Com o avanço da tecnologia e a globalização crescente, as relações interpessoais se tornaram ainda mais importantes para o sucesso pessoal e profissional. A capacidade de se comunicar de forma clara e eficiente, de se colocar no lugar do outro e de gerenciar conflitos são alguns dos elementos da inteligência relacional. Neste artigo, vamos explorar, em detalhes, o que é a Inteligência Relacional, quais são as suas principais aplicações e como desenvolver essa habilidade tão valiosa.
Durante muito tempo, ouvimos falar sobre o QI e sua importância. As pessoas foram medidas e avaliadas pelo seu Coeficiente de Inteligência (QI) e isso era tido como um grande diferencial. A capacidade de ter um raciocínio lógico-matemático acima da média ou a capacidade de interpretar e escrever bem eram elementos que diferenciavam as pessoas. Com o tempo e com estudos encabeçados por pesquisadores como Daniel Goleman, entre outros, percebeu-se que o QI, embora importante, não era capaz de “jogar” sozinho. Ser inteligente, do ponto de vista cognitivo, ajudava no processo de compreensão das coisas, mas a Inteligência Emocional (QE) começou a ser vista como fundamental para balizar como as pessoas reagem e o que as move.
Hoje, já se sabe que, ambas – inteligência cognitiva e emocional – são muito importantes, mas sozinhas são insuficientes para interpretar as relações humanas.
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As pessoas foram para a terapia, começaram a buscar processos de autoanálise e desenvolvimento, o que é fundamental, mas que também, por si só, não promovem mudanças se não houver nelas a vontade, capacidade e disponibilidade para encarnar o aprendizado. Muitas vezes, não há maior compreensão sobre o que acontece, ou porque somos o que somos e, tais processos, tornam-se mais um elemento de autojustificativa do que de transformação.
Onde está a problemática das relações
Vivemos em um tempo que estimula muito a aquisição de informações, do ponto de vista técnico, mas que não promovem igualmente a capacidade relacional. Nunca se teve tanto acesso à informação hoje. A tecnologia tem nos facilitado a vida, mas estamos vivendo tempos de embrutecimento. Onde está o erro?
Parece-me que temos esquecido a questão relacional, ou, na melhor das hipóteses, a temos pressuposto como óbvia demais para que a problematizemos. A queixa que mais escuto de meus clientes, quer nas organizações, quer nos sets de mentoria, é justamente essa: “as pessoas não sabem mais se relacionar, não sabem conversar, não sabem negociar, não conseguem resolver conflitos”. A que se deve isso?
Ocorre que não aprendemos a nos relacionar, muito menos a conviver com as diferenças. Acreditamos que essas coisas são inatas e cremos que “a vida é assim mesmo”. Confiamos que se nosso aparelho fonoaudiológico funciona bem e o da pessoa com quem falamos também, então, é claro que ela vai entender o que estou dizendo. Partimos do pressuposto de que somos claros no nosso falar e “limitado” foi o outro que não entendeu. Partimos do “princípio da obviedade”: se eu disse, é claro que ficou claro; é claro que ele/ela entendeu! Como não entendeu? Disso surgem os dramas relacionais.
Com essa lógica esquizofrênica e narcísica, passamos a julgar que “sempre” estamos certos e que o problema relacional “são os outros”. Justificamo-nos na incompetência do outro e seguimos nossa vida. Vemo-nos possuidores da razão, como se nossa forma de ver as coisas fosse a “verdade” sobre as coisas. Criamos uma verdade única e absoluta e, por diferentes formas e razões, a temos conosco. Acreditamos que o que vemos e sentimos é o que é. De fato, o é em nosso universo íntimo e particular, mas isso não se torna padrão de verdade relacional.
Qual o resultado dessa mecânica? Mantemo-nos medíocres e imaturos em nossos relacionamentos porque resolvemos as coisas com a ideia de que o mundo perfeito é aquele que “eu” constituo. Assim, nos mantemos mesquinhos, repetindo as mesmas histórias e padrões relacionais sem aprender com eles; ficamos assim porque não superamos as dificuldades que temos de nos relacionar da forma como precisamos. Essas duas coisas juntas nos fazem adiar decisões, evadir as pessoas, deixar embaixo do tapete conversações que, ainda que difíceis, gerariam uma excelente oportunidade para crescermos e fazermos crescer, além de expandir nossa capacidade relacional e ganhar maturidade e profundidade nos relacionamentos.
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Inteligência Relacional: O que é e qual a sua importância?
Daí, começamos a notar que a Inteligência Emocional (QE) e a Inteligência Cognitiva (QI) estavam precisando de uma nova companheira que as trouxesse para o mundo interrelacional. Denomino-a Inteligência Relacional (QR). Ou seja, revela-se quando nos damos conta de que existe a forma como eu vejo as coisas, mas há também a parte do outro, como ele vê, como ele sente e como percebe o que está acontecendo. No momento em que nos damos conta disso, abrimos a possibilidade de aprender com as relações e entendemos que é preciso ser inteligente para caminhar junto. Esse entendimento gera um “campo relacional” que é gerado quando duas ou mais pessoas se relacionam. Trata-se de um rico espaço, cheio de diferenças e que contém o germe da novidade, o desafio da terceira via, a construção da possibilidade; um espaço onde a vida se recria e se constitui pelo encantamento que descobrimos de ser quem somos, sem nos sentir ameaçados pela diferença, o que nos capacita para construir novos caminhos, em unidade.
Conceitualmente falando, Inteligência Relacional é o modo como lidamos com as relações; ou seja, é como entendo o que acontece entre “eu e o outro”, sendo esse outro uma pessoa, um grupo, uma sociedade. Por isso, entende-se Inteligência Relacional como “a capacidade de ler dentro dos relacionamentos” para entendê-los e, neles, interferir de modo a produzir uma vida mais intensa e verdadeira para todos, com menos agressividade e mais harmonia e efetividade. Esse conceito surge na mesma trilha de tantas outras tentativas de entender o fenômeno humano para, não só explicá-lo, mas para permitir que nos tornemos seres humanos melhores. Desde a visão mais micro e particular (pessoas e famílias), até a visão mais macro (humanidade), vê-se um crescente mover da violência, da intolerância, das relações abusivas, da agressividade e das guerras, por motivos cada vez mais fúteis, revestidos muitas vezes de políticas de estado ou de conveniências pessoais. Daí a necessidade de entender como tais relacionamentos se fundam e como podem ser revertidos para uma qualidade de vida melhor em todos os sentidos.
Vários institutos de pesquisa e universidades ao redor do mundo têm apresentado pesquisas sobre o embrutecimento da humanidade. No entanto, todos concordam que nada precede o ato relacional. Tudo surge dele e, a partir dele, tudo se faz independente de raça, tribo, língua, povo, etc; independente também do quanto de tecnologia embarcada, cada povo ou nação possui, tudo se dá dentro dos relacionamentos.
Por isso, sustentado por diagnósticos relacionais e dados de realidade, foi que estruturei a ideia de Inteligência Relacional, sustentada pela Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig Von Bertalanffy, pela Autopoiese de Humberto Maturana, pelos Ensaios sobre a Sociedade Líquida de Zygmunt Bauman e pela Ontologia da Linguagem de Rafael Echeverria, dentre outros.
Com esse suporte, muito se tem aprendido sobre os relacionamentos humanos. Por exemplo: entender como os relacionamentos são constituídos e como ocorrem nos permite descobrir muitas das razões pelas quais as relações abusivas se constroem, entender o porquê das dificuldades de comunicação e gerenciar melhor nossa equipe de trabalho. Também nos fornece subsídios para lidar melhor com nossos adolescentes e nossos afetos.
Tudo que antes da Inteligência Relacional era tido como “educação” e “bom senso”, com ela, passou a ser uma competência que pode ser adquirida e desenvolvida, porque relacionar-se é tudo, menos óbvio.
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Diagnóstico da Inteligência Relacional
Por fim, a partir do conceito de Inteligência Relacional, muito se tem caminhado no sentido de poder diagnosticá-la e medi-la. Essa ideia tem como desafio proporcionar a todos os que se interessam pelo tema, um processo de monitoramento de suas competências relacionais. Tais medidas decorrem de estudos sobre duas dimensões da vida humana.
A primeira, dimensão temporal, cuida do passado, como a referência histórica de cada pessoa, modo que estabelece o modo como ela se vê no presente. Ainda na dimensão temporal, cuida-se também do futuro como projeção das expectativas. É nele, no futuro, que vamos viver o resto de nossas vidas.
A segunda, é a dimensão relacional, que cuida do “eu” no sentido de como minha identidade foi forjada na vida, como aprendi o que aprendi, com que valores, crenças, certezas e princípios, lido com as “ocorrências” do cotidiano. Ainda dentro da dimensão relacional, cuida-se do outro, entendido como todos aqueles para além de mim. No domínio do outro, aprendo o quanto sou sociável, cordato, resignado, ressentido e o quanto estou em paz com a diferença e o quanto os outros me deixam em paz, em aspiração e em encantamento.
Disso se derivou uma escala que pretende ser um indicativo do meu estado atual e das minhas possibilidades em termos de desenvolvimento das competências relacionais. Tudo isso, hoje, pode ser medido e diagnosticado de forma efetiva para oferecer “boas dicas” de como se autoconhecer para se relacionar melhor.
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Como funciona a Inteligência Relacional?
De tudo o que temos conversado até aqui, surgem algumas perguntas relevantes, dentre as inúmeras inquietações para as quais temos que nos preparar para responder: Como funciona a Inteligência Relacional? Como medi-la? Que problemas ela nos ajudará a resolver? Pois bem, vamos às respostas.
Espaço Reflexivo da Aprendizagem
No relacionamento entre duas ou mais pessoas surge “espaço relacional” que “batizei” de ERA – Espaço Reflexivo da Aprendizagem. Esse espaço é criado pelo próprio relacionamento a partir do fato de que as pessoas são diferentes. O modo como cada um percebe a conexão relacional existente (ou não), nos permite medir o que está ocorrendo entre tais pessoas. Essa medida chama-se “sê movente”. Quanto maior o índice, maior será a Inteligência Relacional presente no espaço relacional daquelas pessoas (indivíduos, grupos, sociedades, etc), revelando melhor o estado da qualidade relacional entre eles.
Cada indivíduo, nessa relação, traz em si histórias de vida. Histórias vividas ou assumidas como tal e que lhes confere a noção de identidade, expressando o modo como cada um se vê (eu), o modo como se vê o outro, como lidam como seus passados e como constroem as possibilidades de futuro.
Cada indivíduo é dotado de competências culturais que o habilita a relacionar-se com o “mundo”. Tais competências são equipamentos natos, “softwares” que compõem a natureza humana. Eles nos tornam capazes de aprender como as coisas ocorrem nos relacionamentos, e nos capacitam a tomar algumas decisões e a agir de alguma forma. No início de nossa vida, tais “softwares” estão vazios de conteúdo. Na medida em que a vida vai nos proporcionando experiências relacionais, vamos assimilando e sistematizando conteúdos para promover efetividade em nossas relações. Tal processo ocorre naturalmente, mas nem sempre com efetividade.
Do ponto de vista técnico, essas experiências são gerenciais por “softwares” que estão disponíveis em nossa natureza e são: a plasticidade, a ressonância límbica e o acoplamento. É assim que os mesmos fatos são apreendidos de forma distinta por pessoas distintas, mesmo que muito próximas, como entre irmãos gêmeos univitelinos. Essas apreensões da realidade irão constituir-se nas identidades e nos repertórios relacionais da cada um porque cada um é diferente dos demais.
Mecânica da inteligência relacional
Todo indivíduo relaciona-se com a “realidade” a partir de duas forças. Uma refere-se à forma como ele capta e interpreta o mundo exterior, apropriando-se dele e fazendo-o ter sentido para si. Essa força chama-se força concêntrica. Outra é a forma como ele devolve ao mundo exterior os significados processados internamente e que impactam diretamente seus relacionamentos porque são expressões de sua cosmovisão. Essa devolução se objetiva no corpo, na linguagem e nas suas emoções, portanto, no seu comportamento relacional gerando possibilidades, como também revelando suas limitações próprias e naturais. Essa força chama-se força excêntrica. Ambas as forças atuam dentro de determinados limites estabelecidos pela nossa biologia.
Nossa natureza biológica nos permite fazer algumas coisas e outras não, pelas características intrínsecas do nosso organismo. Da mesma forma, nossa natureza estabelece certos níveis de conforto e tensão nos processos de apropriação da realidade, bem como no modo como respondemos a ela. Quando em baixa tensão não somos capazes de reagir ao que nos ocorre, quando em alta tensão nos estressamos.
Em ambos os casos os relacionamentos ficam prejudicados por falta de reação ou por reações inadequadas, o que nos leva a pressupor a existência de um certo nível de tensão que seja mais adequado para a plenitude dos relacionamentos. Chamamos o melhor nível de tensão para ambas as forças de “normal”, e os níveis de baixa ou alta tensão de “estado de pressão”.
Força concêntrica
A força concêntrica é instrumentalizada pelos sentidos (visão, olfato, audição, tato e paladar), que são os “scanners” da realidade, aliada ao modo como aprendemos a dar significado às coisas.
Aristóteles dizia que não há nada na mente humana que não tenha passado antes pelos sentidos. Com eles captamos as coisas que nos ocorrem e as processamos, gerando significado para todas elas. Coisas não captadas pelos sentidos não se instalam na nossa mente, assim se tornam coisas para as quais o indivíduo não é capaz de construir significado e assim, se perdem.
Inicialmente esses significados nos são conferidos pelas relações primárias que nos são oferecidas: relações com a família, pessoas próximas, etc. Com o tempo, vamos aprendendo e sistematizando a forma como passamos a “construir significados” para as coisas e vamos ganhando autonomia interpretativa sobre os fatos. A isso se chama desenvolvimento e aprendizagem.
A força concêntrica organiza-se e se robustece na medida em que os estímulos oferecidos pelo meio (coisas, circunstâncias e pessoas) são interpretados de forma consistente e coerente ao longo da vida, funcionalidade típica dos relacionamentos.
Veja o quadro a seguir.
FORÇA CONCÊNTRICA | TENSÃO NORMAL | ESTADO DE PRESSÃO |
EU | plenitude | depressão |
OUTRO | aproximação | distanciamento |
PASSADO | reconhecimento | desconsideração |
FUTURO | significação | perda de objetividade |
A dimensão relacional começa com os domínios do eu e do outro. Em tensão normal, a força concêntrica coloca o EU (nossa relação conosco mesmo), em estado de plenitude, ou seja, o modo como a realidade é captada e interiorizada por nós e que não nos causam nenhum desconforto. Isso não significa que não exija esforço; muito pelo contrário, mas não gera sentimentos de invasão, nem de inadequação. Aprendemos as coisas e lhes atribuímos sentido como um sentimento natural de adequação à nossa natureza. Sabemos que aquilo nos pertence porque somos acolhidos e sentimos que o que está acontecendo está de acordo com nossa natureza biológica que reage de forma natural e adequada. Por isso, somos capazes de conhecer e sistematizar os padrões de desenvolvimento dos seres vivos. Há coisas que vão acontecendo de forma natural e que, se acontecem assim, estamos no caminho certo.
Já em estado de pressão, ou seja, quando a força concêntrica está com baixa tensão ou em estado de estresse, o EU caminha rumo à depressão. Esse estado é muitas vezes acompanhado por sentimentos de baixa autoestima, perda de interesse pela vida, queda na libido, dentre outros acompanhamentos estudados pela psicologia moderna. As causas da força concêntrica em estado de tensão decorrem de uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e relacionais. Em todos os casos, entretanto, estão ligados à forma como o indivíduo aprendeu a interiorizar os fatos e as interpretações das coisas que lhe ocorreram (ou ocorrem).
São manifestações comuns desse estado: alterações no humor, interpretações costumeiramente críticas (no sentido negativo) da realidade, declarações do tipo “só acontece comigo”, “isso é minha cruz”, “essa é minha sina”, “não mereço” são comuns. Também encontram-se nas causas da força concêntrica em estado de tensão, as histórias familiares, as repentinas e significativas alterações na vida sem a devida reflexão e conversas, relacionamentos excessivamente controladores e autoritários.
Em modo normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao outro em estado de aproximação. Somos naturalmente gregários e nossa tendência é nos aproximar, fazer amizade, conversar, interagir. Essa tendência natural, é uma das estratégias mais efetivas na geração de nossa força social. Com ela, estabelecemos os vínculos humanos mais fortes e nos constituímos como uma irmandade em todo o planeta.
De certa forma é a força concêntrica na nossa relação com o outro que proporciona o sentido de afeto e permanência. A aproximação é uma relação afetiva entre duas ou mais pessoas, decorrentes de um “encontro” espontâneo. Em sentido amplo, proporciona um nível de relacionamento que envolve conhecimento mútuo, além da lealdade implícita em nossa natureza. A aproximação tem como origem o instinto de sobrevivência da espécie, a necessidade de proteger e ser protegido por outros seres, bem como o senso de cooperação e colaboração como formas de superar as limitações individuais. Na aproximação, somos naturalmente levados à aceitação do outro como ele realmente é, e isso torna-se um dos pilares dos relacionamentos inteligentes. Veja, por exemplo: duas crianças bem novas que nunca se viram antes e, por se encontrarem casualmente em um parque ou na praia, em pouco tempo, estão em um relacionamento intenso, espontâneo e verdadeiro. Aí está o melhor exemplo da força concêntrica em modo normal.
Já em estado de pressão, nossa relação com o OUTRO caminha rumo ao distanciamento. Vejo o outro como ameaça, como “inimigo”, como estranho. Tenho a percepção de que sou um “estranho no ninho” ou de que estou “sempre errado” porque comparo-me excessivamente com aquilo que vejo nos outros e isso gera em mim medo que produz insegurança, que evolui para mecanismos de defesa, que me faz agir com agressividade. Armo-me de muitos mecanismos de defesa com o objetivo de manter o mínimo de interação possível nos relacionamentos. Há uma tendência à solidão, à introversão excessiva, ao distanciamento. Em estado de pressão, a emocionalidade que vem acompanhada com a percepção do outro, é de ressentimento; não consigo aceitar-me diante das comparações que faço. Minha plenitude não se consolida porque desloco minhas referências daquilo que sou (tenho, faço, etc), para o que os outros são (tem, fazem, etc).
As crianças, usualmente, estão com a força concêntrica em estado normal na relação eu-outro. Agora veja o seguinte exemplo: uma mãe leva sua criança à praia. Pouco tempo depois, chega, ao local, uma outra criança totalmente desconhecida e, espontaneamente, os dois começam a brincar. A mãe chama seu filho para perto de si com a seguinte frase: “Joãozinho, já lhe falei para não falar com estranhos. Brinque aqui perto de mim”. Nesse momento a mãe introduz no sistema de valoração da criança um estado de pressão na força concêntrica que irá determinar o modo como a criança construirá as possibilidades de relacionamentos no futuro. É claro que isso não ocorre instantaneamente; é fruto de um comportamento sistemático entre o eu e a quem tal confere autoridade ao longo de um tempo.
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A dimensão temporal engloba os domínios do passado e do futuro. Em tensão normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao PASSADO em estado de reconhecimento. Recordamo-nos, de modo estável, das ocorrências de nossa vida, contidas nas histórias que contamos a nosso respeito e que envolvem nossas relações. Tais recordações nos dizem que foram o que foram e ficamos em paz com elas. Não há ressentimento nem resignação quanto aos fatos, mas sabemos das possibilidades de alterar as interpretações que fizemos das coisas que nos ocorreram. Meu passado torna-se uma poderosa força que justifica e protege minha identidade. Reconheço as dores, os sofrimentos, mas também as alegrias, superações, realizações; enfim, tenho a clareza de que a vida não erra se meu olhar para ela não for míope. Sou capaz de entender que cheguei onde cheguei porque segui determinado caminho que escolhi, consciente ou não. As lembranças são validadas e percebo equilíbrio nas emoções que evocam. Quando olho para traz e sinto saudades das coisas que aconteceram ou por perdas que tive, tenho a sensação de que valeram a pena. Em todo tempo, o passado me serve de referência para uma aprendizagem consistente. Permito-me pensar nas coisas que “poderiam ter sido” e não tenho restrições em pedir ajuda para entender melhor “como as coisas foram” e de que modo, se assim o desejar, posso ressignificá-las.
Já em estado de pressão, vemos o passado com desconsideração. Lamento “minha sorte” e sinto que houve uma conspiração cósmica a meu respeito. Julgo que teria sido melhor se tivesse tido outra origem, outras circunstâncias, outros recursos, outras decisões, ou se determinadas coisas não tivessem acontecido. O passado torna-se imutável quanto às interpretações que aprendi a fazer dele. Sinto-me culpado por coisas que fiz, sofri ou que deixei de fazer. As memórias dessas coisas me atormentam e me tornam refém de emoções não processadas. Usualmente, as lembranças fazem-me entrar em estado melancólico e tenho dificuldades em ver o mundo como possibilidade. Não raro, tenho dificuldades de falar sobre meu passado e sentimentos de agressividade e insegurança me acometem. Acredito que em minha história de vida alguns acontecimentos deixaram marcas profundas que me atrapalham e me inundam recorrentemente com memórias que considero traumáticas. Esse estado pode levar-nos a construir uma imagem de nós mesmos negativamente influenciada e, com isso, viver à sombra do passado, presos a ele, reduzidos a ele. Deixo de crer que a vida é, acima de tudo, um grande e constante desafio.
Em tensão normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao FUTURO em estado de significação. Aprendemos a vê-lo como infinitas possibilidades. Em tensão normal, a visão do futuro amplia nossas chances de criar oportunidades para todos os relacionamentos desejados de forma a orientar nossas decisões e atividades relacionais. Permite pensar “fora da caixinha” e antecipar possíveis barreiras e tendências que enfrentaremos. Além disso, ao construir uma visão de futuro significativa, as pessoas que envolveremos em nossas relações (ou outros), também contribuirão para que tenhamos resultados mais criativos e maiores oportunidades.
Uma visão de futuro significativa amplia o leque de oportunidades pela visualização de projetos de vida inovadores. Uma visão significativa de futuro é condição que antecede o processo de geração de possibilidades porque apresentam diversos componentes sinérgicos: a validação da história; as competências percebidas, os sonhos e planos pensados; as necessidades de aprendizagem; o contato com a proatividade, com o protagonismo e com a capacidade de empreender. A tensão normal é condição básica para o entendimento de que tudo o que teremos no futuro nasce de uma construção mental no presente, fundamentada em possibilidades que vemos a partir do passado.
Já em estado de pressão, vemos o futuro com perda de objetividade. Sabemos que estamos com a força concêntrica em estado de pressão quanto ao futuro, quando perdemos a esperança ou a temos por consolo. Perdemos a energia emocional que nos impulsiona na geração de possibilidades de resultados positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida pessoal. Temos pouca perseverança, desacreditando facilmente das possibilidades e desistindo delas diante da menor indicação de fracasso. Exponenciamos a percepção dos riscos e minimizamos as possibilidades de sucesso, julgamos que a “luta será inglória”, nos conformamos com o que temos porque sonhar é iludir-se, ficamos reféns dos modelos mentais que nossa história produziu e nos acomodamos ao que temos e somos, porque não acreditamos que seja possível algo novo.
Força excêntrica
Como tal, a força excêntrica é o vetor que nos faz exteriorizar o que temos dentro de nós. Ela nos possibilita oferecer-nos ao mundo, completando, assim, nosso processo relacional. Ou seja, interiorizamos a “realidade” para atuarmos sobre ela nos expondo e colocando-nos a serviço dos diversos papéis sociais que desempenhamos ou desempenharemos.
Evidentemente, a força excêntrica está fundada na força concêntrica. Nós nos expressamos a partir do que somos. Desse modo, também a força concêntrica atua em padrões normais e em estado de pressão. Há indicadores específicos para cada estado e o modo como os discernimos fará toda a diferença em nossos relacionamentos.
Considere o quadro a seguir:
FORÇA EXCÊNTRICA | TENSÃO NORMAL | ESTADO DE PRESSÃO |
EU | identidade | recuo |
OUTRO | legitimidade | ausência |
PASSADO | validação | culpa / arrependimento |
FUTURO | projeção | Incertezas / medos |
A dimensão relacional excêntrica prossegue com os domínios do eu e do outro. Em tensão normal, a força excêntrica coloca o EU em plena expressão de nossa identidade. Naturalmente, nos expomos sem reservas. Nos reconhecemos, somos espontâneos e nos ofertamos ao mundo como somos. Em estado de tensão, temos a tendência ao recuo. Nos vemos com dificuldades em nos revelar, construímos um sentimento de “timidez”.
O estado de recuo ou acanhamento é percebido como desconforto e inibição em situações de interação pessoal e interferem, diretamente, na realização dos objetivos pessoais e profissionais. Caracteriza-se pela obsessiva preocupação com as atitudes, reações e pensamentos dos outros. Geralmente, mas não exclusivamente, em situações de confronto relacional, construímos comportamentos de fuga, escapismos e de não enfrentamento. O recuo pode comprometer de forma significativa a realização pessoal e constitui-se em fator de empobrecimento da qualidade de vida. A partir do recuo, pode-se instalar uma perda significativa na efetividade dos relacionamentos pela constatação de que o que desejamos, construído pela força concêntrica em estado normal, não é capaz de adquirir consistência em sua expressão social.
Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao OUTRO no estado de legitimidade que, em Inteligência Relacional é a condição que atribuo ao outro de modo a reconhecê-lo como “não falsificado”, ou seja, admito que, embora diferente, o outro tem as mesmas prerrogativas minhas e, assim como espero ser reconhecido como tal, reconheço também. Isso não significa aceitação ou concordância, mas entendimento de que o outro é o que é e não cabe a mim desqualificá-lo ou julgá-lo por qualquer forma que seja.
Já em estado de tensão, a força excêntrica coloca o outro diante de mim em ausência, ou seja, o outro se torna invisível. Ao nos expressarmos, não o levamos em consideração, nem nos sensibilizamos por ele. O outro torna-se uma mera paisagem e relaciono-me com ele como se fosse inerte ou, na melhor das hipóteses, um elemento cenográfico que compõem o meu contexto. De modo geral o recuo se demonstra quando elaboro juízos sobre os outros, cujo conteúdo expressa alguma forma de crítica, cuja intenção é justificar meu afastamento. Por outro lado, o recuo demonstra a dificuldade que tenho de aceitar a diferença como possibilidade; antes, vejo-a como ameaça e, por isso, me afasto.
A dimensão temporal excêntrica prossegue com os domínios do passado e do futuro. Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao PASSADO no estado de validação, ou seja, tudo o que vivi pode ser exteriorizado sem que isso me envergonhe ou que me faça sentir culpa. Orgulho-me de contar minhas histórias de vida e de relacionamentos. Não sou uma “propaganda enganosa”, nem procuro construir uma imagem externa incompatível ou inadequada ao meu conteúdo (imagem interna). O que expresso é verdadeiro.
Conforme Agostinho (354-430 d.C), em sua autobiografia intitulada Confissões, diz: “expresso-me de forma a manifestar-me como sou”. Esse estado nos promove uma grande consistência ontológica porque mantém a perfeita adequação entre meu mundo interno (força concêntrica) e o modo como expresso isso ao mundo externo (força excêntrica).
Leibniz (1646-1716 / Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano), corrobora com esse conceito ao afirmar que “a validade no ser humano é um atributo do que é verdadeiro no ser quando há a correspondência entre as proposições que faz e aquelas que estão no seu espírito, inerentes às coisas das quais se trata”. Já em estado de tensão, relaciono-me a partir da culpa e do arrependimento. Expresso-me como “santo do pau oco”. Minha comunicação ao mundo externo se dá por vitimização ou fantasia. Esse estado de tensão apresenta atitudes tóxicas porque nos levam a expressar coisas que não correspondem com a realidade interna, revelando incoerência. Essa visão distorcida mostra um processo de idealização e “fantasiamento” que, em estado avançado fomenta a mentira sistêmica ou a omissão da verdade.
Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao FUTURO no estado de projeção. Sou capaz de coordenar ações efetivas (fazer pedidos, ser uma oferta e fazer reclamações), no sentido de instrumentalizar comportamentos e decisões de modo a concretizar aquilo que foi pensado como significativo pela força concêntrica no estado normal. Expresso-me com objetividade. O futuro mostra-se como promissor e com muitas possibilidades diante das quais não me acovardo. Corro riscos calculados e necessários, e não me abato com eventuais desventuras e perdas. Recomeço sempre. Aprendo com isso e retomo minha vida relacional.
Já em estado de tensão, relaciono-me a partir de incertezas e medos. Internamente posso ter grandes ideias e bons planos, mas não sou capaz de efetivá-las porque não consigo relacionar-me com ousadia, por que desconfio de minha própria capacidade. Creio que “boas ideias são bons negócios” em si mesmas e não consigo avançar nas ações que vão construir o futuro pensado. Acerco-me de juízos tais como: “não sei o que quero”, “não tenho certeza sobre meus planos”, “tenho dúvidas se estou no caminho certo”. Perco a capacidade de risco. Nesses casos, a resultante mais provável é uma vida relacional fantasiada e pouco efetiva. Tem-se grandes planos e poucas realizações. A vida passa e fico imaginando como poderia ter sido, embora em tempo algum arrisquei-me a ser.
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O conceito do agora
Da combinação das forças concêntrica e excêntrica, em seu estado normal, surge o conceito de AGORA – momento de maior energia relacional, de presença plena. É caracterizado por um estado de disposição que nos mantém ativos na reflexão, no movimento e na ação. Pesquisas e estudos nesse campo apontam uma provável forma da energia psíquica, proveniente dos nossos pensamentos e emoções, na medida em que somos capazes de expressar coerentemente aquilo que está dentro de nós.
De outra forma, essa energia psíquica também permite que a força concêntrica seja exponenciada quando a ela agregamos os conteúdos que desejamos tornar objetivos na vida exterior. Essa mecânica coloca-nos, permanentemente, no domínio da aprendizagem. Essa energia também vem do exterior, dos ambientes por onde nos movemos, dos nossos semelhantes e outros agentes que nos direcionam na vida como mentores ou pessoas de referência. Nesse caminho, encontramos estados emocionais como fonte geradoras do amor, seguidos de otimismo, alegria, fé e esperança. No entanto, a combinação das forças concêntrica e excêntrica, em seu estado de tensão faz surgir o conceito de fuga do agora, cujo resultado pode gerar um estado relacional promissor para o ódio, a inveja, o imobilismo, a preguiça, o mau humor, o medo inadequado ou fantasioso, a ansiedade, o estresse, os sentimentos de culpa e de frustração, a lamúria, o comodismo e coisas assemelhadas. Também gerará possibilidades de provocar dificuldades de concentração, excesso de sono ou insônia, pesadelos e diversos outros tipos de mal-estar.
Pois bem, a partir do conceito de AGORA e das combinações possíveis dos estados normal e em tensão das forças concêntricas e excêntricas, podemos estabelecer uma escala que nos permitirá avaliar o nível da Inteligência Relacional instalada em cada um de nós. Se você chegou até aqui, quero desafiá-lo a ter essa experiência quali-quantitativa de avaliar sua inteligência relacional.
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