Pertencimento – A Arte de Promover o Humano

Pertencer a uma cultura, um país, uma família, a uma tribo, um grupo social é a maior demanda do ser humano. O não pertencimento gera quebra de vínculos e conexões, sendo a principal causa dos problemas de saúde emocional e relacional. Pesquisas afirmam que “não pertencer” gera desajustes sociais, sociopatias, distúrbios emocionais, agressividade, solidão e desequilíbrios relacionais. Queremos ser e fazer parte de algo que tenha significado, que seja maior do que nós mesmos e que nos forneça um propósito para a vida. Queremos pertencer e fazer parte de coisas que sejam significativas na família, no trabalho, nos relacionamentos.

Pertencer a algo, ou “pertencimento” (termo usado na literatura que trata desse assunto), é conceituado como o sentimento de estar conectado, aceito e integrado a um grupo, comunidade ou identidade compartilhada. É a sensação de fazer parte de algo maior onde nos identificamos e encontramos um lugar de propósito, aceitação e significado. O pertencimento não apenas proporciona uma rede de apoio relacional e emocional, mas contribui para o desenvolvimento da identidade pessoal e coletiva, influenciando a autoestima, os valores e comportamentos. Essa conexão com outros indivíduos ou entidades sociais é fundamental para o bem-estar psicológico, social e emocional das pessoas, influenciando diretamente sua qualidade de vida, seu senso de realização, seu propósito e trabalho.

A necessidade de pertencimento é uma característica fundamental da natureza humana, profundamente enraizada em nossa psicologia e evolução social. Desde os primórdios da humanidade os seres humanos têm vivido em grupos, tribos e comunidades, onde o pertencimento não só proporciona segurança física, mas também emocional e psíquica. A busca por pertencimento é motivada pela necessidade de conexão, identidade e significado, e é gerada pela natureza gregária de nossa espécie.

Quando uma pessoa se sente excluída ou desvinculada de qualquer grupo ao qual ela pertença ou aspire pertencer, tem como consequência uma série de desajustes. Além da solidão, o sentimento de não pertencimento pode causar ansiedade, depressão e baixa autoestima, potencializando sofrimentos crônicos e outros distúrbios mais graves.

A sensação de pertencimento está intimamente ligada à nossa identidade e autoestima. Quando nos identificamos com um grupo, seja ele uma família, uma cultura, uma religião, uma comunidade online ou qualquer outra forma de associação social, isso nos dá uma sensação de propósito e significado, nos ajudando a encontrar nosso lugar no mundo e a compreender nosso papel na sociedade. Os grupos oferecem o apoio necessário para ajudar seus membros a enfrentar desafios e as dificuldades da vida a partir do princípio da reciprocidade. Eles oferecem amizade, camaradagem e um senso de conexão que pode ser vital para o bem-estar sócio-emocional. Pertencer a algo ou a alguma coisa nos proporciona apoio para a jornada humana. O caminho sempre é mais fácil quando se caminha junto.

Sentir-se excluído ou não pertencente é o estopim (ou o gatilho) para fomentar ciclos de isolamento que se tornam em solidão crônica com efeitos devastadores em todos os domínios da  vida privada e social. O sentimento de exclusão quebra o vínculo humanístico, descaracterizando nossa natureza humana. As consequências disso podem chegar a níveis em que o indivíduo já não se reconhece mais como “ser humano”, além de não reconhecer o outro, também como tal. (P.Ex.) Em extremo, mas não tanto, o suicídio se ancora no despertencimento e na quebra de vínculos com a vida.

Portanto, é crucial reconhecer a importância do pertencimento e trabalhar para criar comunidades inclusivas e acolhedoras onde todos se sintam valorizados e aceitos. Isso requer esforços tanto a nível individual quanto coletivo para promover a compreensão, a empatia e a tolerância em relação às diferenças e diversidades que existem dentro de nossa sociedade e dentro também dos grupos ou tribos. Ao cultivar um senso de pertencimento positivo e inclusivo, podemos ajudar a mitigar muitos dos problemas sociais e emocionais associados à exclusão e solidão.

O pertencimento é percebido pela experiência de envolvimento pessoal com um sistema relacional, ou ambiente social, de forma que a pessoa sinta que é parte integrada de algo maior, de uma comunidade, de um grupo de pessoas, com propósitos e valores com os quais ela se identifica ou deseja se identificar. Ela se sente vinculada, próxima e aceita pelas pessoas; sente-se “igual” e torna-se capaz de manter relações estáveis e de crescer com o grupo (uma nação, um time esportivo, uma religião ou uma família), desenvolvendo afetos orgânicos com os demais. Isso é fundamental para manter os vínculos humanísticos que nos caracterizam como espécie. Apesar de nossas inúmeras diferenças, somos todos, humanos. Por outro lado, a sensação de não pertencimento surge a partir da falta de conexão com o meio. Por exemplo, indivíduos que não se sentem pertencentes à sua família por terem personalidades e crenças muito diferentes, sentem-se alijados dos “pequenos grupos” aos quais deveria estar associado, sentem-se objeto de críticas e preconceitos; enfim, sentem-se fora do contexto. Isso desencadeia “sentimentos” que produzem desconexão, afastamento e quebra de vínculos com suas patologias associadas: depressão, solidão, agorafobia, dentre outros.

 

A sensação de pertencimento começa a esmorecer quando o indivíduo percebe que sua existência no grupo não é mais relevante para o conjunto de acontecimentos que caracterizam o grupo. Ao perceber-se marionete de vontades alheias, objeto de descriminação e de “cancelamento social”, além de julgamentos constantes e críticas maldosas, ocorre a fragilização de suas relações com o grupo e, por consequência, da sensação de pertencer.

 

Dentre as principais causas que dificultam o pertencimento, seja em organizações, empresas ou grupos sociais, as mais significativas são:

  • Discriminação e preconceito: quando as pessoas são discriminadas ou tratadas de maneira injusta com base em características como raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, status socioeconômico, entre outros.
  • Exclusão ou cancelamento social: situações em que as pessoas são deliberadamente excluídas ou marginalizadas por razões meramente subjetivas ou por motivo torpe (p.ex.: divergências de opinião, orientação política, time de futebol ou parar na faixa de pedestres).
  • Falta de diversidade e representação: grupos que carecem de diversidade e representação podem fazer com que alguns membros se sintam alienados, alijados ou não representados e sem valor. Essa tentativa de uniformidade do grupo já contou a sua história: raça pura, hegemonia masculina, fascismo, etc.
  • Normas e expectativas restritivas: normas culturais ou expectativas sociais rígidas e inflexíveis, impostas autoritariamente, podem alienar  os indivíduos que não se encaixam nessas normas, fazendo com que se sintam excluídos ou incompreendidos.
  • Conflitos interpessoais: disputas, rivalidades ou indisposições entre os membros, podem criar tensões e divisões que prejudicam o senso de pertencimento de todos os envolvidos, principalmente quando não há espaços conversacionais.
  • Falta de comunicação eficaz: uma comunicação deficiente, preconceituosa ou com falta de transparência dentro da comunidade pode levar a mal-entendidos, ressentimentos e desconexões. Piadas sexistas, racistas, machistas são um bom exemplo do que não deve ser feito.
  • Ambiente hostil ou inseguro: Um ambiente físico ou social que seja percebido como hostil, inseguro ou ameaçador desencoraja o pertencimento ao criar sentimentos de medo, ansiedade ou desconfiança.
  • Individualismo excessivo: Uma cultura que valoriza excessivamente o individualismo em detrimento do senso de comunidade e colaboração pode levar os membros a se sentirem isolados ou desconectados.
  • Falta de oportunidades de participação: Quando os membros não têm oportunidades significativas para contribuir, participar ativamente ou se envolver, isso pode reduzir seu senso de pertencimento e investimento no grupo, no time ou na comunidade.
  • Mudanças rápidas ou desestruturação: Mudanças rápidas ou desestruturações não negociadas, alterações de normas e procedimentos unilaterais, podem criar incerteza e instabilidade, dificultando o senso de pertencimento dos membros.

 

Identificar essas causas e aborda-las no sentido de promover conversas e compartilhamentos, é trabalhar para criar um ambiente inclusivo, acolhedor e participativo, essencial para promover o pertencimento e fortalecer a coesão dentro dos sistemas relacionais.

 

O sentimento de exclusão ou não pertencimento, decorrente das causas acima mencionadas, se manifesta de várias maneiras na vida social e relacional das pessoas. Tais manifestações podem variar de acordo com a personalidade, experiências individuais e contexto social, mas apresentam certos sinais já conhecidos. Dentre eles, os mais ocorrentes e que indicam maior sentimento de exclusão ou não pertencimento, com suas doenças relacionadas, são os seguintes:

 

  • Solidão crônica: Sentir-se constantemente isolado, criticado e sem apoio social. A solidão crônica pode levar a uma série de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, e, não raro, à tendências suicidas.
  • Baixa autoestima: Sentimentos de inadequação, desvalorização e falta de autoconfiança. Isso pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos de personalidade, compulsividade ou distúrbios alimentares.
  • Ansiedade social: O medo intenso de ser julgado, rejeitado, criticado ou ridicularizado. Isso promove transtornos de imagem e cognição.
  • Depressão: Sentimentos persistentes de tristeza, desesperança e desinteresse pela vida. A depressão é uma doença mental comum e séria, muitas vezes associada ao sentimento de exclusão.
  • Comportamentos de evitação: Preferir evitar situações sociais, se isolar ou se distanciar dos outros, não conseguir formar amizades, ser excessivamente ritualista, muitas vezes são estratégias de enfrentamento adotadas por pessoas que se sentem excluídas ou não pertencentes. Isso tem como consequência  problemas de relacionamento e dificuldades de interação social.
  • Hostilidade e agressão: Algumas pessoas respondem à exclusão social com sentimentos de raiva, agressividade, ressentimentos e hostilidade em relação aos outros, muitas vezes sem “causa aparente”. Isso leva a conflitos interpessoais e comportamentos agressivos.
  • Desenvolvimento de vícios: O uso compulsivo de substâncias como álcool, drogas, jogos de azar ou on-line, pode ser uma forma de lidar com a dor emocional e o vazio resultantes da exclusão social e do não pertencimento.
  • Transtornos alimentares: Transtornos alimentares, como anorexia ou bulimia, são também considerados formas patológicas do enfrentamento da perda do senso de pertencimento como forma auto-destrutiva da autoestima.
  • Auto isolamento: Retirar-se voluntariamente das interações sociais e evitar contato com outras pessoas também é um tipo de resposta ao sentimento de exclusão ou não pertencimento. Isso pode levar ao desenvolvimento de problemas de saúde mental, como agorafobia ou fobia social. Muitos casos de “homeless”  decorrem do auto isolamento como modo de enfrentar o sentimento de “não pertencer”.
  • Baixa qualidade de vida geral: Descuido com a qualidade de vida, com a imagem pessoal, com a saúde. Desmazelo e desprezo para com os cuidados rudimentares da vida, indicam desconexão e despertencimento.

 

Do ponto de vista individual é importante reconhecer esses sinais para buscar o apoio adequado necessário. A terapia individual ou em grupo e o apoio de redes sociais e comunitárias podem ser recursos úteis para se lidar com os efeitos negativos da exclusão social e promover o senso de pertencimento. Do ponto de vista social, é fundamental que gestores, professores, pais, terapeutas e demais pessoas que “cuidam de gente”, entendam esses sinais como forma de promover práticas corporativas e políticas públicas de acolhimento. O desafio é gerar nas pessoas a sensação correta de ser um elemento importante na teia social. Esse sentimento faz com que elas se sintam parte de algo maior. Já, o contrário disso é trágico, como já comentei.

Nas organizações (p.ex.), para aumentar o sentimento de pertencimento, é preciso que formadores de opinião, gestores e lideranças, demonstrem confiança nos seus times. Isso funciona muito bem quando as expectativas e objetivos ficam claros para os colaboradores, por meio de feedbacks e avaliações constantes com seus líderes. A cultura e a forma como a organização percebe seus colaboradores diz muito sobre o nível de efetividade de uma política de pertencimento. Não basta apenas teorizar sobre as condições de trabalho, mas também assegurar uma prática inclusiva condizente. Quem “sente que pertence” aonde trabalha, tende a ser mais produtivo, otimista e preocupado com o negócio. Isso se manifesta no modo como vivencia e experimenta, no dia-a-dia, uma condição de melhoria contínua do trabalho e das oportunidades de crescimento.

 

Seguem algumas dicas para se cuidar do “senso de pertencimento” nas organizações:

  • Estimule uma cultura que tenha como compromisso fazer com que todas as jornadas valham a pena. Enxergar o capital humano a partir do estímulo de uma visão empreendedora como fonte geradora de riqueza e crescimento do negócio abre espaço para a diversidade, a inclusão e o pertencimento.
  • Melhore a comunicação interna. A comunicação e a informação sem ruídos, num ambiente livre, produzem interações positivas, minimizando conversas paralelas e interpretações equivocadas. Essa boa prática evita movimentos paralelos que prejudicam os relacionamentos e geram possíveis conflitos entre equipes.
  • Construa e fortaleça os vínculos entre as pessoas dizendo a todos que são importantes e que o tratamento é igualitário, valorizando a participação de todos, tendo mecanismos claros de promoção do mérito, além de estimular que as pessoas façam coisas juntas para além do trabalho. Quanto à construção de vínculos, refiro-me a ter atividades que façam com que a equipe troque experiências e se integre a partir das diferenças individuais, tanto em seus aspectos interpessoais, quanto na  percepção da dinâmica organizacional. Refiro-me também à narrativa da organização, que faz com que esse coletivo de pessoas esteja junto considerando os motivos que levam a organização a existir e a seguir em frente construindo algo maior a partir de suas atividades rotineiras.
  • Escute os colaboradores. A rotina acelerada, repleta de processos e urgências, condiciona empresas e organizações a tornarem os relacionamentos vulneráveis porque todos têm algo a dizer e desejam ser escutados mas, quando isso não acontece, se retraem e deixam de dar boas ideias. Cuidando da escuta ativa se pode ter duas surpresas agradáveis: uma chuva de ideias altamente produtivas e o despertar de novos profissionais que, percebendo a oportunidade de serem reconhecidos, passarão a ter maior engajamento e disposição para o trabalho.
  • Celebre conquistas. Celebre coisas grandes e pequenas mantendo no time o sentimento de que estamos vencendo sempre, seja nos resultados, seja na aprendizagem. Antes de serem profissionais, os seres humanos sonham e vibram quando conquistam algo; logo, celebre sempre.
  • Ofereça reconhecimento. Reconheça o trabalho, seja grato e generoso. Ideias como “não fez mais do que a obrigação” são péssimas para  uma boa prática de pertencimento. Todas as vezes que alguém, seja quem for, apresentar uma boa performance reconheça e permita que todos saibam. Elogie. Diante de desafios, incentive todos a usarem todo o conhecimento disponível e a mostrar do que são capazes. Assim eles verão a empresa/organização com apoiadora e não apenas aquela que utiliza seus profissionais para atingir metas.
  • Promova o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. O bom desempenho profissional depende de uma saúde mental equilibrada, onde a qualidade de vida, o bem-estar e a realização pessoal tem um lugar de destaque na vida de cada pessoa. Gerir o tempo para o lazer e família, estimula o compromisso com as relações de trabalho, favorecendo o desejo de pertencer.

 

Construir “boas práticas” de pertencimento que se caracterizem como elemento de uma cultura organizacional (e social) saudável, não é resultado de uma fórmula mágica; antes, é o resultado de cuidados cotidianos constantes e de atenção com a qualidade dos relacionamentos. Essa é uma construção dinâmica, diária e evolutiva. E não se esqueça: o sentimento de pertencimento nasce da percepção de respeito, sem distinções no tratamento das pessoas independentemente do grau hierárquico ou tempo na empresa/organização. É a inclusão mostrando o valor e o real sentido da palavra pertencimento.

E você, gostou? Faz sentido essa reflexão? Vamos conversar sobre o tema.

Reflitam em paz!

Por: Homero Reis

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