E se o paraquedas não abrir?

A experiência é inenarrável! Tem coisas que a gente só conhece se experimenta. Não adianta o outro falar, não adianta ler livros, assistir vídeos, fazer cursos, teorizar. Tudo isso é muito importante, mas se quiser saber mesmo é preciso vivenciar. É o caso de pular de paraquedas. Essa experiência nos ensina sobre muitas coisas!

 

Um dia, depois de muito pensar e refletir, você decide que vai pular de paraquedas. Os amigos já pularam, você viu gente dizendo que é incrível, etc. Você não quer ser paraquedista. Só quer ter a experiência. Então descobre onde isso acontece e parte para a execução do desejo. Aqui já tem alguma coisa para se refletir. Tem muita gente que fica pensando, pensando, pensando, desejando, desejando, desejando e não faz nada. Morre na intenção. Mas você não! Você quer pular de paraquedas e “correu atrás”. Chega no local, o coração já acelerou um pouco quando viu que “o buraco parece ser mais embaixo”. Um pensamento passa pela cabeça: será que a ideia é tão boa assim? Mas, tudo bem, ainda estamos na zona de conforto. O instrutor se apresenta, lhe informa da sua (dele) autoridade e credenciais e passa a lhe tratar como “um discípulo”: dá as informações, mostra poses, simula situações, orienta sobre os procedimentos, conta como vai ser o passo-a-passo. Você lá, firme (será???). Mas a coisa continua. Agora chegou o momento de aparamentar-se. Você veste o macacão, coloca o capacete, prepara o celular para a filmagem. Afinal tudo precisa ir parar nas redes sociais. O instrutor faz as últimas simulações: prende você nele porque seu salto será “assistido”, lhe coloca na posição que você deverá ficar quando estiver na porta do avião para saltar. Porta do avião, saltar? Eita! Essas palavras passaram a ter um outro sentido. De repente você percebeu um pequeno tremor nas pernas. Bobagem! Vamos em frente! O bambu treme mas não quebra.

 

Tudo certo, você caminha agora para o pátio onde está o avião (aviãozinho, diga-se de passagem). Como é que alguém pode acreditar que aquilo vai voar e que é seguro? Ainda mais cheio de gente? O tremor nas pernas fica um pouco mais forte e já reverbera na voz. O ar está pouco por aqui (você pensa enquanto o fôlego parece diminuir). Mas coragem é coragem; pelo menos por enquanto. Você segue com aquela sensação de “o que é que eu estou fazendo aqui”. Nesse momento a vontade de ir ao banheiro aparece, você precisa ligar para alguém, pensa num compromisso importante, acha que não está preparado… Será mesmo que vou fazer isso? Sério, serião??? Meu Deus! Onde é que fui me meter. O aviãozinho ficou mais “zinho” ainda e você entrou em estado de dormência.

 

Você chega perto “daquilo” e pela primeira vez tem a clareza de como as sardinhas se sentem dentro da lata. Mas a razão impera. Eu sou um ser humano ou um rato? Na real? Nesse momento você sente que está mais para rato. Sobe a escadinha do avião e tenta mostrar para todos que está tudo bem. Há um sorriso nos lábios que não engana ninguém, muito menos você; as pernas parecem desparafusadas e você fica com aquela vontade de pedir para o instrutor “segura minha mão???” Agora é “a hora da onça beber água”.

 

O aviãozinho corre desesperadamente pela pista, num ritmo frenético que só o seu coração é capaz de reconhecer: “isso não vai dar certo”. Mas, o bichinho é valente e sobe, sobe, sobre. As coisas vão ficando cada vez menores. Como é lindo o horizonte, a paisagem, a natureza; e você lá, firme “pero no mucho”.

 

Muito bem, gente! Diz o instrutor ao abrir a porta do avião. Vamos nos preparar porque estamos chegando na área de salto. Você pensa: salto, como assim???? É que você tinha esquecido do propósito enquanto apreciava a vista. E agora José????

 

Você começa a pensar se foi uma boa ideia, se estava preparado, se aquele era o momento adequado. Olha aí você se boicotando. Todo propósito desejado parece que vai sucumbir. Mas, você vai se superar (pelo menos espera). O que você não sabe é que as coisas vão ficar mais tensas.

 

O instrutor chama você, lhe prende ao macacão dele e, juntos vão para a porta do avião. “Como um cordeiro diante dos seus tosquiadores você não abre a sua boca”.  Posicionados, você e o instrutor seguram na barra de salto. Nesse momento as instruções finais lhe dão todo o “choque de realidade”. É agora! Você não queria saber disso. O instrutor lhe diz: vou soltar a minha mão e você continua segurando firme, ok? Nós só vamos saltar se você quiser, quando quiser. A decisão é sua.

 

Meu Deus!!!!!! As informações sobre segurança, as estatísticas de sucesso, toda a preparação… Tem o paraquedas principal, tem o de segurança, o “cara” é o melhor paraquedista do mundo, todo mundo diz que é seguro, nunca aconteceu nada de errado… Pô, mas agora é comigo! Sou eu que estou “na fita”.

 

A história continua. Você, na porta do avião, segurando a barra de saltos com a firmeza de fazer inveja ao super-homem. Nesse momento você entendeu aquela conversa de “tá cortando agulha”. Entre seus dedos e a barra não passa nem pensamentos, muito menos por outros orifícios. E o instrutor insiste: quando você estiver pronto, é só soltar as mãos. Como assim? Só soltar as mãos!!!!!

 

O instrutor é alguém que já viveu centenas de vezes esse momento e lhe incentiva. Ele é um especialista em motivação, embora nem sempre funcione. Você dá conta, se quiser é só soltar as mãos, ninguém vai lhe forçar a nada, mas é você que tem que decidir. O tempo passa e você descobre a relatividade de Einstein. Cada segundo parece uma eternidade. Você quer saltar? O tempo está acabando. Solte as mãos…

 

***

Bem é aqui que o “bicho pega”. Você tem duas alternativas.

Primeira, você pode dizer que não consegue saltar, que não quer mais, que o paraquedas pode não abrir, sei lá. Tudo bem, o instrutor entende, respeita e comanda o avião para voltar para o aeroclube. O avião aterrissa e você desce pela escadinha com a sensação de que esteve “quase lá”. Foi por pouco. Essa é a forma mais clara de se entender o conceito e a experiência do que é frustração. Mas, ok, você vai lidar com isso (espero). Afinal não se deve correr riscos desnecessários, tudo tem limites e as terapias estão aí para isso mesmo. Porém, se você escolhe esse caminho, que história você vai contar para os seus netos???? Que você quase conseguiu isso ou aquilo? Como é que você vai se olhar no espelho? O pior é que tem gente que vive a vida inteira se frustrando e dando desculpas. É, mas o que está em jogo vai muito além disso. Você está lidando com certas dificuldades relacionais que precisam ser enfrentadas. Dificuldades que começam com o modo como você se vê no mundo, e isso vai mais além do que pular de paraquedas. Veja, cercar-se de informação, planejamento, tecnologia, recursos, etc, faz com que os riscos sejam minimizados, mas eles continuarão a existir. Viver é conviver com possibilidades e riscos e assumi-los como parte do processo. Quem só quer possibilidades e não aceita os riscos, não realiza o salto da vida. Muitas vezes aprende a preferir o conforto do “galinheiro” do que se arriscar na amplitude dos céus. No galinheiro há segurança, nos céus há liberdade e encantamento. Sobre isso há um livro lindo “A Águia e a Galinha” do Frei Leonardo Boff, que recomendo ler. Muitas vezes nosso medo racionaliza nossas possibilidades e nos convencemos de que somos “galinhas” e não deixamos nossa natureza de águia aflorar. O resultado é uma vida cheia de sonhos sem realização, cheia de vontades mas com pouca ação, cheia de conhecimento mas com pouca construção, cheia de títulos mas com pouca autoridade, cheia de conceitos mas com pouca vivencia. O nome disso é mediocridade.

Segunda, você reconhece sua vulnerabilidade, reconhece que existe um certo risco, assume o medo, enfrenta a si mesmo em nome do seu sonho e desejo. Acredita no que intencionou, planejou, preparou e se propôs a executar. E, contra todo sentimento do medo que paralisa, da autoproteção e da autossabotagem que querem lhe manter na “zona de conforto”, você está encantado diante da nova experiência e de toda aprendizagem que ela contém. Agora é a hora de respirar fundo e, heroica e bravamente, soltar a mão e cair no espaço, no nada, no vazio cheio de infinitas possibilidades. Essa queda livre é uma eternidade, embora não passe de alguns segundos. Nesse instante subatômico, nesse fragmento do microssegundo, na decisão do risco calculado, mas assumido, na intensidade do “jogar-se” é que a vida se constrói, que o “universo se fez”. Agora, solto no espaço, o coração saindo pela boca, a sensação é outra. De repente o paraquedas se abre e você sente que está navegando seguro. O céu foi conquistado e não há nada mais que você possa fazer a não ser viver a experiência. Você está voando, portanto, desfrute. A paisagem reveste-se de cores, formas e significados que você jamais imaginou. Afinal, “não fomos feitos para voar”, mas você está voando. Você superou os limites, atravessou o portal do conforto e, como uma águia, mergulhou no vazio que foi preenchido pela mais alucinante e inesquecível experiência que você jamais havia tido. São poucos minutos, mas sua mente mudou, sua emoção mudou, sua visão de mundo mudou, você é agora uma possibilidade alada. Você voou. Ao chegar no solo, a sensação é tão boa que dá vontade de fazer tudo de novo, agora. Cadê o aviãozinho, quero ele de novo para colocar-me diante do incomensurável. Aliás, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, disse o Fernando Pessoa. Cada medo, cada momento, cada “risco”, cada insegurança, tudo se incorpora na experiência nova, na possibilidade do futuro que recomeça.

E aí, qual a alternativa que você escolhe? Quanta coisa você tem desejado realizar e que “só falta soltar a mão”? Meu desafio a você, e que tem sido minha luta diária, é ser capaz de permitir deixar-se encantar pelas infinitas possibilidades que nos são apresentadas diariamente. É tornar-se maior do que você mesmo. Os riscos existem, mas são infinitamente menores que as realizações, quando nos dispomos a ousar. Vá, faça o que lhe parece impossível e, de repente, descobrirá que pode construir um novo VOCÊ.

Reflita em paz.

Homero Reis.

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