JANELA DE OVERTON PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
DIÁRIO DE UM CEO ©
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Coaching Ontológico: Transforme Sua Vida Pessoal e Profissional
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JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

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JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

Você já ouviu falar de Coaching Ontológico? Esta abordagem poderosa e transformadora vai além das técnicas tradicionais de coaching, focando na maneira como percebemos e interpretamos o mundo ao nosso redor. (mais…)

JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

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JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

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JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

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JANELA DE OVERTON
PRIMEIRAS ANOTAÇÕES
by Homero Reis ©
RESUMO: O conceito da “janela” de Overton, formulado por Joseph P. Overton, descreve como ideias consideradas inaceitáveis em um momento podem se tornar normais e até políticas públicas por meio de um deslocamento gradual da percepção pública. A “janela” define o espectro do que é socialmente aceitável e é moldada por cultura, discurso, mídia e instituições de poder. Overton defendia mudanças sociais planejadas e fundamentadas na liberdade individual e na descentralização do poder estatal, enfatizando a influência de think tanks, organizações que promovem ideias antes do tempo e moldam a opinião pública através de pesquisas, advocacy e formação de lideranças. O texto explora a metodologia da “janela” em seis fases, desde o “impensável” até a “política pública”, com exemplos históricos e sociais. Conceitos como dessensibilização, manipulação discursiva e o papel da mídia são discutidos, evidenciando como a linguagem pode normalizar práticas antes repudiadas. Referências a autores como Zimbardo, La Boétie, Kahneman, Arendt, Foucault e Popper ampliam o entendimento sobre o impacto psicológico, ético e político do fenômeno. Reis nos alerta para os riscos da manipulação da “janela” por interesses autoritários ou populistas, que, por meio da linguagem e da repetição, podem deslocar os limites do aceitável em direção a discursos intolerantes. Ao final, destaca-se a importância de consciência crítica para identificar quem move a “janela”, com que propósito e em que direção, pois nem toda mudança representa avanço, e a liberdade requer responsabilidade.
A “janela” de Overton é um conceito (e uma metodologia) da ciência política e da sociologia que descreve o espectro de ideias aceitáveis para o público em um determinado momento histórico. Ou seja, é a faixa de políticas, opiniões ou discursos considerados socialmente aceitáveis ou “pensáveis” dentro de uma sociedade. Tudo o que está fora dessa “janela” é visto como radical, impensável ou inaceitável — até que, por meio de diversos processos culturais, psicológicos e midiáticos, essas ideias sejam normalizadas e, eventualmente, aceitas.
Ela define o limite do que é considerado razoável e discutível em um contexto cultural e sócio-político específico. Essa “janela” muda com o tempo, expandindo-se ou encolhendo-se à medida que as opiniões públicas, os debates sociais e os políticos evoluem.
O termo foi cunhado por Joseph P. Overton (1960-2003), ex-vice-presidente do centro de estudos norte-americano Mackinac Center for Public Policy. Seu trabalho mais famoso é conhecido como ““janela” de Overton”, mas suas ideias vão além desse conceito, ainda que quase todo o seu pensamento acabe girando em torno da teoria da mudança do discurso político e social e sua influência na vida pública e privada.
Ele estava profundamente envolvido no debate sobre liberdade individual, mercado livre e governo limitado, quando se inquietou com a questão de como as alterações das “agendas temáticas” da sociedade se alteram fazendo com o que era absurdo em uma determinada época, tornou-se aceitável e até adotada em outra. Isso acontece organicamente ou há interesses e metodologias que provocam tal processo? Vamos entender isso.
Suas ideias refletem sobre temas como: Descentralização do poder, onde defende a tese de que o poder político deveria ser limitado e devolvido ao cidadão comum sempre que possível; menor intervenção estatal, onde criticava a ideia de políticas públicas que defendem a expansão do Estado em dependência do governo; como também considerava a Liberdade individual com eixo moral e valor supremo de um povo ou nação, acreditando que as políticas públicas deveriam ser avaliadas com base nesse critério.
Essas temáticas fizeram com que ele desenvolvesse um profundo interesse pelos mecanismos pelos quais a sociedade muda de opinião e como grupos de interesse influenciam a política, não só do ponto de vista da atividade pública, mas também do ponto de vista da micro sociedade ou das sociedades corporativas.
Seu trabalho considera a engenharia do consenso – a ideia de que opiniões populares podem ser moldadas ao longo do tempo por meio de discursos, mídias e influência cultural; a importância da narrativa – a forma como os temas são apresentados ao público (linguagem, emoção, identidade) é crucial para movê-los de inaceitáveis para aceitáveis; e, por fim, a relação entre cultura e política – a cultura molda o que é politicamente interessante para sustentar algo no poder. Nesse caso Overton preconizava que “mudar a cultura é um pré-requisito para mudar leis”.
Para isso acontecer ele pesquisou a importância das “Think Tanks” (“laboratórios de ideias” ou “institutos de pesquisa”). Tais organizações “independentes”, geralmente sem fins lucrativos, produzem e promovem ideias, pesquisas e propostas sobre comportamento, políticas públicas, economia, sociedade, tecnologia, entre outros temas, mas que também são responsáveis por descobrir pontos vulneráveis na cultura de uma sociedade ou de parte dela, para usar tais fraquezas como pontos de entrada de temas de interesse de corporações ou governos.
As “Think Tanks” são agentes de produção de ideias antes do tempo – desenvolvem e sustentam ideias que ainda não são populares, mas que podem vir a ser; promovem influência indireta – mudam a mentalidade da elite intelectual e dos formadores de opinião, que depois influenciarão a sociedade em geral; e, estimulam a advocacy – fazendo pressão, mobilizando e argumentando para provocar mudanças sociais ou políticas. Dizia ele: “Não se trata apenas de protestar, mas de atuar de forma intencional e planejada, com base em evidências, diálogo e articulação para introduzir ideias “inaceitáveis”, mas que são de interesse de algum grupo ou segmento social”; e, por fim, formar lideranças e cidadãos com uma visão clara de liberdade e responsabilidade individual que interessam (ou não) ao grupo dominante (que está no poder), ou ao grupo reagente (que almeja o poder).
Algumas Think Tanks – (centros de pesquisa e formulação de políticas), são apartidárias, outras têm orientação ideológica, mas todas se concentram em pesquisa, análise e recomendação de políticas públicas. Alguns exemplos:
Internacionais:
1. Brookings Institution (EUA) – Foco em política pública, economia, governança.
2. RAND Corporation (EUA) – Pesquisa aplicada em segurança, saúde, educação.
3. Chatham House (Reino Unido) – Política internacional, relações exteriores.
4. Carnegie Endowment for International Peace (EUA) – Relações internacionais e diplomacia.
5. Bruegel (Bélgica) – Economia europeia.
No Brasil
1. FGV (Fundação Getulio Vargas) – Políticas públicas, economia, direito.
2. IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Órgão do governo federal focado em estudos socioeconômicos.
3. Instituto Millenium – Liberal-conservador, atua na defesa da economia de mercado e da liberdade individual.
4. Instituto Sou da Paz – Segurança pública, controle de armas, políticas de redução da violência.
5. Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) – Ciências sociais, política, urbanismo.
Sobre a prática de Advocacy (defesa de causas e interesses públicos), essas organizações buscam influenciar políticas públicas, mobilizar a sociedade ou pressionar governos. Alguns exemplos:
Internacionais
1. Greenpeace – Meio ambiente e mudanças climáticas.
2. Amnesty International – Direitos humanos.
3. Human Rights Watch – Monitoramento e denúncia de violações de direitos humanos.
4. Oxfam – Combate à pobreza, justiça social e desigualdade.
5. Campaign for Tobacco-Free Kids – Prevenção ao tabagismo e saúde pública.
No Brasil
1. Instituto Ethos – Responsabilidade social empresarial.
2. Rede Nossa São Paulo – Transparência, cidadania e urbanismo.
3. Conectas Direitos Humanos – Justiça e equidade nos direitos humanos.
4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Defesa dos direitos dos povos indígenas.
5. MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – Moradia, justiça social e mobilização popular.
Overton rejeitava as mudanças radicais ou imposições ideológicas súbitas, defendendo uma mudança gradual, coerente e estrategicamente pensada, mas com ampla participação da sociedade civil em todos os seus matizes. Não se tratava de manipular a sociedade, mas de abrir espaço para novas ideias. Ele acreditava que mudar a sociedade era uma batalha de longo prazo, que exigia paciência e consistência a partir de uma utopia do que seja “essencialmente humano”.
Na verdade ele foi um estrategista político com uma profunda base filosófica e libertária, que acreditava no poder das ideias, da cultura e da persuasão como instrumentos legítimos de transformação da sociedade em direção à liberdade individual e à limitação do poder estatal, sem perder de vista os ideais democráticos. Acreditava que criar pontes realistas e práticas entre a teoria e a prática política, era o caminho da verdadeira mudança e por onde ela deveria começar: fora da política partidária tradicional.
A partir de tudo isso, ele acabou construindo a ““janela” de Overton”, um “modelo conceitual e metodológico” pelo qual ficou mundialmente conhecido. Nesse trabalho ele observou que para que uma ideia se torne politicamente viável, não é necessário mudar apenas a mente das pessoas, mas sim a opinião pública.
Como funciona essa ““janela””?
A “janela” de Overton é composta por diferentes graus de aceitabilidade, divididos em etapas que se constituem em um fluxo que vai de uma situação normal para outra, inicialmente inadmissível, mas que ao final, torna-se o “novo normal”.
As etapas da “janela” são: Impensável (unthinkable) – a sociedade rejeita totalmente; Radical (radical) – alguns grupos pequenos começam a discutir o tema; aceitável (acceptable) – a ideia entra no debate privado e público; Sensato (sensible) – a ideia começa a parecer lógica e a “fazer sentido”; Popular (popular) – o apoio começa a crescer até tornar-se maioria; Política pública (policy) – a ideia torna-se um tema comum que requer uma lei ou prática oficial que a legitime.
Uma ideia pode, ao longo do tempo, migrar de “impensável” para “aceitável”, dependendo da maneira como ela é apresentada, discutida e incorporada na cultura. Isso acontece frequentemente com mudanças sociais e tecnológicas e podem ser observadas em uma infinidade de situações históricas.
Exemplos (algumas mudanças segundo a “janela” de Overton):
TEMA ANTES DEPOIS
Casamento entre pessoas do mesmo sexo Considerado impensável e até criminoso Legalizado em vários países, com apoio popular
Legalização da maconha medicinal Tabu e proibido Aceita como questão de saúde pública
Cinto de segurança em carros Visto como desnecessário ou perigoso Hoje é obrigatório por lei
Trabalho remoto (home office) Considerado improdutivo ou inviável Amplamente aceito após a pandemia
Casamento interracial Proibido ou condenado Hoje legal e socialmente aceito
Mulheres no mercado de trabalho Restritas ao ambiente doméstico Atualmente incentivadas à liderança
Paternidade ativa Homens vistos apenas como provedores Hoje se espera envolvimento ativo na criação dos filhos
Veganismo e vegetarianismo Considerado radical ou excêntrico Estilo de vida respeitado e com apoio da indústria
Tatuagens visíveis no trabalho Associadas à marginalidade Hoje são amplamente aceitas
Discussão sobre saúde mental Tabu, sinal de fraqueza Tema comum e incentivado em vários ambientes
Educação sexual nas escolas Visto como indecente Defendido como essencial por especialistas
Mudança de nome/gênero (trans) Inaceitável ou invisível Reconhecido por lei em diversos países
Energia renovável Cara e tecnicamente inviável Incentivada como solução ambiental
Na perspectiva da psicologia social, o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido pelo experimento de Stanford (1971), entende que a mudança de normas sociais está intimamente ligada à pressão de grupo e ao comportamento conformista. Quando pequenas mudanças são introduzidas repetidamente e associadas a benefícios emocionais ou sociais, as pessoas tendem a reavaliar o que é aceitável ou moralmente correto. Isso é uma base psicológica importante da “janela” de Overton. Situações sociais e papéis impostos, seja por que mecanismo for, mídia, propaganda de massa, discursos de autoridades sociais, etc, podem transformar o comportamento das pessoas. Pessoas comuns podem agir de forma cruel ou submissa se colocadas sob certas condições, ou seguir condutas conforme o “modelo de rebanho”. O ambiente e o sistema têm grande influência sobre o comportamento humano — não apenas os traços das personalidades individuais.
A posição de Zimbardo não é totalmente nova e, parece-me, teve um pouco de sua inspiração em Étienne de La Boétie no século XVI, em seu livro, Discurso da Servidão Voluntária. No texto, La Boétie reflete sobre as razões pelas quais as pessoas aceitam ser dominadas por tiranos ou por “conceitos dominantes”. O autor questiona como é possível que um só governante exerça poder sobre milhões, e afirma que a tirania só se sustenta porque os próprios dominados consentem com ela. Segundo La Boétie, esse consentimento não é necessariamente consciente, mas resulta do hábito, da manipulação e da perda do senso de liberdade. Ele argumenta que, se as pessoas simplesmente deixassem de obedecer, o poder do tirano desapareceria. O texto defende que a liberdade é natural ao ser humano, e a servidão é aprendida. Com linguagem direta e tom moral, a obra é uma crítica a passividade popular e é um apelo à autonomia e a resistência, contra a opressão. Esse é o ponto de convergência entre La Boétie, Zimbardo e Overton.
Já, o também psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, contribuiu indiretamente para o entendimento da “janela” ao explicar como somos influenciados por viés de ancoragem e repetição; ou seja, quanto mais uma ideia é repetida, mesmo que absurda no início, mais ela parecerá normal e aceitável. A “janela” se move lentamente com a exposição e familiaridade.
Os comunicadores e a mídia também tem um papel central no deslocamento da “janela” de Overton. Como observou o linguista e ativista Noam Chomsky, os meios de comunicação muitas vezes delimitam o campo do debate público; ou seja, permitem certa divergência de opiniões, mas sempre dentro de uma moldura aceitável. Isso garante que a ““janela”” seja mantida dentro de certos limites — ela se move, mas sob controle de influenciadores culturais e instituições poderosas. Programas de televisão, filmes, podcasts e redes sociais funcionam como vetores para introduzir gradualmente temas antes impensáveis. É o chamado “efeito de dessensibilização”, onde algo inicialmente chocante passa a ser banalizado com o tempo.
O efeito de dessensibilização, fortemente ligado à “janela” de Overton, é um processo social e psicológico que explora a repetição de ideais, comportamentos, imagens ou discursos considerados inaceitáveis, imorais ou radicais, de forma massiva, até que o público “perca o pudor” sobre tais temas, levando-os à perda de sensibilidade crítica, diante desses temas. Gradualmente, aquilo que outrora gerava choque passa a ser visto com indiferença, tolerância e, por fim, aceitação e defesa.
O “efeito dessensibilização” descreve como os discursos públicos e privados podem ser manipulados para mover uma ideia do impensável ao aceitável, até o institucionalizado. De fato, esse processo explica o surgimento de “tribos urbanas” de todas as naturezas, a formação de grupos radicais, a aceitação de preconceitos, etc. Também explica como as transições geracionais vão ampliando o senso de limites até a perda total de qualquer referência ética ou moral. A pergunta que abre a crítica para esse processo é: qual o limite da liberdade?
Na filosofia, Hannah Arendt abordou conceito similar ao discutir a “banalização do mal” no contexto do nazismo: indivíduos que participavam de atos cruéis e/ou violentos, o faziam como se fossem tarefas rotineiras, dessensibilizados por um ambiente que normalizou a barbárie. Já na sociologia, Norbert Elias, em O Processo Civilizador, descreve como normas e sensibilidades sociais se transformam ao longo do tempo, moldando o que é aceitável, por algum interesse.
Por exemplo: punições físicas em escolas: antes vistas como disciplina, hoje são consideradas abusos; violência na mídia: filmes e jogos normalizaram imagens antes chocantes; discurso de ódio nas redes sociais ou em falas públicas, fazem com que a repetição de temas controversos se banalizem e ampliem sua aceitação; mudanças de costumes incentivadas pela propaganda de massa com uso de “autoridades e personagens de impacto social”, tornam possíveis o uso de roupas consideradas indecentes em décadas passadas como normais e que tornam-se novos padrões de beleza comuns a todos.
O efeito de dessensibilização pode ser usado tanto para o progresso social (como na aceitação de minorias, igualdade de gênero e outros temas análogos), quanto para a normalização de práticas nocivas, dependendo de como e por quem é conduzido.
Do ponto de vista da da ética, a pergunta que surge é: o que está em jogo? O filósofo Michel Foucault discutiu conceitos muito próximos à “janela” de Overton, como a ideia de regimes de verdade: “o que é considerado verdadeiro ou aceitável em uma sociedade depende das relações de poder”. A “janela”, nesse caso, não é só cultural, mas também política e estratégica. Para Foucault, o discurso é uma arma — e quem controla o discurso, controla a sociedade.
Já o filósofo austríaco Karl Popper abordaria a questão da “janela” de Overton sob a ótica da tolerância e da liberdade de expressão. Para ele, o desafio é manter uma sociedade aberta ao debate sem permitir que ideias destrutivas (como o totalitarismo p.ex.) entrem na “janela” em nome da liberdade. Isso levou Popper a propor o chamado “paradoxo da tolerância”. Em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), ele nos apresenta uma pergunta complexa: até que ponto devemos tolerar o intolerável? Essa questão nos coloca diante de um tema delicadíssimo, principalmente nos dias de hoje, porque se trata de um dilema ético, moral e político: se uma sociedade (por extensão uma pessoa), é ilimitadamente tolerante, sua capacidade de ser tolerante pode ser destruída pelos intolerantes.
Popper argumenta que, se tolerarmos totalmente a intolerância, os intolerantes acabarão por eliminar os tolerantes, destruindo a própria base de uma sociedade livre e aberta. Portanto, para preservar a tolerância, é necessário não tolerar a intolerância extrema.
Para ser prático com esse tema, imagine uma democracia que permita a livre expressão de todas as ideias, inclusive de grupos que defendem a supressão dessa mesma democracia (como regimes totalitários ou ideologias supremacistas). Se esses grupos tiverem liberdade plena para se organizar, fazer propaganda e conquistar o poder, podem acabar destruindo o sistema democrático que os permitiu existir.
Popper não defende a censura, nem o controle da comunicação, mas entende a necessidade de limites racionais: devemos estar prontos para reprimir movimentos intolerantes quando eles se tornam uma ameaça real e quando se recusam a debater ou usam a crueldade psíquica e a violência em vez de argumentos. A tolerância ilimitada leva ao fim da tolerância. Portanto, uma sociedade tolerante deve ser intolerante com a intolerância — para preservar sua própria existência.
Overton não usou diretamente os conceitos de Popper, mas sua metodologia esclarece o paradoxo da tolerância e nos capacita a como atuar em contextos onde as polaridades acirram a racionalidade dos discursos e a liberdade tende a ser exercida sem as consequências sociais requeridas. Ser livre é também responder responsavelmente por isso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AO CONCEITO E À METODOLOGIA DE OVERTON.
Alguns críticos argumentam que a “janela” de Overton pode ser manipulada de forma cínica. Estratégias de marketing político ou ideológico podem usar essa teoria para introduzir ideias extremistas de forma gradual, preparando o terreno para que se tornem aceitas. É o que muitos identificam como tática comum em regimes autoritários, em campanhas de desinformação, e até mesmo em campanhas políticas.
Além disso, críticos mais profundos do modelo apontam que a “janela” de Overton simplifica excessivamente o processo social pelo qual ideias se tornam aceitáveis ou não. A metáfora da ““janela”” sugere um movimento linear e unidimensional — do inaceitável ao popular —, quando, na realidade, a dinâmica sociopolítica é muito mais complexa, envolvendo múltiplas camadas de poder, linguagem, identidade e resistência. Ao focar quase exclusivamente na percepção pública da aceitabilidade, o modelo negligencia fatores estruturais como desigualdade social, controle econômico e institucional, e a capacidade real de grupos marginalizados influenciarem o discurso público.
Outro ponto crítico está na neutralidade aparente da teoria. Embora ela se apresente como uma ferramenta descritiva, o modelo pode ser usado como instrumento normativo, permitindo que agentes sociais com interesses particulares manipulem gradualmente o imaginário coletivo sem enfrentarem resistência imediata. Ao normalizar o processo de tornar o impensável aceitável, corre-se o risco de desresponsabilizar os envolvidos na disseminação de ideias nocivas, como o discurso de ódio ou o revisionismo histórico.
Mas há ativistas sociais e educadores que usam o conceito positivamente na promoção de debates, humanizando histórias e expondo injustiças. Tais profissionais e outros de mesma natureza, deslocam a “janela” no sentido do progresso moral, da igualdade de direitos, da inclusão e acolhimento das minorias e dos direitos humanos. No entanto, mesmo esse uso progressista do modelo precisa ser analisado com cuidado: o foco excessivo em “mudança de mentalidade e percepção” pode eclipsar a necessidade de transformações materiais concretas, como políticas públicas, acesso a direitos e redistribuição de poder.
A “janela” de Overton nos mostra que as ideias dominantes não são fixas, e sim moldadas por discurso, cultura e poder. Reafirmo que, como cidadãos, é importante estarmos atentos a quem está tentando mover essa “janela”, em que direção, e com que propósito.
Por fim, a manipulação discursiva – uso estratégico da linguagem para influenciar percepções, pensamentos e comportamentos das pessoas – é geralmente usada de forma sutil e indireta. Isso inclui eufemismos, omissão de informações, inversão de significados, repetição sistemática de ideias ou uso emocional de palavras para moldar desde as “conversas de botequim” ao debate público. Tais elementos podem ser entendidos como algo válido, que está “dentro” do discurso público legítimo, mas que, de fato, é uma “manipulação discursiva” do que seja discutido como normal, aceitável ou razoável.
Esse deslocamento artificial promovido por meio de discursos cuidadosamente manipulados (por exemplo, desqualificando pessoas, desumanizando certos grupos ou banalizando práticas autoritárias), promove a erosão de valores democráticos. A linguagem manipulada pode legitimar discursos autoritários, intolerantes ou discriminatórios, tornando-os aceitáveis dentro da “janela”: termos importantes podem ser esvaziados ou distorcidos (“liberdade”, “justiça”, “verdade”), gerando confusão e dificultando o debate racional. Tal dinâmica constrói “polarizações na sociedade”. Ao manipular o discurso para reforçar “nós contra eles”, grupos políticos ou ideológicos empurram os limites da “janela” para extremos, minando o diálogo e a moderação.
Podemos ver a manipulação discursiva em alguns exemplos históricos e contemporâneos, onde a “janela” de Overton foi alterada negativamente:
1. No Nazismo na Alemanha (1930). Manipulação: O regime de Hitler usou propaganda para desumanizar judeus, comunistas, homossexuais e outros grupos, referindo-se a eles como “pragas”, “ameaças” ou “inimigos internos”. Efeito na “janela” de Overton: Ideias como segregação, censura e até genocídio passaram de impensáveis a socialmente aceitas por boa parte da população alemã.
2. “Guerra ao Terror” nos EUA (pós – 11 de setembro, 2001). Manipulação: O termo “terrorista” foi amplamente usado para justificar políticas de vigilância em massa e tortura (eufemisticamente chamada de “técnicas aprimoradas de interrogatório”). Efeito: Medidas antes inaceitáveis (como espionagem de cidadãos e prisões sem julgamento) foram normalizadas.
3. Ditadura Militar no Brasil (1964–1985). Manipulação: A repressão foi chamada de “defesa da democracia” e a censura era apresentada como “garantia da ordem”. Efeito: Isso permitiu que o regime justificasse torturas, desaparecimentos e perseguições como ações legítimas dentro de um discurso de patriotismo.
4. Populismo contemporâneo. Manipulação: Líderes populistas frequentemente usam termos como “povo do bem” vs. “inimigos da nação” ou “mídia mentirosa” para deslegitimar opositores e a imprensa. Efeito: A crítica política é desvalorizada e propostas autoritárias passam a ser discutidas como razoáveis — ampliando a tolerância ao autoritarismo.
Esses exemplos mostram como o discurso não apenas reflete a realidade, mas molda o que é considerado possível, legítimo ou desejável.
Vivemos em uma era onde as mudanças culturais acontecem rapidamente, graças a globalização, à internet e às redes sociais. Por isso, compreender esse conceito é essencial para navegar o mundo contemporâneo com consciência crítica — e para não sermos apenas espectadores passivos da história em movimento. Mais do que identificar a mecânica da “janela”, é preciso questionar quem a empurra, com que recursos, e a quem ela se fecha ou se abre. Afinal, nem toda mudança de narrativa representa um avanço — e nem todo “progresso” é, de fato, emancipador.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Brasília, maio/25
homero@homeroreis.com

“O Diário de um CEO” é um livro escrito por Steven Bartlett em 2023, originalmente divulgado no podcast The Diary of a CEO, com um subtítulo: “As 33 leis dos negócios e da vida”. Resumidamente é uma obra que combina memórias pessoais, lições de vida e insights sobre empreendedorismo, liderança e gestão.
Steven Bartlett, um premiado empreendedor britânico que atua como investidor em mais de 40 empresas; é palestrante e criador de conteúdo, além de apresentar um dos podcast mais populares da Europa, The Diary of a CEO, onde compartilha sua vasta experiência no mundo corporativo, agora acessível em seu livro.
Resumidamente, quando tinha 22 anos, fundou a Social Chain, uma agência de marketing digital global. Aos 27 anos abriu o capital de sua agência na bolsa de valores e foi destaque na Business Insider, no Financial Times e no The Guardiane, sendo considerado pela Forbes uma das 30 personalidades mais influentes com menos de 30 anos. Deu palestras nas Nações Unidas, na SXSW, na TEDx e no VTEX Day ao lado de Barack Obama.
O que lhes apresento nesse e-book, é um “resumo” pessoal da obra, recheado de minhas anotações e reflexões sobre o tema e de alguns complementos que me ajudaram a compreender o que Bartlett deseja transmitir. Faço isso ao tempo em que organizo as ideias do livro para uma melhor construção de práticas e insights sobre gestão, liderança, qualidade de vida e relacionamentos.
O livro é dividido em quatro pilares onde são organizadas as trinta e três leis que norteiam o trabalho de Bartlett:
O primeiro pilar trata do EU e agrupa as primeiras nove leis. Nesse pilar ele começa com uma citação de Leonardo Da Vinci: “Não se pode ter menor ou maior domínio do que o domínio de si mesmo”. Essa ideia é mote para a discussão da importância do autoconhecimento para que é, ou almeja ser um executivo qualificado.
O segundo pilar trata da HISTÓRIA e agrupa as leis 10 a 18. Nesse pilar ele conta um pouco de sua história e apresenta os aspectos estratégicos que aprendeu na vida executiva.
O terceiro pilar trata da FILOSOFIA que ele adota na sua forma de conduzir os negócios e suas estratégias de gestão, mostrando a relação direta existente entre “quem você é, as escolhas que faz e os resultados que obtém”. Segundo ele, é a partir de sua “filosofia de vida” que você se torna capaz de fazer escolhas sobre valores, propósitos e a missão que norteiam sua conduta. Nesse pilar estão as leis 19 a 27.
Por fim, o quarto pilar trata da EQUIPE, onde ele apresenta as leis 28 a 33, que tratam das relações corporativas, dos desafios e das estratégias para uma liderança e gestão efetivas.
Primeira Parte – Infância e Formação
Bartlett começa explorando suas origens humildes, crescendo em uma família modesta no Reino Unido. Nesse contexto ele reflete sobre como sua infância moldou sua ética de trabalho, determinação e visão de mundo. Apesar de enfrentar desafios como o racismo e a falta de recursos, ele encontrou motivação em suas dificuldades e no desenvolvimento de um espírito resiliente.
O autor também destaca como foi abandonar a universidade. Uma decisão arriscada, crucial para seguir seus sonhos empresariais, enfatizando que muitas vezes as escolhas não convencionais podem levar a resultados extraordinários, desde que sejam tomadas com coragem e clareza.
Sua infância e formação moldaram não apenas sua visão de mundo, mas também os pilares de sua ética de trabalho e resiliência emocional. Filho de imigrantes que enfrentaram dificuldades econômicas e sociais no Reino Unido, Bartlett cresceu sentindo o peso das expectativas familiares e os desafios de se adaptar a uma sociedade que frequentemente o fazia sentir-se um “outsider”. Essa fase inicial de sua vida é retratada como um terreno fértil para o desenvolvimento de qualidades essenciais para o sucesso – algo que outros autores, filósofos e líderes também destacam como fundamental.
As adversidades enfrentadas durante a infância – como o racismo, a exclusão social e as limitações financeiras, serviram como força motriz para sua ambição e perseverança. Ele aprendeu a transformar obstáculos em motivação, uma ideia amplamente abordada por Viktor Frankl em seu livro Em Busca de Sentido. Frankl argumenta que o sofrimento pode ser uma fonte de propósito, visto que é encarado como parte de um caminho para algo maior. Essa perspectiva também é reforçada por Angela Duckworth em Garra: O Poder da Paixão e da Perseverança. Duckworth afirma que o realização é resultado não só de talento, mas também de uma combinação de paixão e persistência. No caso de Bartlett, as dificuldades não o definiram como vítima, mas como um agente ativo em busca de mudança.
Essa busca proporciona a construção de competências diretamente ligadas a uma atitude de curiosidade extrema, autodidatismo e questionamentos. Ele abandonou a universidade por acreditar que a educação tradicional não atenderia às suas ambições, nem lhe promoveria tais atitudes.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups, como o Facebook (p.ex.), ao escrever o livro De Zero a Um, discorre sobre decisões semelhantes às de Bartlett, que transformaram a vida de muitas pessoas que hoje são referências no mundo corporativo e na vida político-social. Thiel critica o modelo educacional tradicional por sua falta de inovação e incentiva os jovens a explorarem caminhos alternativos para alcançar grandes feitos.
Bartlett também ecoa a filosofia de Søren Kierkegaard, que defende a importância das escolhas autênticas e individuais. Kierkegaard sugere que a verdadeira realização vem da coragem de viver de acordo com os próprios valores, mesmo que isso signifique ir contra as normas condicionais. Para Bartlett, abandonar a universidade não foi apenas uma decisão prática, mas um ato de afirmação de sua autonomia e confiança em sua visão.
Desde cedo, Bartlett trabalhou com seus pais para garantir a sobrevivência da família. Essa exposição ao trabalho árduo influenciou profundamente sua ética de trabalho. A ideia de que o esforço constante é a base do sucesso é corroborada por Malcolm Gladwell no livro Outliers (Fora de Série, na tradução brasileira) , onde ele apresenta o conceito das 10.000 horas de prática deliberada como requisito para o domínio de qualquer habilidade. Ninguém se torna virtuoso sem esforço contínuo, metodologia clara e objetivos definidos.
No entanto, Bartlett não romantiza o trabalho árduo. Ele reconhece que o sacrifício de seus pais, embora admirável, muitas vezes veio às custas de tempo em família e bem-estar emocional. Esse equilíbrio delicado entre trabalho e vida pessoal é um tema explorado por Clayton Christensen em Como Medir Sua Vida . Christensen argumenta que o verdadeiro sucesso não é medido apenas pelo progresso profissional, mas também pela qualidade dos relacionamentos e do propósito pessoal; um entendimento que Bartlett começou a desenvolver já em sua juventude.
Bartlett reflete sobre sua identidade como uma pessoa negra em um ambiente predominantemente branco e como isso influenciou sua percepção de si mesmo e de suas aspirações. Ele menciona que durante grande parte de sua infância, sentiu que precisava se provar mais do que os outros. Essa luta por validação externa é algo que Brené Brown discute no livro A Coragem de Ser Imperfeito, ao enfatizar como a vulnerabilidade e as deficiências são essenciais para superar o medo de não ser suficiente.
Por outro lado, essa busca por autoafirmação também pode ser vista sob a lente da filosofia de Friedrich Nietzsche, que apresenta o conceito do Übermensch (o “super-homem”) como alguém que transcende as limitações impostas pela sociedade e cria seus próprios valores. Bartlett, ao internalizar tais conceitos oriundos de suas lutas e dificuldades na infância, transformo-os em motivação para se tornar o arquiteto de seu próprio destino.
Sobre isso, Bartlett considera a importância do ambiente na construção daquilo que ele chama de determinação e foco para superar a deficiência financeira e a desigualdade social presentes nas circunstâncias de vida de sua infância. “O ambiente levou-me a ser criativo, disruptivo e proativo desde cedo”. Isso está alinhado com as ideias de Carol Dweck em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, onde descreve como um ambiente que valoriza o crescimento pode estimular a mentalidade de aprendizado contínuo, enquanto ambientes limitadores podem sufocar grandes potenciais.
No entanto, ele também admite que nem todos conseguem superar as limitações dos seus ambientes. Mas há um contraponto esperançoso: enquanto o ambiente inicial pode influenciar, a força de vontade e a mentalidade aberta são as chaves para transcender essas barreiras.
Steven Bartlett usa sua infância e juventude como uma moldura para explorar temas universais de resiliência, autodeterminação e propósito. Ele não apenas narra sua história, mas oferece várias outras lições valiosas extraídas de sua experiência; e nisso, ele entende que aprender com os argumentos de outros compensadores, como Frankl, Duckworth, Thiel e Nietzsche, reforça a ideia de que as adversidades não precisam ser vistas como limites, mas como oportunidades de crescimento.
Essa primeira parte de O Diário de um CEO não é apenas uma introdução biográfica, mas também uma lição sobre como o início da vida pode plantar as sementes do sucesso (ou do fracasso), desde que sejam regadas com coragem, reflexão e trabalho contínuo. Bartlett nos mostra que, independentemente das situações, é possível assumir o controle da narrativa e construir um futuro que reflita valores e sonhos.
Segunda Parte 2: A Jornada Empresarial
O livro narra a criação e o crescimento meteórico da Social Chain, uma das maiores agências de mídia social do mundo. Bartlett compartilha detalhes sobre como começou o negócio com poucos recursos, mas com uma visão clara de como as redes sociais transformaram o marketing. Ele descreve os altos e baixos da construção de uma startup, desde momentos de euforia com o sucesso até episódios de combustão e dúvidas. Aqui, Bartlett fornece conselhos valiosos para aspirantes a empreendedores, como: a importância de entender profundamente o público-alvo; o papel do risco calculado e da ousadia na criação de algo inovador, a necessidade de construir equipes resilientes e motivadas e o desafio de desenvolver competências relacionais.
Na segunda parte de O Diário de um CEO, Steven Bartlett narra a criação e o crescimento da Social Chain, destacando como os desafios e conquistas ao longo de sua trajetória profissional requereram o desenvolvimento das competências fundamentais de um CEO. A jornada de um líder não é apenas sobre a construção de uma empresa ou organização; ela envolve uma transformação pessoal e profissional, na qual as habilidades técnicas, emocionais e estratégicas são continuamente lapidadas. Esse processo é amplamente corroborado por teorias de gestão e insights de líderes empresariais renomados.
Bartlett iniciou a Social Chain com recursos limitados, o que o forçou a enfrentar desafios significativos desde o início. Essas dificuldades moldaram sua resiliência, uma habilidade essencial para CEOs. Segundo o psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, a resiliência é uma das principais competências da liderança emocional, pois permite que o líder se mantenha calmo e objetivo em situações de alta pressão.
Além disso, a construção de competências para a resolução de problemas complexos foi consistentemente recorrente na trajetória de Bartlett. Os CEOs frequentemente lidam com cenários incertos e decisões multifacetadas, como alocação de recursos, estratégia de crescimento e gestão de crises. Ao enfrentar essas situações, Bartlett desenvolveu uma reflexão analítica e adaptável, características que o filósofo Nassim Nicholas Taleb destaca no livro Antifrágil. Taleb argumenta que os líderes que aprendem com adversidades não apenas sobrevivem, mas crescem em contextos imprevisíveis.
Um ponto crucial na jornada empresarial de Bartlett foi a criação de uma equipe resiliente e engajada. Ele percebeu que o sucesso da Social Chain dependia de sua capacidade de atrair, desenvolver, manter e liderar talentos. Esse aspecto destaca o papel das habilidades interpessoais no crescimento de um CEO, fundamenta nas competências da Inteligência Relacional.
Jack Welch, ex-CEO da General Electric, em seu livro Winning, afirma que os melhores líderes são aqueles que sabem como inspirar suas equipes, cultivando um ambiente de confiança e colaboração. Bartlett aprendeu que a empatia e a comunicação aberta não são apenas “atributos desejáveis”, mas requisitos para criar um espaço onde as pessoas se sintam valorizadas e motivadas. Ele internalizou a ideia de que um CEO deve ser um “líder servidor”, conceito popularizado por Robert Greenleaf. Isso significa que o papel do líder é capacitar sua equipe, removendo barreiras para que os colaboradores possam alcançar o desempenho máximo.
Bartlett transformou a Social Chain em uma das maiores agências de mídia social porque teve uma visão antecipada de tendências emergentes. Ele compreendeu, desde o início, o impacto crescente das redes sociais na forma como as marcas se conectam com os consumidores. Essa capacidade de olhar para o futuro é uma das competências mais críticas de um CEO, como enfatizado por Jim Collins em Empresas Feitas para Vencer . XXX
Collins argumenta que os CEOs visionários não apenas respondem às mudanças do mercado, mas como as antecipam, moldando o futuro do setor em que atuam. Bartlett desenvolveu essa visão estratégica ao monitorar constantemente o mercado, testando hipóteses e assumindo riscos calculados, algo que os CEOs fazem regularmente para manter suas organizações competitivas.
O crescimento de uma startup como a Social Chain envolve momentos de incerteza e riscos consideráveis. Bartlett destaca como a tomada de decisões em ambientes incertos foi um terreno útil para o aprendizado. Os CEOs precisam equilibrar riscos com oportunidades, muitas vezes tomando decisões com informações incompletas. “Não vivemos em mundos perfeitos; vivemos em mundos possíveis, como afirma Reis em “Gente Inteligente Se Olha no Espelho.”
John Kotter, especialista em liderança e autor de Acelerando a Mudança , afirma que líderes eficazes prosperam em ambientes ruidosos porque desenvolvem agilidade mental e aprendem a identificar padrões em meio ao caos. Bartlett internalizou isso às suas estratégias para gerenciamento de situações complexas, promovendo mudanças rápidas no mercado de tecnologia, promovendo o engajamento de pessoas e times com alto desempenho, e mantendo pressão por resultados.
Ao longo de sua jornada, Bartlett reforça a importância de estar em aprendizado constante. Ele menciona que as rápidas transformações no setor digital são projetadas para que se adquira novas habilidades e conhecimentos continuamente. CEOs que adotam o conceito de aprendizagem ao longo da vida demonstram maior capacidade de inovação e adaptabilidade.
Peter Senge, em A Quinta Disciplina, destaca que organizações que aprendem, lideradas por CEOs comprometidos com o aprendizado, têm uma vantagem competitiva significativa. Bartlett exemplifica isso ao demonstrar como um CEO deve ser um modelo de curiosidade, engajando-se em novas ideias e experiências que impulsionam o crescimento pessoal e organizacional.
A jornada empresarial de Bartlett também lhe ensinou a importância da inteligência relacional e emocional. Ele fala abertamente sobre os impactos do estresse e da exaustão para equilibrar as demandas de um negócio em crescimento. Daniel Goleman identifica isso com a autoconsciência e a autorregulação como pilares da inteligência emocional, ambos essenciais para CEOs que precisam gerenciar suas emoções enquanto lideram equipes sob pressão. Além disso, também há que se destacar que nenhuma competência se sustenta se não tiver por objeto sua aplicação na qualificação dos relacionamentos humanos, como demonstra Reis em Gente Inteligente Sabe Se Relacionar.
Bartlett começou a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, reconhecendo que o sucesso empresarial não deveria custar seu bem-estar. Esse entendimento se alinha com as ideias de Arianna Huffington em Thrive , que defende uma conceituação mais ampla de sucesso, incorporando saúde, sabedoria e propósito.
A jornada empresarial de Steven Bartlett é um roteiro para o desenvolvimento de competências cruciais para sua atuação como CEO. Ele não apenas construiu uma empresa de sucesso, mas também se transformou em um líder mais resiliente, empático, visionário e adaptável.
A experiência prática de liderar a Social Chain trouxe a Bartlett lições que nenhuma sala de aula poderia ensinar. Como outros pensadores e líderes destacam, a jornada profissional é uma das maiores escolas de liderança. Os CEOs aprendem a navegar pela complexidade, a inspirar pessoas e a transformar desafios em oportunidades, habilidades que só podem ser refinadas na prática. A trajetória de Bartlett é uma prova de que a jornada é tão importante quanto o destino, pois é nela que os líderes se formam.
Terceira Parte 3: Liderança e Autoconhecimento
Um dos temas centrais do livro é sobre liderança, mas Bartlett aborda o tema de uma perspectiva muito pessoal. Ele admite suas falhas, como nos períodos em que foi um líder ineficaz devido à falta de empatia ou comunicação. No entanto, essas experiências o ensinaram que um bom líder não é apenas alguém que guia os outros, mas também alguém que se entende profundamente.
Ele discute a importância da vulnerabilidade na liderança, explicando que os líderes que são autênticos e transparentes criam conexões mais profundas com suas equipes. Bartlett também fala sobre o equilíbrio entre ser ambicioso e cuidar da saúde mental, destacando que o sucesso não pode ser alcançado à custa do bem-estar.
Essa visão se alinha aos conceitos desenvolvidos por pensadores da filosofia, psicologia e administração. Desde Sócrates, que defende o princípio do conhece-te a ti mesmo, até Daniel Goleman com a Inteligência Emocional e minhas contribuições (Reis) sobre a Inteligência Relacional, temos boas referências para a jornada de formação de um líder e/ou CEO. Nesse sentido, muito se pode aprender sobre ser líder e, O Diário de um CEO nos apresenta algumas reflexões substantivas sobre o tema.
Um dos conceitos mais influentes na conexão entre liderança e autoconhecimento é o de inteligência relacional. Bartlett, em sua trajetória, viu que muitas de suas perdas como líder vieram da falta de consciência sobre suas próprias limitações e inseguranças. Inicialmente, ele acreditava que um CEO deveria ter todas as respostas e demonstrar força o tempo todo. Com o tempo, aprendeu que assumir vulnerabilidades e considerar suas fraquezas o tornava um líder mais humano, mais acessível e mais efetivo. Com o tempo ele entendeu que não se faz nada sozinho e tudo o que se faz pressupõe relacionamentos com “diferentes”. Essa ideia é reforçada por Brené Brown, em A Coragem de Ser Imperfeito, ao afirmar que a liderança pressupõe a construção de redes relacionais em profunda interação de competências recíprocas e oportunidades de crescimento.
Um dos maiores desafios que Bartlett enfrentou em sua jornada como líder foi aprender a lidar com o próprio ego. Ele percebeu que, muitas vezes, suas decisões eram motivadas pela necessidade de validação externa, ou que priorizavam o sucesso pessoal em detrimento do grupo e do “projeto” como um todos. Essa reflexão encontra eco na filosofia estoica, especialmente nos ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio no livro Meditações.
Nos dias atuais, esse conceito foi amplamente discutido por Ryan Holiday em O Ego é o Inimigo. Superar a armadilha do egoísmo exacerbado significa aprender a escutar mais, delegar responsabilidades e aceitar críticas. Um líder eficaz não precisa ser uma pessoa mais inteligente do grupo, mas sim aquela que sabe reunir talentos em torno de um propósito maior.
Bartlett enfatiza que proteger o grupo é uma das qualidades mais poderosas de um líder. Em um mundo empresarial repleto de discursos ensaiados e posturas artificiais, ele percebe que os colaboradores e clientes valorizam a honestidade e a transparência. Esse conceito se alinha ao conceito de liderança autêntica que busca criar uma cultura empresarial onde a vulnerabilidade e a transparência são incentivadas. Em sua gestão, ele introduz práticas como feedbacks abertos, reuniões honestas sobre desafios da empresa e o compartilhamento de suas próprias dificuldades por meio de metodologias ágeis, que a Inteligência Relacional chama de “roda de conversas”, conversas circulares ou “conversas nutritivas”.
A psicologia organizacional reforça essa visão. Amy Edmondson, professora de Harvard, desenvolveu o conceito de segurança psicológica, onde defende que uma das maiores competências de um líder é ser capaz de fazer com que seus liderados sintam-se seguros diante dos desafios corporativos.
Outro aprendizado fundamental dessa mesma corrente é encontrar um equilíbrio possível entre habilidades e bem-estar. Durante anos, Bartlett se dedicou intensamente ao crescimento da Social Chain, sacrificando sua saúde e seus relacionamentos. No entanto, sua aprendizagem sobre isso reforça a ideia de que o verdadeiro sucesso não pode ser construído à custa do esgotamento e das demais doenças corporativas como burnout, depressão e ansiedade.
Essa lição dialoga com a visão de Arianna Huffington em Thrive , que nos desafia a aprender a equilibrar trabalho e vida pessoal. Essa é a grande contribuição que os processos de mentoria estão trazendo para as organizações e que foi um dos maiores desafios na jornada de Bartlett. Ele percebeu que os CEOs não devem apenas buscar apenas o crescimento financeiro de suas operações , mas também criar um impacto positivo na vida das pessoas ao seu redor. Entendimento que o levou a compensar sua abordagem de liderança, adotando práticas como mindfulness, pausas estratégicas e maior atenção ao bem-estar do seu time.
Bartlett entende e promove a ideia de que um CEO eficaz não é aquele que centraliza o poder, mas sim aquele que fortalece sua equipe, dando-lhe autonomia. Essa visão se aproxima do conceito de Liderança Servidora, proposta por Robert K. Greenleaf em “The Servant as Leader”, um ensaio publicado pela primeira vez em 1970.
Bartlett aplicou essa filosofia na Social Chain para criar uma cultura onde os colaboradores tivessem autonomia para inovar e tomar decisões. Ele entendeu que um CEO não precisa ser um ditador de regras, mas sim um facilitador de crescimento e de processos. Essa abordagem não apenas fortalece o engajamento da equipe, mas também cria um ambiente de alto desempenho e inovação.
A jornada de Steven Bartlett mostra que uma liderança eficaz não nasce apenas de habilidades técnicas ou conhecimento de mercado, mas sim de um profundo entendimento de si mesmo e das relações que constrói e mantem. CEOs que desenvolvem autoconsciência são capazes de tomar decisões mais equilibradas, comunicar-se de forma autêntica e criar culturas organizacionais mais saudáveis.
Por fim, a filosofia socrática, a inteligência emocional, a visão sobre o ego, os benefícios da ênfase no bem-estar e a Inteligência Relacional, convergem para fortalecer a tese de Bartlett: o sucesso de um líder começa no autoconhecimento em um mundo onde a pressão por resultados pode obscurecer a humanidade do gestor. A mensagem de Bartlett é clara: um CEO eficaz é aquele que primeiro aprende a conviver, depois aprende a ser, em seguida aprende a fazer, para enfim aprender a aprender.
Quarta Parte 4: Lições de Vida
Ao longo do livro, Bartlett compartilha reflexões práticas sobre como construir uma carreira e uma vida significativa. Algumas das principais lições incluem a
autenticidade como o ativo mais valioso, a integridade como expressão de identidade, a dignidade como forma de promover o humano e o respeito incondicional como garantia de um humanismo saudável. “Seja fiel a si mesmo e ao que você acredita, mesmo que isso signifique seguir um caminho não convencional”, reitera Bartlett.
Embora Bartlett tenha feito muito sucesso profissional, ele conclui o livro discutindo como o verdadeiro significado da vida vai além do trabalho e das realizações de materiais. Ele aborda a importância dos relacionamentos, do propósito e do impacto que deixamos no mundo. O autor incentiva os leitores a se concentrarem no legado que desejam construir e na felicidade genuína.
“O Diário de um CEO” é mais do que uma biografia ou um manual de negócios. É um convite para reflexão sobre como vivemos, vencemos e lideramos. Steven Bartlett combina vulnerabilidade, insights práticos e histórias de sobrevivência para criar um livro que ressoa tanto em aspirantes a empreendedores quanto em qualquer pessoa buscando uma vida mais plena e significativa. Mas, acima de tudo é um livro que promove a reflexão madura e desafiadora de quem quer assumir posições de liderança mais estratégicas.
Steve Bartlett aprendeu e compartilha que a vida profissional de empreendedores, executivos, empresários, gestores e candidatos a essas posições, não se caracteriza por uma jornada racional-linear. Muito pelo contrário. A incerteza é algo presente e que não deve a ser temida, mas sim compreendida e gerenciada. Esse pensamento se alinha a diversas abordagens da filosofia, psicologia e administração, que oferecem insights sobre como enfrentar o imprevisível e construir uma carreira sólida. Bartlett faz esse alerta para deixar claro que seu “livro” não é um oráculo, nem um manual; é apenas um relato que pretende ser inspirador e gerador de insights que promovam a construção de organizações mais humanas, gestores e líderes mais capazes de “servir” e colaboradores mais comprometidos e engajados em projetos com propósitos altruístas.
Para mim foi um prazer ler O Diário de um CEO. Recomendo fortemente a leitura, reflexão e o compartilhamento dessa obra, por tudo que ela tem de desafiador na construção de organizações, gestores e líderes que, de fato, representem a restauração do que seja “essencialmente humano” em nossas atividades profissionais.
Reflitam em paz!
Homero Reis
Consultor
[1]Proibida a reprodução do todo ou de partes desse texto, por qualquer meio, sem a autorização prévia e formal do autor. Homero Reis, homero@homeroreis.com. Brasília, fevereiro/25.

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