Quiet Quitting: O Sintoma de uma Liderança Ausente.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes…

Quiet Quitting: O Sintoma de uma Liderança Ausente.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes…

Sua Liderança usa Dashboards como “Espelho Mágico” ou “Janela para a Realidade”? Uma Análise Gerencial do Conto da Branca de Neve

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando? Em meu livro “Branca de Neve e…

Sua Liderança usa Dashboards como “Espelho Mágico” ou “Janela para a Realidade”? Uma Análise Gerencial do Conto da Branca de Neve

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JANELA DE OVERTON PRIMEIRAS ANOTAÇÕES

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DIÁRIO DE UM CEO ©
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Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

Imagine a cena, tão comum no mundo corporativo de hoje: o líder, imerso na luz azul da tela, analisa seus dashboards. Gráficos de produtividade, KPIs de desempenho, metas de OKRs. Ele busca a verdade nos números. Mas que verdade ele está realmente procurando?

Em meu livro “Branca de Neve e os Sistemas Gerenciais”, uso a poderosa metáfora da Rainha Má e seu Espelho Mágico para ilustrar um dos arquétipos mais perigosos da liderança: o líder que usa suas ferramentas não para ver a realidade, mas para validar o próprio ego. A pergunta diária “Espelho, espelho meu, existe equipe mais produtiva do que a minha?” é a versão moderna da busca por validação da Rainha.

Este artigo é um convite para você, líder, a refletir: seus dashboards são um Espelho Mágico ou uma Janela para a Realidade?

O Líder-Rainha e a Métrica como Vaidade

A liderança reativa, assim como a Rainha, utiliza as métricas de forma superficial e reativa.

  • O Dashboard é um Espelho: O sucesso nos números serve para inflar o ego do gestor. O fracasso é visto como uma afronta pessoal. A equipe que fica “vermelha” no gráfico é caçada, enquanto a “verde” é celebrada, muitas vezes sem que se entenda o contexto humano por trás de cada cor.
  • A Competição Interna é Estimulada: Assim como a Rainha não suportava que Branca de Neve fosse “a mais bela”, o líder-espelho cria um ambiente onde os membros da equipe são colocados uns contra os outros. A performance é rankeada publicamente, gerando medo e minando a colaboração.
  • A Realidade é Ignorada: O espelho só mostra o que a Rainha pergunta. Da mesma forma, um dashboard só mostra as métricas que foram programadas. Ele pode mostrar que a produtividade está alta, mas esconde que a equipe está à beira do burnout. Ele aponta o “quê”, mas ignora completamente o “como” e o “porquê”.

A Liderança com Inteligência Relacional: A Janela para a Floresta

A alternativa a esse modelo é a liderança que usa seus dados como uma janela. Uma janela não serve para ver o nosso reflexo, mas para observar o mundo lá fora, com toda a sua complexidade e nuances.

O líder que olha pela janela entende que a equipe é uma “floresta”, um ecossistema vivo, como descrevo na metáfora dos “Sete Anões”, onde cada perfil tem suas forças, fraquezas e necessidades. Para este líder:

  1. Os Dados Geram Perguntas, Não Respostas: Um número baixo no dashboard não é um veredito, é um convite à curiosidade. Em vez de “Por que este número está baixo?”, ele pergunta à equipe: “Vejo que estamos enfrentando um desafio aqui. Quais obstáculos vocês estão encontrando? Que recursos ou apoio vocês precisam de mim para superarmos isso juntos?”.
  2. O Foco é no Sistema, Não no Indivíduo: Ele entende que uma performance ruim raramente é culpa de uma só pessoa. Ele olha para os processos, para a clareza da comunicação, para as ferramentas disponíveis e para o clima da equipe. Ele busca a falha no sistema, não no “Anão Zangado”.
  3. O “Como” Importa Mais que o “Quê”: Ele se senta com a equipe para entender a história por trás dos números. Ele celebra o esforço e o aprendizado, mesmo quando o resultado final não é o esperado. Ele sabe que uma equipe psicologicamente segura e conectada (o “como”) é a única garantia de resultados sustentáveis (o “quê”).

Em sua próxima reunião de resultados, resista à tentação de simplesmente apresentar os gráficos. Comece abrindo a janela. Pergunte à sua equipe sobre a história por trás dos dados. Você pode se surpreender ao descobrir que a solução para o seu maior desafio de performance não está em uma nova métrica, mas em uma nova conversa.

Afinal, a liderança verdadeiramente “mais bela de todas” não é a que possui os dashboards mais verdes, mas aquela que cultiva a floresta mais saudável, resiliente e colaborativa.

Sua empresa opera mais no modo “Espelho” ou “Janela”? Compartilhe sua perspectiva nos comentários e vamos aprofundar essa importante reflexão.

O termo “Quiet Quitting” ecoa como um fantasma nos corredores das empresas. Virou um rótulo conveniente para explicar a queda de produtividade, a apatia e o distanciamento que tantos líderes observam em suas equipes. A reação instintiva de muitos é culpar a nova geração, a falta de comprometimento ou a preguiça. Mas e se tudo isso for apenas um diagnóstico errado?

Da minha perspectiva, após décadas atuando como psicanalista e no desenvolvimento de lideranças, afirmo com segurança: o Quiet Quitting raramente é um problema do colaborador. Ele é um sintoma visível de um sistema onde a liderança está relacionalmente ausente. É o grito de socorro silencioso em resposta a um ambiente que falhou em prover o essencial.

O Diagnóstico Errado que Aumenta o Problema

Quando um líder encara o “desligamento silencioso” como uma falha de desempenho individual, sua reação padrão é aplicar mais controle. Mais dashboards de acompanhamento, mais reuniões de status, mais pressão por resultados. O efeito? O exato oposto do desejado. Essa abordagem apenas reforça no colaborador a sensação de que ele não é confiável, compreendido ou valorizado como ser humano, intensificando seu mecanismo de defesa, que é o distanciamento.

Essa é uma falha em enxergar a dinâmica por trás da dinâmica. Trata-se de medicar o sintoma enquanto se ignora a doença.

A Raiz do Problema: A Quebra do Contrato Relacional

Em todo ambiente de trabalho, existe um “contrato relacional” implícito, um conceito que exploro em profundidade no livro “Gente Inteligente Sabe se Relacionar”. Este contrato vai muito além do salário no fim do mês. Ele envolve expectativas não escritas de reconhecimento, oportunidade de crescimento, propósito no que se faz e, acima de tudo, segurança psicológica.

O Quiet Quitting é a consequência direta da quebra deste contrato. Acontece quando o profissional, dia após dia, sente que sua entrega não é vista, sua voz não é ouvida e seu bem-estar não importa. Da perspectiva psicanalítica, o “desligamento” é um ato de autopreservação. É o ego se protegendo de um ambiente que gera frustração, ansiedade ou dor, investindo o mínimo de energia necessária para sobreviver. Não é preguiça, é estratégia de sobrevivência emocional.

O Líder como “Espelho” e a Cura pela Conexão

A solução não está em novas ferramentas de gestão, mas em um novo tipo de liderança. Como detalho em “Gente Inteligente se Olha no Espelho”, a transformação começa quando o líder tem a coragem de olhar para si e perguntar: “Como meu comportamento está contribuindo para este cenário?”.

A cura para o Quiet Quitting passa por reestabelecer o contrato relacional. E isso é feito através de três práticas fundamentais da Inteligência Relacional:

  1. Praticar a Escuta Ontológica: Ir além das palavras ditas em uma reunião de feedback. É escutar as emoções, as preocupações e as ambições que não estão no relatório. É criar um espaço onde o colaborador se sinta seguro para ser vulnerável e honesto sobre seus desafios.
  2. Mudar o Foco do Feedback: Parar de usar o feedback como um “julgamento” sobre o passado e transformá-lo em um diálogo sobre o futuro. A pergunta-chave muda de “Por que você fez isso?” para “O que precisamos, juntos, para alcançarmos nosso objetivo da próxima vez?”. Isso posiciona o líder como um aliado, não um adversário.
  3. Criar Rituais de Reconhecimento Genuíno: O reconhecimento não é um bônus anual. É o “bom dia” atencioso, o elogio específico a um trabalho bem feito em uma reunião de equipe, a celebração de pequenas vitórias. São esses pequenos atos que reconstroem a confiança e o sentimento de valorização.

Em suma, a epidemia de Quiet Quitting é um chamado urgente para um novo paradigma de liderança. Um que entende que, em um mundo cada vez mais tecnológico e impessoal, a conexão humana não é apenas um “diferencial”, mas a única fundação sobre a qual se constrói uma equipe verdadeiramente engajada, inovadora e resiliente.

Essa reflexão fez sentido para a sua realidade? Compartilhe nos comentários qual o maior desafio relacional que você enfrenta com sua equipe. Para aprofundar nestes conceitos, convido você a conhecer meus livros e meu trabalho.

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©

RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.

A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.

Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.

O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.

Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.

Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.

Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.

Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.

Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.

As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).

Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:

Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.

No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.

Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:

Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.

No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.

Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.

Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.

A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.

Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.

As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.

Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.

Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):

TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental

Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.

A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.

Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.

Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.

O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.

O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?

Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.

Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.

O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.

Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.

Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.

Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.

Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.

Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.

Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.

Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.

Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.

Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.

Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.

A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.

Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.

Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.

Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:

1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.

2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.

3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.

4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.

Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.

Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.

Reflitam em paz!

Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com