Sou psicóloga e coach há mais de 15 anos e desenvolvo, na minha vida profissional, as duas atividades. Quero começar falando sobre o coaching.
Vivemos um boom do coaching no Brasil. Mas ainda não chegamos nem perto do número de coaches existentes em países onde a profissão é mais desenvolvida. Se nos EUA e na Europa temos 40 coaches para cada 1 milhão de habitantes, no Brasil temos apenas 5. Nos EUA, o cargo de coach em organizações já está se tornando comum, realidade bem diferente da nossa. Isso nos dá uma dimensão do quanto o coaching ainda tem para crescer no Brasil, e também do quanto a população em geral ainda não conhece o coaching.
O que me faz pensar que não faz mal nenhum as mídias ajudarem a popularizar o termo. Mas o problema começa quando a própria mídia não entende o coaching – ou entende parcialmente – e, embora de forma lúdica, transmite uma ideia equivocada. Na novela global, uma coach ajuda uma mulher abusada pelo padrasto, por meio da hipnose, a se curar. Sobre isso, precisamos esclarecer algumas coisas.
Coaching é um processo que se pressupõe desenvolver competências para se colocar no mundo de forma mais autêntica e, assim, alcançar seus objetivos de vida. Existem várias abordagens diferentes de coaching, mas elas não se destinam a tratar, cuidar ou curar aquilo que está no domínio da saúde mental. Isso cabe aos profissionais da área que estudaram amplamente, fizeram muitas horas de supervisão e se especializaram para melhor cuidar desses temas. Profissionais da psicologia, por exemplo, em geral, estudam psicopatologia, psicofarmacologia, psicofisiologia para melhor compreender os impactos bioquímicos desses sofrimentos na mente e no corpo e, assim, intervir de forma cautelosa.
Quando se trata de sofrimentos e traumas, a pessoa, em geral, está “quebrada”! É a alma que está ferida, em pedaços! Nestes casos, “querer” mudar a realidade não é o bastante, tarefa a que se propõe o coaching. É preciso “poder” primeiro, isto é, ser cuidada pelo profissional que realmente é habilitado para fazer isso. Este profissional possibilitará que a pessoa se recomponha, se reorganize, e possa voltar a “querer” transformar sua realidade e a se colocar de uma nova maneira na vida.
Não há milagre! Não é do dia pra noite. Traumas levam tempo, precisam de reflexão profunda para o paciente elaborar e ver o que realmente faz sentido para ele. O milagre, se assim posso dizer, é a construção do novo hábito, a disciplina para fazer um pouco a cada dia e ir construindo o futuro. E nem precisa dizer que requer muito conhecimento, estudo e especialização do profissional de saúde.
Para meus alunos em formação da Pós-graduação em Coaching, sempre faço questão de deixar claro o que é escopo do Coaching e o que não é. Nestes casos, o melhor a fazer é construir com o coachee a ação de procurar uma ajuda de um psicólogo, de um psiquiatra. Ou apenas declarar, com cuidado, ética e respeito, que estão entrando numa seara que seria importante ter acompanhamento de um profissional da saúde. Quem faz isso, não perde cliente. Só reitera seu profissionalismo e cuidado com o coachee.
Digo isso porque realmente tem me preocupado a leviandade que tenho visto em relação a isso. Formações-relâmpago de coaching estão colocando no mercado pessoas que nunca atenderam ninguém (e que na verdade precisariam ser atendidas primeiro) e encorajando-as a lidar com o humano lançando mão de um conhecimento raso e sem horas de experiência para saber o que realmente significa atender uma pessoa. Falta estudo, falta profundidade, falta compromisso e respeito com o humano, que busca este serviço acreditando na proposta.
É claro que temos excelentes profissionais coaches que atuam com excelência e cuidado. Mas precisamos estar atentos ao que está sendo vendido e a promessa. Milagres não existem! Tenho recebido muitas pessoas no consultório com feridas geradas por intervenções deste tipo.
Precisamos ter mais cuidado, afinal, o processo de Coaching é uma das abordagens que pode ajudar quem está no fundo do poço, mas ele não serve pra quem está num poço sem fundo. Para encontrar ou ajudar a construir o chão, existem outros profissionais mais bem preparados. Estejamos atentos!