muitas coisas belas visíveis existe a beleza em si da qual participando as coisas belas são belas”; conforme afirma o Prof. Dr. José Lourenço Pereira da Silva
Recebi, recentemente, um texto sobre “cancelamento nas redes sociais”. Quem me enviou, pede-me uma opinião sobre o tema. Aceitei o desafio de refletir sobre o assunto e apresento agora, minhas considerações. Antes, segue o texto que me foi enviado.
“Hoje em dia as coisas tão mudando bastante. Antes, um monte de coisas que hoje a gente não curte, eram super normais, tipo comentários racistas, homofóbicos, machistas, étnicos. Essas paradas não colam mais. Cada vez mais a gente tá se manifestando contra essas atitudes e querendo botar um fim nelas. Você acha legal ver esse debate todo rolando nas redes sociais? A internet virou um lugar gigante pra se discutir causas importantes e se manifestar. Mas, olha só, às vezes, a galera que tá contra esses comportamentos errados acaba passando dos limites e virando uma espécie de “linchamento virtual” contra quem fez a besteira. É tipo uma punição, querendo fazer justiça social na hora. Só que, mano, todo mundo erra, né? E agora tá rolando uma parada chamada “cancelamento” online. Ou seja, se você vacila, pode acabar sendo “cancelado” pela galera. Mas, me diga o que faz alguém ser “cancelado”? É tipo assim: hoje em dia, com a tecnologia dominando tudo e as redes sociais crescendo sem parar, ser “cancelado” tá ligado direto ao jeito que você pensa? Tipo, se você fez alguma coisa que não tá no esquema, pode se preparar pra levar um “cancelamento”. E olha, na maioria das vezes, isso acontece por causa de discordâncias de opinião, né? Porque tem muita gente que acha que tem um jeito “certo” e um jeito “errado” de ser e agir na sociedade. E aí, professor, me diga o que você pensa”.
Olá, o tema é oportuno para uma conversa que, espero, não se esgote aqui. Mas, para começar, quero apresentar um autor que me ajuda a entender um pouco do que está acontecendo no cenário dos “costumes em nossa sociedade. Não sei se você conhece o psicólogo, antropólogo e sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982). Se não, vale a pena ler sua obra, principalmente em tempos de “redes sociais”. Ele foi considerado “o sociólogo norte-americano mais influente do século XX” e seu legado, a meu ver, é de fundamental importância para entendermos o mundo conectado das redes sociais e o modo como nos comportamos nele. Erving Goffman não conheceu o mundo digital, conectado pela internet e pelas redes sociais. Mas, dedicou sua vida à observação participante do comportamento humano, gerando vastíssimo material sobre as interações sociais e o lugar que cada indivíduo ocupa na estrutura e hierarquia social. Seu trabalho me tem sido de muita ajuda para entender esses “tempos modernos”. De toda sua obra, destaco três textos particularmente interessantes. O primeiro é A Representação do Eu na vida Cotidiana (1959), onde ele faz interpretações do comportamento humano, mostrando que ao se comportar socialmente, o indivíduo procura fazer com que os outros acreditem no que ele diz e faz, sendo verdade ou não. O segundo é o Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada (1963), onde ele estuda o que acontece na sociedade na relação entre pessoas “estigmatizadas” e as ditas “normais”. O terceiro é o Manicômios, prisões e conventos (1961), onde ele estuda como determinadas instituições sociais criam suas normas de condutas para “justificar” os comportamentos que elas valoram e os que são passíveis de punição. Esses textos vão lhe ajudar a entender melhor o “cancelamento”, além de lhe proporcionar um saber com conhecimento.
Para início de conversa, a Goffman defende a tese de que a “a conduta humana depende de seus cenários e das relações pessoais”. Estamos todos imersos em uma gestão constante da nossa imagem diante do resto do mundo, na tentativa de conseguir controlá-la a partir das impressões que queremos causar nos outros. O importante é que o maior número possível de pessoas pense, sobre mim, coisas que eu valorizo. Mas, se o que eu penso são verdades ou não, pouco importam. Esta interação que o indivíduo realiza com seu ambiente o incentiva a buscar a definição de cada situação com o objetivo de conseguir controlá-la e de punir quem discorda. No universo das redes sociais isso se manifesta, objetivamente, na quantidade de likes que tenho, na quantidade de seguidores que possuo, no quanto sou capaz de influenciar; e, eu uso isso para “exercer meu poder de punir” quem discorda de mim ou de “minha tribo”.
Mas Goffman continua seu raciocínio quando afirma que “somos atores interpretando nosso papel diante de um auditório que pode ser de uma ou de milhões de pessoas”. Somos atores num palco gigantesco, em um teatro global, seja tentando gostar, agradar, simpatizar, fazer com que nos odeiem. Todos nós agimos tentando ser conscientes, e até certo ponto coerentes, com a imagem pretendida.
Tudo bem! Esse é o contexto em que nos colocamos nas redes sociais. No entanto, “nem tudo são flores”. Do outro lado da cena estão os outros atores e espectadores com suas histórias, personagens e cenários, nem sempre amistosos e convergentes com os nossos. Aí surge a prática do cancelamento, fenômeno que tem sido amplamente estudado e discutido nos dias atuais, como uma prática que permite, imediatamente, o exercício da minha justiça pessoal e imediata, bem como o sentimento de injustiça quando “sou eu o cancelado”.
Para tirar alguma dúvida conceitual sobre o tema, entenda o seguinte: o cancelamento consiste na exclusão social de um indivíduo (ou de um grupo), geralmente em resposta a comportamentos considerados socialmente reprováveis. Tal exclusão ocorre principalmente nas plataformas digitais, onde a disseminação de informações é rápida e abrangente. Também é fato que as exclusões (ou cancelamentos), ocorrem a partir de um certo senso de “micropoder” que os canceladores julgam ter para punir ou reprovar os que pensam de forma diferente do senso que se acha majoritário em determinada cultura ou contexto.
O cancelamento pode ser desencadeado por vários motivos, desde atitudes claramente prejudiciais, como manifestações de preconceito, até opiniões ou posicionamentos divergentes. A rapidez com que uma pessoa pode ser cancelada e a severidade das consequências associadas a esse ato destacam a complexidade e a potencialidade danosa dessa prática. Além disso, o cancelamento não se limita ao indivíduo diretamente envolvido na polêmica, mas pode se estender às pessoas que mantêm algum tipo de vínculo com ele, como amigos ou seguidores nas redes sociais. Isso cria um ambiente de cautela e temor, onde a liberdade de expressão pode ser cerceada e a sinceridade nos relacionamentos pode ser comprometida.
A análise desse fenômeno levanta questões importantes sobre a natureza das interações sociais online e off-line, bem como sobre os valores e padrões de comportamento adotados pela sociedade contemporânea. Embora o cancelamento possa ser visto como uma forma de responsabilizar indivíduos por seus atos, também suscita preocupações sobre justiça, empatia e oportunidades de redenção, além do fato de que quem cancela, não dá ao outro o “direito de defesa”.
Goffman defende a tese da promoção do debate construtivo entre diferentes como forma de se pacificar as relações entre as pessoas, não pela busca de uma concordância sobre tudo e sobre todos, mas pelo aprofundamento das relações de respeito entre os divergentes. Isso porque em nossa sociedade avoluma-se cada vez mais, o “saber sem conhecer” como uma prática que “permite” a qualquer um dizer-se especialista em coisas “que só ouviu dizer”, mas que nada conhece sobre o tema. Ora, ao “cancelar” alguém, o que cancela revela uma atitude semelhante ao que foi cancelado. Por exemplo: você cancela alguém porque julga que suas opiniões, postagens, etc, são preconceituosas; mas, ao cancelar, você também revela preconceito àquela opinião ou postagem.
Bem, só para reforçar, isso que estou falando é uma interpretação que faço do pensamento de Goffman, a partir da Inteligência Relacional, mesmo porque ele jamais imaginou uma sociedade com o nível de conectividade e interatividade que temos e com a teia social que se constitui a partir das “redes”.
Do ponto de vista do pensamento de Goffman, o cancelamento em si mesmo, não representa uma prática saudável nas relações; antes, mostra o quão difícil é para “determinados segmentos e pessoas” conversarem sobre suas próprias diferenças. Preferimos uma “sociedade” de iguais porque fica mais fácil viver e justificar determinado estilo de vida. Para além da prática do cancelamento deve-se incentivar o diálogo reflexivo e aberto, a compreensão mútua e a busca por soluções que promovam a inclusão e o respeito às diferenças. Somente por meio de uma reflexão crítica e do engajamento coletivo será possível mitigar os efeitos negativos do cancelamento e construir uma sociedade mais justa e solidária.
Mas, Goffman nos possibilita ir além, apresentando como o cancelamento pode ser entendido pela sociologia. Nesse sentido o cancelamento é uma forma de controle social exercida pela comunidade virtual sobre seus membros, refletindo as normas e valores predominantes em determinados grupos sociais online, que podem ser influenciados por fatores como identidade cultural, geracional e contexto histórico, político e econômico. A sociologia nos ajuda a entender como as interações sociais nas “redes” refletem e reproduzem dinâmicas sociais mais amplas, incluindo hierarquias de poder, estruturas de dominação e processos de exclusão social. Esses são temas que merecem conversas e entendimentos e não, “simplesmente”, exclusão porque nos é mais confortável “continuar sendo como somos”.
Do ponto de vista filosófico, o cancelamento levanta questões éticas e morais sobre justiça, responsabilidade e perdão. O filósofo alemão Immanuel Kant, citado por Goffman, aborda a noção da responsabilidade moral individual em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785). Nessa obra, Kant destaca a importância de agir de acordo com princípios universalizáveis. Ora, sendo assim, Goffman, vê o cancelamento como uma forma de responsabilização por comportamentos considerados moralmente reprováveis, embora também suscite questões sobre a possibilidade de redenção e perdão. Filósofos contemporâneos, como Hannah Arendt, exploram o papel da ação pública e da responsabilidade política na esfera pública, oferecendo insights sobre os limites do poder de julgamento e punição nas sociedades democráticas.
Por fim, a abordagem antropológica entende o cancelamento como um mecanismo de reforço de identidade e coesão social dentro de comunidades online. Antropólogos como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu estudaram como os símbolos culturais e as práticas sociais são utilizados para estabelecer e manter fronteiras simbólicas entre grupos. Nesse sentido, o cancelamento pode ser visto como uma forma de demarcar essas fronteiras e reafirmar os valores e normas compartilhados dentro de uma comunidade específica.
Muito embora se tenha diferentes abordagens sobre o tema, a ideia que prevalece em todas as formas do “pensar e agir sobre o cancelamento” é de que precisamos conversar sobre sua prática, reconhecendo que ela nos poderá ser útil, mas que não pode ser a primeira forma de agir em razão dos desacordos e das diferenças.
Esse espaço conversacional, proposto por Goffman, ajuda a entender como as redes sociais digitais proporcionam novas formas de sociabilidade e interação social, que muitas vezes desafiam as categorias tradicionais de identidade e pertencimento. Questões essenciais podem compor uma agenda sobre o tema. Por exemplo, como o cancelamento pode influenciar a construção e negociação de identidades sociais nas redes? Como ele pode impactar a autoimagem e o bem-estar psicológico dos envolvidos? De que maneira, o fenômeno do cancelamento nas redes sociais nos permite compreender nossas origens, dinâmicas, valores e, até mesmo, nossa noção de justiça, direito e punição? Ao integrar insights da sociologia, filosofia e antropologia, podemos desenvolver abordagens mais holísticas e informadas para lidar com esse fenômeno complexo e suas implicações para a sociedade contemporânea. Esse diálogo reflexivo nos trará imensos benefícios, começando pelo fato de superar a lógica intrinsecamente binária (seguir ou não; curtir ou não), característica dos ambientes digitais que acabamos por transferir para a dinâmica social nas redes não cibernéticas.
Enfim, o tema do cancelamento nas redes sociais por sua relevância e contemporaneidade, levanta questões que vão desde a ética e a moralidade até a construção de identidades e pertencimento nas comunidades virtuais. Ao integrar esse fenômeno à luz do pensamento de Erving Goffman, é possível compreender suas origens, dinâmicas e implicações para a sociedade contemporânea de maneira mais abrangente e informada. A prática do cancelamento, embora possa surgir como uma forma de responsabilizar comportamentos considerados reprováveis, também suscita preocupações sobre justiça, empatia e oportunidades de redenção, que merecem ser conversados através do diálogo reflexivo e da busca por soluções que promovam a inclusão e o respeito às diferenças. Se assim nos propusermos a fazer, certamente evitaremos os efeitos negativos do cancelamento e construir uma sociedade mais justa e solidária. Para tanto, é essencial reconhecer que as redes sociais digitais oferecem novas formas de sociabilidade e interação social, desafiando as categorias tradicionais de identidade e pertencimento. Ao promover um diálogo construtivo sobre o cancelamento, podemos transcender a lógica binária que muitas vezes permeia esses ambientes digitais e criar espaços mais inclusivos e reflexivos, tanto online quanto off-line.
Obrigado por participar. Espero que essa conversa continue. Estou disponível nas redes sociais.
Forte abraço,
Homero Reis©.