Há alguns anos, estava atendendo a um cliente, presidente de uma grande companhia de eletrodomésticos. O projeto em que estávamos trabalhando era a construção de equipes de alto desempenho, o que incluía, dentre outras coisas, feedback entre os diversos profissionais gestores.
Numa reunião entre a presidência e o corpo diretor, o presidente solicitou que lhe fossem dados feedbacks. Houve um silêncio inicial até que um dos diretores disse textualmente:
– “O senhor é o presidente, então é o senhor que deve nos dizer o que temos de melhorar”.
O presidente respondeu com muita sabedoria:
– “Sou o dono da empresa e não o dono da verdade”.
Aí está uma atitude aprendiz de quem quer desenvolver capacidade de escuta e entendimento das expectativas recíprocas da equipe.
Na base dos processos de feedback estão sempre dois elementos: falar e escutar. Esses processos são fundamentos das conversas que, por sua vez, revelam o modo como nos relacionamos.
Isso posto, o desafio torna-se mais claro: dar e receber feedback é construir relacionamentos inteligentes. Para fazer isso, há que se reconhecer algumas coisas:
a. O feedback está sempre relacionado às expectativas que temos de que algo seja viável e desejável que aconteça melhor do que está acontecendo, produzindo resultados mais prósperos para os envolvidos.
b. As expectativas revelam o modo como esperamos que as coisas aconteçam e não uma verdade absoluta. Isso nos orienta na capacidade de expressar o que desejamos, mas também de escutar como o outro se sente em relação a tal desejo. Dessa dinâmica pode surgir um “acordo” de desempenho que satisfaça aos atores envolvidos.
Portanto, as competências básicas para se dar feedback e receber feedback são:
ter clareza de quais são nossas expectativas em relação ao outro;
ser capaz de escutar ativamente o outro;
ser flexível;
ter uma atitude aprendiz;
ver nas diferenças possibilidades e não ameaças.
Dar feedback também pressupõe a capacidade de coordenar ações concretas de melhorias, com seus respectivas prazos e condições de satisfação.
Muitas vezes, ao acordarmos que algo precisa ser mantido, acrescentado, modificado ou eliminado em nossas relações de trabalho, esquecemos de operacionalizar esse acordo.
Ou seja, quando um colaborador me diz que preciso estar mais presente no setor (ou outra demanda qualquer), preciso saber com clareza o que isso quer dizer do ponto de vista da ação, quando acontecerá e com vamos medir se tal objetivo foi alcançado.
Quando não coordenamos ações em termos de tempo e de condições de satisfação, o feedback “cai no vazio” e perde-se com o tempo.
Por fim, tendo em mente essas competências, é necessário o entendimento da máxima da inteligência relacional que afirma “quem aperfeiçoa o ser humano é outro ser humano”.
Isso nos desafia a entender que somos agentes transformacionais recíprocos.
Atuamos criando espaços comuns entre nós e só alcançamos alto desempenho quando entendemos que diferentes pontos de vista, harmonizados, produzem um modo mais efetivo de atuação e superação nos resultados.
Ou seja, “uma andorinha só, não faz verão”.
Por isso, o feedback é a ferramenta indispensável para construção de equipes de alto desempenho.
Dia desses visitava um cliente. Enquanto o aguardava fiquei na sala de espera observando a dinâmica dos colaboradores daquela empresa. Atento às falas, aos movimentos e comportamentos dos profissionais dali, pude observar algo que sempre me chama a atenção: o clima organizacional.
Segundo o Portal RH (http://www.rhportal.com.br/artigos), Clima Organizacional é o conjunto de propriedades mensuráveis do ambiente de trabalho percebido, direta ou indiretamente pelos indivíduos que vivem e trabalham neste ambiente e que influencia a motivação, o comportamento, a produtividade e os relacionamentos dessas pessoas.
Do ponto de vista organizacional, clima é o indicador de satisfação dos membros de um sistema produtivo qualquer, em relação aos diferentes aspectos da cultura ou realidade aparente desse sistema, tais como: políticas de RH, modelo de gestão, processos de comunicação, valorização profissional e identificação com a empresa e relacionamentos.
A organização e as condições de trabalho, bem como as relações entre os colaboradores condicionam em grande parte a qualidade da vida e os resultados corporativos. Construir um clima propício para o trabalho e a convivência em grupo é estar contribuindo no desenvolvimento concreto e pessoal de todos os elementos fundamentais que nos fazem seres humanos: autonomia, legitimidade, diferenças e liberdade, tanto no domínio individual como social.
No tempo em que fiquei esperando meu cliente, observei um elevado grau de ansiedade das pessoas, instabilidade de humor, relacionamentos indelicados, muita movimentação, muito individualismo e pouco resultado. As pessoas cumpriam seu papel no trabalho como se aquilo fosse um fardo bastante pesado. Era visível a enorme quantidade de energia usada para manter as coisas mais ou menos sob controle, desviando-as dos fatores produtivos e relacionais realmente necessários.
Pois bem, para se melhorar o clima organizacional é necessário entender um pouco mais fundo a questão dos relacionamentos humanos.
As relações entre pessoas nos sistemas organizados ocorrem a partir de dois movimentos: vertical e horizontal.
O movimento vertical se caracteriza pelas relações hierárquicas. Tradicionalmente tal movimento era construído por ações desumanas e unilaterais, onde predominava
os desmandos, a manipulação pelo medo, a competitividade entre colegas e a insegurança entre as pessoas. Com a humanização dos processos gerenciais e a reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas a esse movimento: qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação das tarefas, autonomia, flexibilização e harmonia relacional.
A tendência, hoje, observada em organizações de alto desempenho, é ter colaboradores com maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação e empregabilidade. Tal política, no entanto, visa um melhor ambiente e uma maior produção, obtida antes, pela eficiência e pelo trabalho intelectual do que pelo excesso do esforço físico. Isso inclui agilidade das empresas diante do mercado, sem perder a noção de qualidade relacional que deve ser a tônica do clima onde se realiza o trabalho.
Significa também, atender às demandas do mercado, o que leva os profissionais a terem que se adaptar e aceitar as constantes mudanças e novas exigências das políticas competitivas no mercado global, bem como construir relações internas que promovam a saúde e a qualidade de vida. Manter essa equidade é, hoje, sinônimo de eficiência.
O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produção. Tradicionalmente isso era feito, devido à instabilidade do mercado, a partir do medo que a perda do emprego gerava e as poucas alternativas formais que se tinha até então de manter-se empregado. O enraizamento e a disseminação do medo no ambiente de trabalho criavam possibilidades de atos individualistas e tolerância às práticas autoritárias que sustentavam a cultura da subserviência. No entanto, esse fato, hoje, está mudando. A estabilidade econômica, o espaço para o empreendedorismo e as conquistas trabalhistas, já não permite mais a gestão organizacional a partir da cultura do medo.
Algumas organizações que ainda atuam com esse clima, fatalmente irão descobrir, mais cedo do que pensam o alto custo em manter tal cultura. Atuar a partir de autoritarismo, estimular a competição sistemática entre colegas, incentivar a indiferença ao outro e explorar os profissionais até o limite da sanidade relacional, é uma das formas mais efetivas de aumentar custos, perder clientes e sair do mercado.
Este fenômeno provoca o rompimento dos laços afetivos entre os pares, aumento do individualismo e instauração do ‘pacto do silêncio’, com também o ‘pacto da mediocridade’. As consequências mais comuns são: relações afetivas frias e endurecidas, comprometimento da saúde, da identidade e da dignidade, sentimento de inutilidade, descontentamento e falta de prazer no trabalho, aumento do absenteísmo e diminuição da produtividade.
Construir ambientes de trabalho e convivência cujo clima seja saudável é uma questão de retorno à humanidade. É valorizar o que nos constituiu como seres humanos, é primar pela qualidade de vida e pela vida de qualidade, antes de qualquer valor econômico por si mesmo.
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Desenvolvemos uma ferramenta online para avaliarmos as 5 dimensões da cultura da sua empresa/organização.
O Exame da Cultura Organizacional foi desenvolvido para identificar os ambientes que compõem a cultura de uma dada organização e como tais ambientes se relacionam com seus resultados, ajudando o gestor a tomar as melhores decisões para promover o desenvolvimento organizacional.
Quando completei cinquenta anos, fiquei perplexo. Nunca pensei que chegaria tão longe. Nos meus sonhos de infância, essa idade era atributo dos mais velhos, e eu, certamente, não me imaginava “mais velho”. Mas, fato é, os cinquenta chegaram, e já, já serão cinquenta e “uns”. Hoje sou um “mais velho”, teoricamente mais sábio, mais prudente, mais conhecedor da vida. Teoricamente, porque, de fato, me parece que a única coisa efetiva dessa ideia de idade é que com o tempo a gente aprende a ver as coisas por outro ponto de vista. Não sei se melhor ou pior, mas, certamente, diferente – isso é um dos atributos das idades: fazer a gente ser diferente a cada dia. Particularmente, gosto da ideia. A gente acaba por ver o mundo sobre uma perspectiva talvez mais integral, mais plena. Aprende-se a não ser o centro do universo. No meu caso, pelo menos, tem sido assim. Essa perspectiva, no entanto, tem se apresentado sempre a partir de uma boa recordação das histórias que ouvia na infância: os contos de fadas. Não sei porque, mas tenho me lembrado deles e tenho escrito muito sobre eles. Meus alunos sabem disso. Esse é o caso da história desse texto. Um dia, meu amigo e colega Prof. Pontes passou-me um e-mail falando sobre a Roupa Nova do Rei, um conto de Hans Christian Andersen. Uma história da infância que nos revela muito sobre as relações entre as pessoas. Pois é! Dessa lembrança surgiram algumas reflexões. Aí vão elas.
Pra começo de conversa, é bom fazer um resumo da história para aqueles que não a conhecem.
Era uma vez – toda boa história começa assim – um reino. Um reino governado por um rei muito vaidoso que gastava todas as riquezas do reino com sua vaidade. Carros, joias, viagens, massagens, banhos florais, plásticas e tudo o mais que pudesse fazer algum efeito em sua aparência. Mas, de tudo isso, o que ele mais gostava eram as roupas. Seu guarda-roupa vivia entulhado das mais finas e caras peças da moda.
Aliás, isso era motivo de críticas severas de todos os seus assessores, sem falar dos inimigos políticos, que viam nessa prática bons motivos para desqualificá-lo. O povo sofria com a falta de recursos, porque todas as riquezas eram gastas com a vaidade do rei e as coisas que precisavam ser feitas não o eram. Mas, no fundo, no fundo, ele não era um mau rei. Desorientado, talvez.
Um dia, dois espertalhões, sabedores das loucuras desmedidas do rei por causa de sua vaidade, apresentaram-se no palácio real como sendo grandes costureiros de uma longínqua terra mágica. Diziam-se capazes de fazer a mais bela de todas as roupas, uma roupa tão perfeita que tornava quem a usasse incomparavelmente belo. O rei logo se interessou pelo assunto. Com uma roupa dessas, ele seria muito mais feliz. Assim, sem mais delongas, tratou de contratar os costureiros mágicos, encomendando a mais bela e cara de todas as roupas.
Assim, os costureiros começaram logo a trabalhar. Depois de tirar as medidas reais, passaram a produzir a tal roupa, trabalhando todos os dias com afinco e determinação, numa produção secreta de fazer inveja a qualquer trabalhador. O rei estava ficando ansioso, porque o tempo estava passando e nada da roupa ficar pronta. O reino também estava vivendo a grande expectativa do dia em que o rei haveria de se apresentar vestido de tal beleza.
Tamanha era a ansiedade, que um dia o rei resolveu ver o que faziam os costureiros e em que pé estava a produção de sua roupa.
Foi até o atelier e surpreendeu-se ao ver que nada estava sendo produzido. Não avistara nem um carretel de linha sequer. Não havia nem um botãozinho pra contar história. Imediatamente, cheio de raiva e frustração, foi ter com os costureiros para exigir deles uma explicação para aquilo.
— Senhores, como pode ser isso? Contratei-os para cozer uma roupa real, mágica e bela, mas vejo que nada está sendo feito! – disse o rei,
— Perdoe-nos, Vossa Alteza, mas tudo está sendo feito a seu
tempo. Aliás, estamos adiantados na confecção de sua roupa mágica e podemos lhe assegurar que é a mais bela de todos os tempos. – disseram os costureiros.
— Como, se não encontrei nada no atelier?
— Sim, Excelência, porque a roupa está guardada em local seguro, e, além do mais, por ser uma roupa mágica, só pode ser vista por pessoas inteligentes. Venha, vamos mostrá-la ao Senhor, embora
isso não devesse ser feito antes de concluírmos os trabalhos. Assim, levaram o rei a uma sala onde nada existia, e, com enorme maestria, começaram a mostrar tecido que não se via, linha que não se via, desenhos e modelos que não se viam.
— Veja, Vossa Alteza, que belo recorte temos aqui. Certamente, sendo Vossa Alteza muitíssimo inteligente, pode perceber como ficou bonito esse detalhe nas mangas, esse corte no colarinho,
essa combinação de cores.
O rei, como pessoa inteligente, passou a ver tudo, cores, tecidos, modelos…
Enfim, ficou pronta a roupa. Todo o reino estava ansioso por vê-la. O rei, orgulhoso de sua roupa, mandou que se fizesse uma festa nacional, na qual ele, vestindo a roupa mágica, iria desfilar
para todos os súditos. Também deveria ser explicado que a roupa só poderia ser vista por pessoas que fossem inteligentes.
Os costureiros, depois de receberem uma fortuna pelo trabalho, entregaram a roupa mágica e partiram sem nunca mais serem vistos.
Dia da festa. Povo reunido, o rei vestindo a roupa que não se via, sai pelas ruas da cidade ostentando sua mais nova aquisição. Todos aplaudem e comentam sobre a beleza da roupa.
— Como ficou bem, diziam uns; que belas cores, afirmavam outros; que bom gosto, comentava-se aqui e ali. E transcorria a festa, repleta de gente e de comentários “inteligentes”. Até que, de repente, um súdito menos avisado, insurge na multidão e, percebendo toda a trama, grita: «O REI ESTÁ NU!»
Imediatamente, todos percebem o papel ridículo que estavam fazendo, e o rei, ao contemplar sua nudez, descobre quão insensato estava sendo em sua vaidade.
Bom, essa é a história, contada do meu jeito a partir das lembranças. História que me faz pensar em muitas coisas.
Primeiro, revela que nossa autoimagem é construída sobre alicerces pouco consistentes. Estamos mais preocupados com o que pensam de nós do que com aquilo que somos. Geramos mais ações para construir imagens do que para ganharmos consistência. Fazemos o jogo do poder constituído. Somos capazes de “ver roupas mágicas” apenas para sermos “inteligentes” aos olhos dos outros, mesmo que isso nos torne ridículos. Essa enorme necessidade de sermos aceitos a qualquer custo torna-nos vulneráveis e incapazes a um honesto processo de autoconhecimento.
Segundo, denuncia a tirania do poder. “Veja o que o rei quer que seja visto”, assim você continuará sendo amigo do rei e, obviamente, usufruindo os benefícios da Corte. Submetemo-nos ao senso comum porque é mais fácil transitar pelo caminho da aquiescência do que sugerir um novo caminhar. O poder sabe disso. As estruturas de comando instaladas na sociedade usam desse artifício para manter os “súditos” em total estado de alienação. Vive-se das aparências, mesmo sabendo que estamos nus. O medo de ser diferente paralisa a criatividade, inibe o desenvolvimento, impede uma honesta construção das novidades, nos aprisiona ao óbvio, nos impede de sermos honestos.
Terceiro, a história nos conta de um rei que não foi capaz de encarar suas próprias limitações. A associação de fragilidades com o poder socialmente constituído faz de nós tiranos. O professor Rubem Alves dá a receita para se fazer tiranos. Diz ele: “pegue alguém com certezas plenas, verdades
absolutas, convicções definitivas e lhe dê poder. Está pronto o tirano”. Pessoas que não se veem, que não identificam suas fragilidades, que não percebem suas fraquezas, que não entendem suas limitações, são pessoas incapazes de pedir ajuda. Isso as torna solitárias e defensivas. Porque a capacidade de pedir ajuda é uma das maiores ferramentas na construção dos processos de aprendizagem social, e a solidão, o maior de todos os males. Só aprendo quando reconheço que não sei e que preciso daquele conhecimento. Reconhecer a necessidade é o primeiro passo, descobrir que o outro pode ajudar é o segundo, o terceiro é pedir ajuda. Isso nos envolve com o outro, torna-nos participantes, cria interação, desenvolve o senso de identidade.
Quarto passo, o de que há sempre alguém à espreita de um vaidoso. Somos presas fáceis na medida em que não vemos nossa própria vaidade. O rei acredita no absurdo porque necessita do absurdo para alimentar sua própria vaidade. Acredita na magia barata, seja ela qual for, porque não suporta sua própria contingência. Aí está o terreno fértil para o surgimento dos “salvadores da pátria”, dos curandeiros de ocasião, dos leitores do futuro, dos profetas de plantão. Quando não se compreende a própria limitação, transfere-se a gestão da vida para quem não tem nenhuma responsabilidade para com ela. O rei dilapida o reino para se satisfazer. Os “costureiros mágicos” partem antes que se constate que o rei está nu e a sociedade, perplexa, se vê cúmplice de sua própria mazela.
Quinto passo, sempre tem alguém lúcido por perto. O súdito “menos avisado” é alguém que revela o que todos podem ver, mas que não querem ou não se interessam em ver. Essa denúncia revela que é possível desmontar a trama em que nos envolvemos se optarmos por um compartilhamento honesto de nossas próprias percepções. Não no sentido da competição por ser o mais certo, por se ter a palavra final, para ser a nova referência do grupo ou coisa assim. Mas um honesto compartilhar, no sentido de se apresentar novas possibilidades como simples possibilidades. De propor uma nova via para o conhecimento e para a ação.
O rei está nu, essa é a visão fatal. Ela expõe nossa condição ao revelar a superficialidade das relações. Se por um lado é doloroso saber que o rei está nu, por outro é condição necessária para, de fato, se vestir. Portanto, a denúncia não se torna um fim em si mesmo, mas, antes, uma possibilidade
de solução real. O rei está nu, todos estão nus. A vergonha do rei é a expressão da vergonha do reino. Nada há no poder que não emane de quem o constituiu. Portanto, a história nos leva a refletir sobre as coisas às quais atribuímos valor. O que é relevante para mim? Como gasto meu tempo? O que tem prioridade em minhas decisões? Como escolho em quem votar? Em que invisto minhas competências? Essas e outras perguntas de mesma natureza podem nos levar a descobrir o que “está nu em nós”.
Ser capaz de entrar nesse processo de autoconhecimento descortina muito de nossa natureza, gerando uma real possibilidade de intervenção criativa na composição dos relacionamentos. Ser capaz de entrar nesse processo possibilita uma integração maior entre os membros de um grupo, de modo que as diferenças existentes passam a ser vistas como possibilidades e não como ameaças. Por fim, ter os olhos atentos ao que está acontecendo no contexto nos faz entender que o rei está nu, mas que ainda é rei.
O mundo está mudando e você sabe disso. Não é possível passar uma data tão significativa como 8 de Março em branco.
Mas…
Se a verba disponível só te leva a pensar em flores, bombons ou cosméticos, aqui vão 5 ideias pra você fazer algo de real valor e tornar essa data mais que especial na sua empresa:
1. Faça um Sarau na empresa. Convide as mulheres para escolherem livros, poemas e música que falem sobre os desafios da mulher contemporânea. Dicas de livros: Faça acontecer (Sheryl Sandberg). Deixe a peteca cair (Tiffany Dufu). Mulheres que correm com os lobos (Clarissa Pinkola Estés). Tudo nela brilha e queima (Ryane Leão). O que eu sei de verdade (Oprah Winfrey). O cálice e a espada (Palas Athena). A Coragem de ser imperfeito (Brené Brown). Histórias de Ninar Para Garotas Rebeldes (Livro por Elena Favilli). Pergunte também às mulheres quais livros elas já leram que poderiam fazer parte do Sarau.
2. Se a sua equipe não for muito grande, escreva post-its personalizados para cada mulher com elogios sinceros ou frases que inspirem, e cole-os em seu material de trabalho.
Não se apegue a questões de aparência, seja criativo(a)! Algo como: “Ana, hoje acordamos mais felizes quando lembramos que você estaria aqui”. “Laura, você fica deslumbrante vestida de felicidade”. “Mariana, hoje é seu dia. Dia das mulheres feitas de ferro e flor.” Mais legal ainda, se forem escritos de próprio punho e assinados pelos líderes da organização.
3. Promova uma sessão de filmes sobre mulheres fortes.
Pegue o projetor da empresa, organize uma sala, prepare pipocas e convide todas. Depois, promova uma conversa sobre o tema do filme. Você pode avisar com antecedência para que elas consigam se ausentar com tranquilidade do trabalho durante este momento. Na internet, há várias listas de filmes pra te ajudar na escolha.
4. Convide uma palestrante experiente que inspire verdadeiramente as mulheres da sua organização.
Não caia na tentação de escolher uma palestra motivacional, mesmo que venha de uma palestrante mulher. O que seu time feminino precisa é dialogar com profundidade sobre os desafios profissionais e pessoais da mulher contemporânea, com alguém que entenda realmente seus problemas com honestidade e mostre caminhos possíveis para mudar o mundo para melhor.
5. MAS SE VOCÊ TEM POUCO RECURSO DISPONÍVEL, NÃO CONSEGUE JUNTAR TODA A EQUIPE EM UM ÚNICO EVENTO E QUER ENTREGAR ALGO REALMENTE SIGNIFICATIVO, eu preparei a SMTM – Semana para Mulheres que Transformam o Mundo.
A SMTM é um pacote de 7 palestras on-line que inspiram mulheres a reconhecerem ainda mais a sua força, coragem e determinação para enfrentarem seus principais desafios na vida profissional e pessoal. É uma maneira supercriativa e de alto impacto para entregar mais valor para as mulheres, pelo mesmo preço de flores ou bombons.
Se ficou curioso(a) para conhecer mais sobre a SMTM, clique aqui (lembrando que o Dia da Mulher vai dar na semana do Carnaval, então você precisa escolher rapidamente).
Muitas pessoas têm me procurado para conversar sobre o comprometimento das suas equipes. Isso me parece ser um grande drama que as organizações vivem: manter o compromisso da equipe com o negócio, com os projetos e com o resultado da organização.
Eu vejo algumas coisas que parecem ser transversais a todo esse drama.
Neste vídeo, eu falo sobre a Síndrome do presente, que deflagra porque um projeto que inicia com toda a intensidade e compromisso da equipe, parece cair na normalidade depois de um tempo.
Falo também dos 5 princípios que norteiam as equipes de alto desempenho, mantendo um alto índice de compromisso com os projetos e a organização.
Isso pode gerar alguns insights valiosos para o seu time. Assista:
O coaching surge como uma grande oportunidade de fazer carreira no mercado. Muitas pessoas, já em fase de conclusão do primeiro ciclo profissional ou aspirantes de uma segunda carreira cheia de significado, têm encontrado no coaching um novo paradigma para colocar toda sua experiência a serviço daqueles que, de certa forma, precisam de suporte para alcançar um objetivo ou até mesmo “ver a luz no fim do túnel”.
Mas quando se trata do coaching, muitas dúvidas surgem a respeito do assunto, seja por ser uma profissão relativamente nova, seja pelas possibilidades de atuação ou mesmo pelo próprio significado da palavra. Deixe-me elucidar um pouco mais sobre cada uma dessas questões.
O que é coaching?
Coaching, que procede do verbo em inglês to coach, «treinar» é uma relação de parceria na qual o coach (profissional) serve ao coachee (cliente) para desenvolver as suas potencialidades, descobrir quem é e onde está para alcançar aquilo que deseja e superar seus limites.
Outra origem é o substantivo “coach”, também em inglês, que diz respeito às antigas carruagens que levavam nobres de um feudo a outro. Coach é a carruagem e também o cocheiro que, com as rédeas da carruagem nas mãos, leva o coachee (passageiro) aonde ele deseja e estabelece chegar. Nessa metáfora, não cabe ao coach definir ou direcionar, mas sim acolher o coachee e escolher as técnicas e caminhos que melhor se aplicam para o destino que o coachee deseja alcançar.
A ICF (international Coach Federation) define coaching como fazer “uma parceria com os clientes em um processo criativo e estimulante para o pensamento que os inspira a maximizar o seu potencial pessoal e profissional”.
Qual a nossa visão sobre o Coaching?
O coaching que praticamos e vivemos na Homero Reis – IRC é o Coaching Ontológico. Uma abordagem conversacional que parte do pressuposto de que, pela aprendizagem, nós recriamos e nos encontramos com quem somos. Temos como foco o que significa SER humano e geramos aprendizados que têm um poderoso impacto na vida em diversos domínios. Capacitamos as pessoas a fazerem mudanças profundas na sua maneira de ser, interferindo na sua observação do mundo e, consequentemente, no seu comportamento (ação).
Quanto ganha um coach?
Essa atividade, por sua relevância e pelo enorme bem que tem feito a seus clientes, é, sem dúvida, um nicho de mercado bem remunerado. Com o mercado em franca expansão, uma sessão de coaching (algo em torno de 60 minutos) pode variar de R$200,00, para os coaches principiantes, a R$ 1.000,00 (ou mais) para Master Coaches, conforme a competência e expertise do profissional. Isso é consequência de uma formação consistente e de muitas horas de experiência no atendimento.
O que significa ser Master Coach?
É comum a alcunha de Master Coach para profissionais com mais de 2.000 horas de atendimento. Portanto, tal título se dá por associação de formação técnica mais experiência prática, e não somente por ter feito um curso com tal designação.
O coach precisa de certificação?
O coaching no Brasil é uma atividade aberta, sem nenhuma regulamentação governamental. As certificações internacionais seguem critérios próprios conforme cada agência e não há nenhuma padronização entre elas. Cabe aqui, ao candidato, certificar-se da seriedade de tais agências certificadoras, bem como do caráter de cada escolha. Para isso, é mister procurar ouvir depoimentos, verificar a história de cada “fornecedor”, certificar-se de que exista uma legalização dos conteúdos – no caso brasileiro, feito pelo MEC – e demais cuidados de quem quer ter uma atividade profissional séria.
Como posso me tornar coach?
Existem muitas opções de formação profissional no mercado e com abordagens distintas. No entanto, nem todas seguem os padrões mais rígidos de formação profissional. Existem formações que dizem formar coaches em sessões de poucas horas e em um ou dois finais de semana. Fique atento! Isso não é formação. As boas escolas de coaching, que formam (e não apenas informam), possuem programas em torno de 360 h/aula. No Brasil, há poucas escolas com esse perfil e, menos ainda, certificadas. A Homero Reis – Inteligência Relacional e Coaching é uma delas. Nossa formação de Pós-graduação em Coaching é reconhecida pelo MEC e forma coaches desde o ano 2000, tendo seus Masters Coaches certificados pela FICOP (Federação Internacional de Coaches Ontológicos Profissionais).
Devemos nos lembrar de que o coaching não é “panaceia para todos os males”. As promessas de que você ficará rico e famoso em pouco tempo é um bom indicativo de que a oferta não é tão séria assim; as metodologias baseadas em manuais infalíveis de sucesso e superação tendem a ser pouco efetivas, além de abusar da credulidade de quem sofre.
Muito importante:
Falamos aqui das questões práticas sobre ser coach. No entanto, como dizemos aqui na Homero Reis – Inteligência Relacional e Coaching, ser coach é “ser vida a serviço da vida”. E levamos isso muito a sério! Para nós, coaching é um estilo de vida e forma de servir à comunidade e às pessoas. Mas esse tema é muito mais amplo do que posso expor aqui. Por isso, desafio você a assistir à videoaula “A carreira de coaching é pra você?”. Acredito que ela muito lhe ajudará a identificar se você possui essa chama, essa vocação para essa encantadora profissão. Se você quer avançar na decisão de se tornar coach, não deixe de assistir!
Forte abraço,
Homero Reis
Origens e Consequências Amargas do Egoísmo Desenfreado.
Uma Reflexão por Homero Reis.
Sou um observador do mundo em que vivo e da minha forma de viver nele. Faço isso por questões pessoais e profissionais porque creio que vivemos em redes relacionais a partir do princípio gregário que nos torna humanos. Num mundo que parece cada vez mais centrado no indivíduo, onde o mantra do “eu primeiro” ecoa mais alto do que nunca, creio que pausar e refletir sobre o modo como estamos vivendo e nos relacionando é essencial para se entender o que estamos criando. Um dos temas que me tem chamado a atenção é o egoísmo contemporâneo e suas consequências. Muitas vezes, as pessoas mergulham tão profundamente em suas próprias preocupações e interesses que acabam negligenciando completamente o impacto de suas ações sobre os outros. Essa falta de empatia e consideração, gera um ciclo vicioso de alienação e solidão, deixando pelo caminho uma trilha de desolação emocional e relacional. Nesse caminho, nada dá certo: casamentos se tornam insuportáveis; amigos incomodam; o trânsito é causa de “úlcera”; uma conversa de bar descamba para uma briga sem sentido; um jogo de futebol torna-se numa praça de guerra; os outros são idiotas; pais e filhos não se falam, nem se entendem; governantes acreditam que a guerra é a solução. Quero controlar tudo e nada me satisfaz; tenho tudo, mas não me contento com nada e por aí vai.
Mas, além do contexto acima, o que me motivou a escrever sobre o egoísmo, foi uma experiência pessoal. Eu e minha esposa viajávamos com um casal de amigos antigos que, embora fossem amigos antigos aquela era a primeira vez que viajávamos juntos. Passamos uma semana de intenso convívio e relacionamento. A relação dos dois não estava lá essas coisas, mas tudo parecia ser “um jeito de ser”. O fato é que, durante aquela semana, pude observar algumas coisas: no restaurante, meu amigo fazia o seu pedido sem se preocupar com o que a esposa gostaria de comer; no café da manhã ele se servia, sem nem perceber se os outros estavam se servindo ou se havia o suficiente para os demais; na fila para comprar ingressos para um show, ele comprou o dele e nos deixou a deriva (tivemos que entrar na fila novamente); no passeio pela praia ele foi à frente e desconectou-se de nós; em todo o tempo sua conversa foi sobre como tirar proveito das situações e como os outros “são idiotas”. Num dado momento, intervi: fulano, você não pensou em nós? Ele responde: desculpe, não os vi!!!!!. Ou seja, eu cuido de mim e cada um que cuide de si. Será? Isso me incomodou muito e resolvi estudar um pouco mais sobre as consequências amargas dessas atitudes e, conversar com ele sobre o assunto.
Nossa conversa girou em torno do egoísmo como uma erva daninha que se infiltra silenciosamente em todos os aspectos da vida, corroendo lentamente os laços que nos conectam com os outros. Seja no âmbito pessoal, profissional ou social, suas ramificações são profundas e amplamente prejudiciais: as relações interpessoais se desintegram, oportunidades são perdidas e, em última análise, a própria felicidade fica comprometida. Também é fato de que o egoísmo não é uma característica inata do ser humano, muito pelo contrário, é uma distinção aprendida e reforçada pelo contexto em que se vive e que começa em nossas relações primárias e se instala na teia social tornando-se uma cultura “transparente” nos nossos relacionamentos.
Existem várias causas geradoras do egoísmo; causas cuja origem se observa desde as experiências de vida nos círculos afetivos primários (família nuclear ou estendida), até características individuais formatadas nas macro-relações sociais (religião, escola, estado), ou nos mecanismos de defesa na teia social. As mais “visíveis”, conforme os protocolos da “pesquisa-ação”, são as seguintes:
Experiências de Infância: Experiências negativas na infância, como falta de atenção dos pais, abuso emocional ou negligência. Elas promovem o desenvolvimento de uma visão de mundo centrada apenas em si mesmo como uma forma de proteção ou adaptação.
Cultura e Ambiente Social: O ambiente em que uma pessoa é criada e os valores culturais predominantes também desempenham um papel importante. Em culturas que valorizam o individualismo e a competição, pode ser mais provável que as pessoas desenvolvam comportamentos egoístas.
Recompensa de Comportamentos Egoístas: Em alguns casos, comportamentos egoístas, recompensados ou incentivados, seja através de ganhos materiais ou de status social, levam as pessoas a adotarem uma mentalidade de “cada um por si”.
Traumas e Feridas Emocionais: Traumas passados, com perdas significativas, abandono ou experiências de rejeição, são potencialmente geradores de um egoísmo exacerbado, criando pessoas emocionalmente fechadas e centradas em suas próprias necessidades como uma forma de autopreservação.
Baixa Autoestima: A baixa autoestima leva as pessoas a recorrerem ao egoísmo como uma forma de compensar sentimentos de inadequação ou insegurança. Elas podem se concentrar excessivamente em si mesmas como uma maneira de se sentir mais valorizadas ou no controle. Aliás, a necessidade de controle é uma forma de expressão do egoísmo em sua forma mais adoecida.
Falta de Empatia Desenvolvida: Alguns indivíduos tem dificuldades em entender e se conectar emocionalmente com os outros devido a falta de desenvolvimento da empatia, seja por questões genéticas, ambientais ou sociais.
Modelos de Comportamento: Se uma pessoa cresce em um ambiente onde o egoísmo é prevalente e modelado por figuras de autoridade ou modelos de referência, é mais provável que ela internalize esse comportamento como normativo.
Estresse e Pressão Externas: Situações de estresse, pressão financeira ou dificuldades pessoais podem levar uma pessoa a se concentrar mais em suas próprias necessidades imediatas, em detrimento das necessidades dos outros.
O egoísmo pode ser influenciado por esses fatores (além de outros), ou por uma combinação deles conforme o modo particular com que cada um “interpreta ou interpretou” suas experiências e trajetórias de vida, no contexto de suas relações. Compreender essas causas pode ajudar na identificação e no enfrentamento do comportamento egoísta, tanto a nível individual quanto social.
Mas, vamos ver o que alguns pensadores têm a nos ensinar sobre o egoísmo. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, conhecido por suas reflexões sobre moralidade, poder e individualidade, nos livros “Assim Falou Zaratustra” e “ Para Além do Bem e do Mal”, explora o conceito e a “prática” do egoísmo bem como suas implicações na vida humana. Ele abordou essa questão destacando como o egoísmo excessivo leva à alienação e à falta de conexão humana. Em sua visão, a busca implacável pelo poder e pela satisfação pessoal resultam em um vazio existencial, uma sensação de desolação que assombra até os mais egocêntricos.
O egoísmo mina a confiança e o respeito mútuo nos relacionamentos, gerando quebra da confiança. Quando uma pessoa está constantemente preocupada apenas consigo mesma, ela demonstra uma falta de comprometimento e consideração pelos outros, promovendo ressentimentos e mágoas naqueles que estão ao seu redor e minando gradualmente a base sobre o qual o relacionamento foi construído.
O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, discutiu amplamente a questão do egoísmo em suas obras “O Amor Líquido”, a “Vida Líquida “e na “Modernidade Líquida”. Nelas ele examina a fragilidade dos laços sociais na sociedade contemporânea e o impacto do individualismo e do egoísmo nas relações humanas. Discutiu também a ideia de que os laços sociais se tornam cada vez mais frágeis e transitórios onde as pessoas estão centradas em si mesmas. O egoísmo é um dos principais catalisadores da fragilidade social, corroendo os alicerces da confiança e da cooperação mútua.
No ambiente de trabalho, o egoísmo é extremamente prejudicial. Quando os indivíduos estão mais preocupados em promover seus próprios interesses do que em contribuir para o bem-estar da equipe, o moral e a produtividade sofrem.
O psicólogo norte-americano Abraham Maslow, conhecido por sua teoria da hierarquia das necessidades humanas, destaca a importância do pertencimento e da conexão social para o bem-estar psíquico das pessoas, contrastando com o foco excessivo no eu individual, gerador de desarticulação. Ao desenvolver a hierarquia das necessidades humanas, Maslow destacou a importância da realização pessoal e da autorrealização, mas associadas ao senso comunitário. Por isso enfatizou a importância de se pertencer a um grupo e de se sentir parte de algo maior (senso de propósito), do que o eu individual. O egoísmo desenfreado mina essa necessidade básica de conexão e pertencimento, prejudicando o ambiente de trabalho e suas relações como um todo.
Além das consequências interpessoais, o egoísmo também pode ter um impacto significativo na saúde mental e emocional de uma pessoa. Quando alguém está constantemente preocupado apenas consigo mesmo, desenvolve sentimentos de isolamento e solidão, mesmo quando cercado por outras pessoas. Martim Heidegger, filósofo alemão, escreve um tratado chamado “Todos nós, ninguém”, onde demonstra o conceito de solidão nas grandes aglomerações humanas, solidão gerada pelo egoísmo social, onde a identidade se dissolve na multidão. “Estamos próximos, mas não estamos juntos. Vivemos numa cegueira social que nos impede de ver o outro”, afirma ele. Já o psicólogo Eric Fromm, psicanalista e filósofo social alemão, cujo trabalho explorou temas como a alienação, a liberdade e a natureza humana, é enfático quanto aos efeitos malévolos do egoísmo. Nas suas obras “O Medo à Liberdade” e “O Amor e a Solidão”, Fromm examina as consequências emocionais do egoísmo e da falta de conexão interpessoal, explorando como a dinâmica do egoísmo na sociedade moderna pode levar à alienação e ao vazio emocional e existencial. Afirma ele que “o egoísmo exacerbado é uma manifestação contrária a liberdade genuína, onde a conexão com os outros é vista como uma ameaça à autonomia pessoal”.
O egoísmo cria um ciclo vicioso de insatisfação e busca incessante por gratificação instantânea. Quando alguém está constantemente preocupado em satisfazer suas próprias necessidades e desejos, pode encontrar-se preso em um ciclo interminável de consumo e busca de prazer. Isso cria e fomenta um sentimento de “eterna escassez” onde nunca, nada é suficiente. O filósofo existencialista francês, Jean-Paul Sartre, discorre sobre essa “busca incessante” em suas obras quando reflete sobre as questões da liberdade, responsabilidade e autenticidade. Em “O Ser e o Nada” (e em outras obras também), Sartre apresenta o egoísmo como uma forma de evasão da liberdade genuína e da responsabilidade pelos outros argumentando que a liberdade humana vem acompanhada de uma angústia existencial, necessária ao senso de humanidade. Quando as pessoas se concentram exclusivamente em si mesmas, estão evitando enfrentar essa angústia, e acabam presas em uma existência vazia e desprovida de significado e de propósito.
Na tradição judaico-cristã, o egoísmo é tratado como pecado. Mais que um sentimento ou característica da personalidade de alguém, a teologia bíblica alerta para o mal dessa propensão natural. O egoísta peca, pois busca excessivamente a realização de seus desejos, sem considerar os propósitos de Deus para a sua vida, para a vida comunitária e a necessidade dos que lhe são “próximos”. O egoísmo desencoraja a caridade, a irmandade, a generosidade, dentre outras virtudes cristãs. Assim é que, de fato, para a doutrina cristã, “ninguém morre de frio ou de fome, morre por abandono” em uma sociedade egoísta que perdeu o senso de altruísmo, abnegação, beneficência, amor, desapego, entrega, filantropia, renúncia, longanimidade. Ou seja, uma sociedade egoísta não considera o compartilhamento como um valor, tornando-se acumuladora em demasia e autodestrutiva das relações.
O pensamento rabínico sobre o egoísmo, embora multifacetado, é fundamentado nos escritos sagrados do judaísmo e pode ser encontrado em várias passagens das escrituras judaicas, incluindo a Torá, os Profetas e os escritos rabínicos, como o Talmud e a Midrash. Neles o judaísmo reconhece o egoísmo como uma característica humana decorrente do livre-arbítrio, mas também enfatiza a importância de superá-lo em prol do bem-estar da comunidade e da relação com o divino. Para tanto, explicita quatro princípios fundamentais do seu pensamento sobre a questão do egoísmo:
1. Equilíbrio entre o eu e o coletivo: o judaísmo valoriza a importância do indivíduo, mas preconiza a responsabilidade coletiva de se contribuir o bem comum para a comunidade como um todo. Essa noção está enraizada no conceito de “tikkun olam”, que significa “reparar o mundo”, encorajando os indivíduos a agir em benefício dos outros e do mundo ao seu redor. 2. Altruísmo como um ideal: os ensinamentos rabínicos frequentemente destacam a importância de praticar a caridade, a justiça social e o serviço aos outros como formas de transcender o egoísmo. O ato de dar é visto como uma expressão fundamental da conexão com o divino e uma maneira de elevar, tanto o doador quanto o receptor, para mais próximos de Jeová. 3. Autoconhecimento e controle do ego: os textos rabínicos também enfatizam a importância do autoconhecimento e do autocontrole como meios de combater o egoísmo. Isso inclui a prática da reflexão, da introspecção, do arrependimento e dos “serviços aos outros” como formas de cultivar a humildade e a empatia em relação aos outros. 4. Responsabilidade individual: embora o egoísmo seja reconhecido como uma tendência natural (mas não inata), os ensinamentos rabínicos destacam a responsabilidade individual de cada pessoa em superá-lo. Isso envolve a prática da autodisciplina e do auto aperfeiçoamento, bem como a adesão aos mandamentos e valores éticos que promovem a justiça, a compaixão e o respeito mútuo.
O pensamento rabínico reconhece a presença do egoísmo na natureza humana como “uma escolha pessoal”, mas também enfatiza a importância de transcendê-lo por meio do serviço aos outros, da autodisciplina e do compromisso com valores éticos e espirituais.
Por sua vez, o pensamento cristão sobre o egoísmo baseia-se nos ensinamentos de Jesus Cristo e nas demais considerações feitas pelos seus discípulos nas escrituras do Novo Testamento da Bíblia. O cristianismo reconhece o egoísmo como uma condição humana resultante do pecado original, mas mostrando a importância e necessidade de superá-lo em favor do amor e do serviço ao próximo, como forma de expressão da “nova natureza que o homem adquiri ao aceitar a salvação em Jesus Cristo”. Essa condição se torna uma identidade do “corpo de Cristo”; ou seja, a igreja. Semelhantemente ao pensamento judaico-rabínico, o cristianismo também sugere em sua conduta ética, quatro princípios para se abordar a questão do egoísmo:
1. Amor ao próximo como princípio central: Jesus ensinou que o maior mandamento é amar a Deus acima de tudo e amar o próximo como a si mesmo. Isso implica transcender o egoísmo, colocando as necessidades e interesses dos outros em primeiro lugar, como forma de expressão daqueles que “nasceram em Cristo”. 2. Serviço e sacrifício: O cristianismo valoriza o serviço e o sacrifício em favor uns dos outros como formas de combater o egoísmo. Jesus é apresentado como o exemplo supremo de altruísmo, sacrificando-se na cruz para redimir a humanidade do pecado. 3. Humildade e renúncia: Os cristãos são chamados a seguir o exemplo de humildade e renúncia de Jesus, abandonando o egoísmo e buscando a vontade de Deus em suas vidas. Isso envolve renunciar ao orgulho, ao materialismo e aos desejos egoístas em favor da submissão a Deus e do serviço aos outros. 4. Arrependimento e transformação: O cristianismo oferece a promessa de perdão e transformação através do arrependimento e da fé em Cristo. Isso inclui a conscientização do egoísmo como um pecado a ser confessado e abandonado, e a busca por uma vida mais alinhada com os princípios do amor e da justiça.
O pensamento cristão sobre o egoísmo também reconhece sua presença na vida humana como uma consequência do pecado, mas exorta os fiéis a superá-lo por meio do amor, do serviço ao próximo, da humildade e da busca pela vontade de Deus.
Embora o pensamento rabínico e o pensamento cristão sobre o egoísmo compartilhem algumas semelhanças, também apresentam diferenças significativas em sua abordagem e ênfase. Aqui estão dois elementos que os diferenciam:
1. Sobre a origem e natureza do egoísmo: Rabínico: O pensamento rabínico reconhece o egoísmo como uma característica inerente à natureza humana, resultante do livre arbítrio concedido por Deus e da inclinação para o mal (yetzer hara). O egoísmo é visto como uma tendência natural que pode ser superada através do autocontrole, do serviço aos outros e do cumprimento dos mandamentos divinos. Cristão: O pensamento cristão também reconhece o egoísmo como uma consequência do pecado original, que corrompeu a natureza humana. O egoísmo é considerado uma separação do amor de Deus e uma inclinação para satisfazer os próprios desejos em detrimento dos outros. No entanto, o cristianismo enfatiza que o egoísmo pode ser superado através do perdão, da transformação espiritual e do seguimento dos ensinamentos e exemplo de Jesus Cristo.
2. Sobre a superação do egoísmo: Rabínico: O judaísmo promove a prática da caridade, da justiça social e do serviço à comunidade como formas de transcender o egoísmo. Além disso, enfatiza a importância do autoconhecimento, do arrependimento e do cumprimento dos mandamentos divinos como meio de controlar as tendências egoístas. Cristão: O cristianismo enfatiza o amor ao próximo como o principal antídoto para o egoísmo. Jesus Cristo é visto como o exemplo supremo de amor e serviço, e os cristãos são chamados a seguir seu exemplo, renunciando ao egoísmo em favor do amor e da compaixão pelos outros. A fé em Cristo e o arrependimento são vistos como meios de transformação espiritual que capacitam os indivíduos a superar o egoísmo e viver em conformidade com os princípios do amor e da justiça.
Tanto o pensamento rabínico quanto o pensamento cristão reconhecem o egoísmo como um desafio moral e espiritual a ser enfrentado. Ambas as tradições religiosas enfatizam a importância do amor, do serviço e da busca pela vontade divina como meios de superar o egoísmo e viver uma vida virtuosa. No entanto, diferem em suas perspectivas sobre a origem do egoísmo e nos detalhes de como ele pode ser superado. Assim, nas tradições judaico-cristã e para os filósofos mencionados aqui (além de outros), há pontos em comum: ressaltam que o egoísmo não é uma característica inata, como já comentei, mas um comportamento aprendido pela condição humana e reforçado ao longo do tempo. No entanto é possível cultivar uma maior consciência e empatia em relação aos outros, mesmo que isso exija esforço consciente e contínuo.
Em última análise, as consequências de uma vida egoísta e excessivamente autocentrada são vastas e profundamente prejudiciais, não apenas para o indivíduo, mas também para aqueles ao seu redor e para a sociedade como um todo. É essencial reconhecer o impacto de nossas ações sobre os outros e cultivar uma maior consciência e empatia em nossas interações diárias. Somente através do entendimento e da aceitação mútua podemos construir relacionamentos significativos e uma sociedade mais justa e compassiva para todos.
Mas, como fazer isso? A psicologia positiva oferece uma série de estratégias e técnicas para cultivar uma mentalidade mais altruísta e longânime, que ajudam a mitigar os efeitos nocivos do egoísmo em nossas vidas.
Do ponto de vista terapêutico, alguns procedimentos podem nos ajudar a tratar dessa “síndrome do egoísmo exacerbado”. Nas várias abordagens sobre o tema, o que se busca é construir e promover uma maior empatia e conexão com os outros. E, para nos orientar nessa jornada, seguem algumas linhas terapêuticas que nos podem ser úteis:
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC pode ajudar os indivíduos a identificar padrões de pensamentos e práticas egocêntricas e a desenvolver estratégias para desafiar e modificar esses padrões. Isso pode envolver a prática de reconhecer e questionar pensamentos distorcidos sobre si mesmo e sobre os outros, promovendo uma perspectiva mais equilibrada e empática. Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): Enfatiza a importância do indivíduo aceitar pensamentos e sentimentos difíceis, ao mesmo tempo em que o desafia a se comprometer com ações que são consistentes com os valores pessoais. Para combater o egoísmo, a ACT ajuda os indivíduos a reconhecer e aceitar seus próprios desejos e necessidades, ao mesmo tempo em que cultiva uma maior sensibilidade e consideração pelos outros. Terapia de Grupo: Participar de uma terapia de grupo pode proporcionar uma oportunidade única para os indivíduos explorarem e confrontarem seu comportamento egoísta em um ambiente de apoio e feedback construtivo. O compartilhamento de experiências com os outros pode ajudar a promover uma maior conscientização e empatia, ao mesmo tempo em que oferece suporte emocional e encorajamento para mudanças positivas. Terapia de Casal ou Familiar: Quando o egoísmo afeta relacionamentos íntimos ou familiares, a terapia de casal ou familiar pode ser especialmente benéfica. Essas formas de terapia podem ajudar os casais e as famílias a identificar padrões de comunicação disfuncionais, resolver conflitos e desenvolver habilidades para promover a cooperação, o apoio mútuo e a empatia. Mindfulness e Meditação: Práticas de mindfulness e meditação podem ajudar os indivíduos a cultivar uma maior consciência do momento presente e a desenvolver uma atitude de aceitação e compaixão consigo mesmo e com os outros. Ao praticar a atenção plena, a escuta ativa e a presença autêntica, as pessoas podem aprender a reconhecer e responder de forma mais consciente aos próprios pensamentos e emoções, diminuindo assim a tendência ao egoísmo. Voluntariado e Atos de Generosidade: Engajar-se em atividades de voluntariado e realizar atos de generosidade podem ajudar a quebrar padrões de pensamentos egocêntricos, proporcionando oportunidades para servir aos outros e vivenciar a gratificação que vem com a contribuição para o bem-estar de outras pessoas.
Esses são apenas alguns exemplos de procedimentos terapêuticos que podem ser eficazes na minimização da síndrome do egoísmo. É importante lembrar que cada indivíduo é único, e o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Portanto, é essencial buscar a orientação profissional qualificada para determinar a melhor abordagem terapêutica para cada situação específica.
Do ponto de vista prático, pequenas coisas podem ser feitas com um enorme impacto na construção de uma vida menos egoísta e mais empática. Seguem algumas sugestões:
Pratique a Gratidão: Reserve alguns minutos todos os dias para refletir sobre as coisas pelas quais você é grato na vida. Reconhecer as bênçãos e as contribuições dos outros pode ajudar a cultivar um senso de humildade e apreciação, contrabalançando o foco excessivo em si mesmo.
Escute Ativamente: Ao interagir com os outros, faça um esforço consciente para escutar atentamente o que estão dizendo, sem interromper ou monopolizar a conversa. Demonstre interesse genuíno nas experiências e perspectivas dos outros para desenvolver empatia e conexão.
Faça Pequenas Ações Elegantes: Procure oportunidades para realizar atos de bondade e generosidade no seu dia-a-dia, mesmo que sejam pequenos gestos. Desde segurar a porta para alguém entrar até oferecer ajuda a um colega de trabalho, essas ações podem fazer uma grande diferença na vida dos outros e ajudar a romper com o egoísmo.
Pratique a Empatia: Ao enfrentar conflitos ou desafios interpessoais, tente se colocar no lugar da outra pessoa e considere as necessidades e os sentimentos dela. O outro está em sofrimento. Entenda isso e promova uma maior compreensão e empatia, facilitando a resolução de problemas de forma colaborativa. Faça um esforço para imaginar como o outro pode estar se sentindo naquela situações. Isso pode ajudar a desenvolver acolhimento e sensibilidade às necessidades e emoções dos outros.
Cultive Relacionamentos Significativos: Dedique tempo e esforço para cultivar relacionamentos significativos com amigos, familiares e colegas. Investir na construção de conexões genuínas e solidárias pode ajudar a mitigar o egoísmo, promovendo um senso de pertencimento e apoio mútuo.
Desafie os Pensamentos Egoístas: Esteja atento aos seus próprios pensamentos e comportamentos egoístas e desafiando-os ativamente. Pergunte a si mesmo se suas ações estão considerando os impactos sobre os outros e se existe uma maneira mais compassiva de agir.
Busque Feedbacks e Aprenda com Eles: Esteja aberto ao feedback dos outros sobre seu comportamento e suas interações. Peça-os a quem considera e confia. Tenha um mentor. Use essas informações como uma oportunidade para crescer e aprender a ser uma pessoa mais compassiva e colaborativa.
Uma mentalidade mais compassiva e voltada para o outro nos ajuda a neutralizar o egoísmo excessivo e a gerar uma vida social e afetiva mais autêntica. Por isso tenha autocompaixão e reconheça que todos nós temos nossas falhas e momentos de egoísmo. Seja gentil consigo mesmo quando perceber esses padrões de comportamento e use essas oportunidades como uma chance de crescimento pessoal. Observe e aprenda com pessoas que demonstram generosidade, empatia e altruísmo em suas vidas. Modelar o comportamento de indivíduos compassivos pode ajudar a inspirar e fortalecer suas próprias práticas de bondade. Pratique a flexibilidade mental estando disposto a considerar diferentes perspectivas e estando aberto a novas ideias e experiências. Uma mente flexível e aberta pode ajudar a quebrar padrões de pensamento egoísta e promover uma maior compreensão e aceitação dos outros.
Tenha limites relacionais saudáveis porque, embora seja importante ser generoso e considerar os outros, também é crucial estabelecer limites saudáveis para não se sobrecarregar com as necessidades dos outros. Aprenda a dizer não quando necessário e reserve tempo para cuidar de si mesmo. Pratique a comunicação não violenta para expressar suas necessidades e preocupações de uma maneira compassiva e respeitosa. Isso envolve escutar atentamente os outros, expressar-se de forma clara e assertiva e buscar soluções que atendam às necessidades de todas as partes envolvidas. Cultive a apreciação pela diversidade reconhecendo e valorizando as diferenças individuais entre as pessoas, incluindo aí diferenças culturais, de opinião e de cosmovisão. Celebre a diversidade, não necessariamente para aceita-la, mas sobretudo para respeita-la. Isso pode ajudar a promover um senso de inclusão e respeito mútuo, combatendo assim o egoísmo e a intolerância.
Busque desenvolver-se pessoalmente comprometendo-se com um processo contínuo de crescimento pessoal e autoconhecimento. Isso pode envolver atividades conversacionais com amigos, mentores, líderes religiosos, além do desenvolvimento pessoal com leitura, meditação, terapia ou prática espiritual, que podem ajudar a promover uma maior consciência de si mesmo e dos outros.
Ao incorporar essas práticas e comportamentos em sua vida diária, será possível neutralizar gradualmente o egoísmo e promover um estilo de vida mais centrado, mas que considere os outros e suas necessidades, baseado na empatia, na generosidade e no respeito mútuo. Fazendo isso você estará dando passos significativos para neutralizar o egoísmo e construir relacionamentos mais saudáveis, gratificantes e significativos com os outros.
Lembre-se de que a jornada para se tornar uma pessoa mais compassiva e empática é contínua e requer dedicação e esforço, mas os benefícios para si mesmo e para os outros são inestimáveis. O futuro da humanidade agradece.
E você, gostou?
Faz sentido essa reflexão?
Vamos conversar sobre o tema.
Reflita em paz!
Homero Reis.
Com o avanço da tecnologia e a globalização crescente, as relações interpessoais se tornaram ainda mais importantes para o sucesso pessoal e profissional. A capacidade de se comunicar de forma clara e eficiente, de se colocar no lugar do outro e de gerenciar conflitos são alguns dos elementos da inteligência relacional. Neste artigo, vamos explorar, em detalhes, o que é a Inteligência Relacional, quais são as suas principais aplicações e como desenvolver essa habilidade tão valiosa.
Durante muito tempo, ouvimos falar sobre o QI e sua importância. As pessoas foram medidas e avaliadas pelo seu Coeficiente de Inteligência (QI) e isso era tido como um grande diferencial. A capacidade de ter um raciocínio lógico-matemático acima da média ou a capacidade de interpretar e escrever bem eram elementos que diferenciavam as pessoas. Com o tempo e com estudos encabeçados por pesquisadores como Daniel Goleman, entre outros, percebeu-se que o QI, embora importante, não era capaz de “jogar” sozinho. Ser inteligente, do ponto de vista cognitivo, ajudava no processo de compreensão das coisas, mas a Inteligência Emocional (QE) começou a ser vista como fundamental para balizar como as pessoas reagem e o que as move.
Hoje, já se sabe que, ambas – inteligência cognitiva e emocional – são muito importantes, mas sozinhas são insuficientes para interpretar as relações humanas.
As pessoas foram para a terapia, começaram a buscar processos de autoanálise e desenvolvimento, o que é fundamental, mas que também, por si só, não promovem mudanças se não houver nelas a vontade, capacidade e disponibilidade para encarnar o aprendizado. Muitas vezes, não há maior compreensão sobre o que acontece, ou porque somos o que somos e, tais processos, tornam-se mais um elemento de autojustificativa do que de transformação.
Onde está a problemática das relações
Vivemos em um tempo que estimula muito a aquisição de informações, do ponto de vista técnico, mas que não promovem igualmente a capacidade relacional. Nunca se teve tanto acesso à informação hoje. A tecnologia tem nos facilitado a vida, mas estamos vivendo tempos de embrutecimento. Onde está o erro?
Parece-me que temos esquecido a questão relacional, ou, na melhor das hipóteses, a temos pressuposto como óbvia demais para que a problematizemos. A queixa que mais escuto de meus clientes, quer nas organizações, quer nos sets de mentoria, é justamente essa: “as pessoas não sabem mais se relacionar, não sabem conversar, não sabem negociar, não conseguem resolver conflitos”. A que se deve isso?
Ocorre que não aprendemos a nos relacionar, muito menos a conviver com as diferenças. Acreditamos que essas coisas são inatas e cremos que “a vida é assim mesmo”. Confiamos que se nosso aparelho fonoaudiológico funciona bem e o da pessoa com quem falamos também, então, é claro que ela vai entender o que estou dizendo. Partimos do pressuposto de que somos claros no nosso falar e “limitado” foi o outro que não entendeu. Partimos do “princípio da obviedade”: se eu disse, é claro que ficou claro; é claro que ele/ela entendeu! Como não entendeu? Disso surgem os dramas relacionais.
Com essa lógica esquizofrênica e narcísica, passamos a julgar que “sempre” estamos certos e que o problema relacional “são os outros”. Justificamo-nos na incompetência do outro e seguimos nossa vida. Vemo-nos possuidores da razão, como se nossa forma de ver as coisas fosse a “verdade” sobre as coisas. Criamos uma verdade única e absoluta e, por diferentes formas e razões, a temos conosco. Acreditamos que o que vemos e sentimos é o que é. De fato, o é em nosso universo íntimo e particular, mas isso não se torna padrão de verdade relacional.
Qual o resultado dessa mecânica? Mantemo-nos medíocres e imaturos em nossos relacionamentos porque resolvemos as coisas com a ideia de que o mundo perfeito é aquele que “eu” constituo. Assim, nos mantemos mesquinhos, repetindo as mesmas histórias e padrões relacionais sem aprender com eles; ficamos assim porque não superamos as dificuldades que temos de nos relacionar da forma como precisamos. Essas duas coisas juntas nos fazem adiar decisões, evadir as pessoas, deixar embaixo do tapete conversações que, ainda que difíceis, gerariam uma excelente oportunidade para crescermos e fazermos crescer, além de expandir nossa capacidade relacional e ganhar maturidade e profundidade nos relacionamentos.
Inteligência Relacional: O que é e qual a sua importância?
Daí, começamos a notar que a Inteligência Emocional (QE) e a Inteligência Cognitiva (QI) estavam precisando de uma nova companheira que as trouxesse para o mundo interrelacional. Denomino-a Inteligência Relacional (QR). Ou seja, revela-se quando nos damos conta de que existe a forma como eu vejo as coisas, mas há também a parte do outro, como ele vê, como ele sente e como percebe o que está acontecendo. No momento em que nos damos conta disso, abrimos a possibilidade de aprender com as relações e entendemos que é preciso ser inteligente para caminhar junto. Esse entendimento gera um “campo relacional” que é gerado quando duas ou mais pessoas se relacionam. Trata-se de um rico espaço, cheio de diferenças e que contém o germe da novidade, o desafio da terceira via, a construção da possibilidade; um espaço onde a vida se recria e se constitui pelo encantamento que descobrimos de ser quem somos, sem nos sentir ameaçados pela diferença, o que nos capacita para construir novos caminhos, em unidade.
Conceitualmente falando, Inteligência Relacional é o modo como lidamos com as relações; ou seja, é como entendo o que acontece entre “eu e o outro”, sendo esse outro uma pessoa, um grupo, uma sociedade. Por isso, entende-se Inteligência Relacional como “a capacidade de ler dentro dos relacionamentos” para entendê-los e, neles, interferir de modo a produzir uma vida mais intensa e verdadeira para todos, com menos agressividade e mais harmonia e efetividade. Esse conceito surge na mesma trilha de tantas outras tentativas de entender o fenômeno humano para, não só explicá-lo, mas para permitir que nos tornemos seres humanos melhores. Desde a visão mais micro e particular (pessoas e famílias), até a visão mais macro (humanidade), vê-se um crescente mover da violência, da intolerância, das relações abusivas, da agressividade e das guerras, por motivos cada vez mais fúteis, revestidos muitas vezes de políticas de estado ou de conveniências pessoais. Daí a necessidade de entender como tais relacionamentos se fundam e como podem ser revertidos para uma qualidade de vida melhor em todos os sentidos.
Vários institutos de pesquisa e universidades ao redor do mundo têm apresentado pesquisas sobre o embrutecimento da humanidade. No entanto, todos concordam que nada precede o ato relacional. Tudo surge dele e, a partir dele, tudo se faz independente de raça, tribo, língua, povo, etc; independente também do quanto de tecnologia embarcada, cada povo ou nação possui, tudo se dá dentro dos relacionamentos.
Por isso, sustentado por diagnósticos relacionais e dados de realidade, foi que estruturei a ideia de Inteligência Relacional, sustentada pela Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig Von Bertalanffy, pela Autopoiese de Humberto Maturana, pelos Ensaios sobre a Sociedade Líquida de Zygmunt Bauman e pela Ontologia da Linguagem de Rafael Echeverria, dentre outros.
Com esse suporte, muito se tem aprendido sobre os relacionamentos humanos. Por exemplo: entender como os relacionamentos são constituídos e como ocorrem nos permite descobrir muitas das razões pelas quais as relações abusivas se constroem, entender o porquê das dificuldades de comunicação e gerenciar melhor nossa equipe de trabalho. Também nos fornece subsídios para lidar melhor com nossos adolescentes e nossos afetos.
Tudo que antes da Inteligência Relacional era tido como “educação” e “bom senso”, com ela, passou a ser uma competência que pode ser adquirida e desenvolvida, porque relacionar-se é tudo, menos óbvio.
Por fim, a partir do conceito de Inteligência Relacional, muito se tem caminhado no sentido de poder diagnosticá-la e medi-la. Essa ideia tem como desafio proporcionar a todos os que se interessam pelo tema, um processo de monitoramento de suas competências relacionais. Tais medidas decorrem de estudos sobre duas dimensões da vida humana.
A primeira, dimensão temporal, cuida do passado, como a referência histórica de cada pessoa, modo que estabelece o modo como ela se vê no presente. Ainda na dimensão temporal, cuida-se também do futuro como projeção das expectativas. É nele, no futuro, que vamos viver o resto de nossas vidas.
A segunda, é a dimensão relacional, que cuida do “eu” no sentido de como minha identidade foi forjada na vida, como aprendi o que aprendi, com que valores, crenças, certezas e princípios, lido com as “ocorrências” do cotidiano. Ainda dentro da dimensão relacional, cuida-se do outro, entendido como todos aqueles para além de mim. No domínio do outro, aprendo o quanto sou sociável, cordato, resignado, ressentido e o quanto estou em paz com a diferença e o quanto os outros me deixam em paz, em aspiração e em encantamento.
Disso se derivou uma escala que pretende ser um indicativo do meu estado atual e das minhas possibilidades em termos de desenvolvimento das competências relacionais. Tudo isso, hoje, pode ser medido e diagnosticado de forma efetiva para oferecer “boas dicas” de como se autoconhecer para se relacionar melhor.
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Como funciona a Inteligência Relacional?
De tudo o que temos conversado até aqui, surgem algumas perguntas relevantes, dentre as inúmeras inquietações para as quais temos que nos preparar para responder: Como funciona a Inteligência Relacional? Como medi-la? Que problemas ela nos ajudará a resolver? Pois bem, vamos às respostas.
Espaço Reflexivo da Aprendizagem
No relacionamento entre duas ou mais pessoas surge “espaço relacional” que “batizei” de ERA – Espaço Reflexivo da Aprendizagem. Esse espaço é criado pelo próprio relacionamento a partir do fato de que as pessoas são diferentes. O modo como cada um percebe a conexão relacional existente (ou não), nos permite medir o que está ocorrendo entre tais pessoas. Essa medida chama-se “sê movente”. Quanto maior o índice, maior será a Inteligência Relacional presente no espaço relacional daquelas pessoas (indivíduos, grupos, sociedades, etc), revelando melhor o estado da qualidade relacional entre eles.
Cada indivíduo, nessa relação, traz em si histórias de vida. Histórias vividas ou assumidas como tal e que lhes confere a noção de identidade, expressando o modo como cada um se vê (eu), o modo como se vê o outro, como lidam como seus passados e como constroem as possibilidades de futuro.
Cada indivíduo é dotado de competências culturais que o habilita a relacionar-se com o “mundo”. Tais competências são equipamentos natos, “softwares” que compõem a natureza humana. Eles nos tornam capazes de aprender como as coisas ocorrem nos relacionamentos, e nos capacitam a tomar algumas decisões e a agir de alguma forma. No início de nossa vida, tais “softwares” estão vazios de conteúdo. Na medida em que a vida vai nos proporcionando experiências relacionais, vamos assimilando e sistematizando conteúdos para promover efetividade em nossas relações. Tal processo ocorre naturalmente, mas nem sempre com efetividade.
Do ponto de vista técnico, essas experiências são gerenciais por “softwares” que estão disponíveis em nossa natureza e são: a plasticidade, a ressonância límbica e o acoplamento. É assim que os mesmos fatos são apreendidos de forma distinta por pessoas distintas, mesmo que muito próximas, como entre irmãos gêmeos univitelinos. Essas apreensões da realidade irão constituir-se nas identidades e nos repertórios relacionais da cada um porque cada um é diferente dos demais.
Mecânica da inteligência relacional
Todo indivíduo relaciona-se com a “realidade” a partir de duas forças. Uma refere-se à forma como ele capta e interpreta o mundo exterior, apropriando-se dele e fazendo-o ter sentido para si. Essa força chama-se força concêntrica. Outra é a forma como ele devolve ao mundo exterior os significados processados internamente e que impactam diretamente seus relacionamentos porque são expressões de sua cosmovisão. Essa devolução se objetiva no corpo, na linguagem e nas suas emoções, portanto, no seu comportamento relacional gerando possibilidades, como também revelando suas limitações próprias e naturais. Essa força chama-se força excêntrica. Ambas as forças atuam dentro de determinados limites estabelecidos pela nossa biologia.
Nossa natureza biológica nos permite fazer algumas coisas e outras não, pelas características intrínsecas do nosso organismo. Da mesma forma, nossa natureza estabelece certos níveis de conforto e tensão nos processos de apropriação da realidade, bem como no modo como respondemos a ela. Quando em baixa tensão não somos capazes de reagir ao que nos ocorre, quando em alta tensão nos estressamos.
Em ambos os casos os relacionamentos ficam prejudicados por falta de reação ou por reações inadequadas, o que nos leva a pressupor a existência de um certo nível de tensão que seja mais adequado para a plenitude dos relacionamentos. Chamamos o melhor nível de tensão para ambas as forças de “normal”, e os níveis de baixa ou alta tensão de “estado de pressão”.
Força concêntrica
A força concêntrica é instrumentalizada pelos sentidos (visão, olfato, audição, tato e paladar), que são os “scanners” da realidade, aliada ao modo como aprendemos a dar significado às coisas.
Aristóteles dizia que não há nada na mente humana que não tenha passado antes pelos sentidos. Com eles captamos as coisas que nos ocorrem e as processamos, gerando significado para todas elas. Coisas não captadas pelos sentidos não se instalam na nossa mente, assim se tornam coisas para as quais o indivíduo não é capaz de construir significado e assim, se perdem.
Inicialmente esses significados nos são conferidos pelas relações primárias que nos são oferecidas: relações com a família, pessoas próximas, etc. Com o tempo, vamos aprendendo e sistematizando a forma como passamos a “construir significados” para as coisas e vamos ganhando autonomia interpretativa sobre os fatos. A isso se chama desenvolvimento e aprendizagem.
A força concêntrica organiza-se e se robustece na medida em que os estímulos oferecidos pelo meio (coisas, circunstâncias e pessoas) são interpretados de forma consistente e coerente ao longo da vida, funcionalidade típica dos relacionamentos.
Veja o quadro a seguir.
FORÇA CONCÊNTRICA
TENSÃO NORMAL
ESTADO DE PRESSÃO
EU
plenitude
depressão
OUTRO
aproximação
distanciamento
PASSADO
reconhecimento
desconsideração
FUTURO
significação
perda de objetividade
A dimensão relacional começa com os domínios do eu e do outro. Em tensão normal, a força concêntrica coloca o EU (nossa relação conosco mesmo), em estado de plenitude, ou seja, o modo como a realidade é captada e interiorizada por nós e que não nos causam nenhum desconforto. Isso não significa que não exija esforço; muito pelo contrário, mas não gera sentimentos de invasão, nem de inadequação. Aprendemos as coisas e lhes atribuímos sentido como um sentimento natural de adequação à nossa natureza. Sabemos que aquilo nos pertence porque somos acolhidos e sentimos que o que está acontecendo está de acordo com nossa natureza biológica que reage de forma natural e adequada. Por isso, somos capazes de conhecer e sistematizar os padrões de desenvolvimento dos seres vivos. Há coisas que vão acontecendo de forma natural e que, se acontecem assim, estamos no caminho certo.
Já em estado de pressão, ou seja, quando a força concêntrica está com baixa tensão ou em estado de estresse, o EU caminha rumo à depressão. Esse estado é muitas vezes acompanhado por sentimentos de baixa autoestima, perda de interesse pela vida, queda na libido, dentre outros acompanhamentos estudados pela psicologia moderna. As causas da força concêntrica em estado de tensão decorrem de uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e relacionais. Em todos os casos, entretanto, estão ligados à forma como o indivíduo aprendeu a interiorizar os fatos e as interpretações das coisas que lhe ocorreram (ou ocorrem).
São manifestações comuns desse estado: alterações no humor, interpretações costumeiramente críticas (no sentido negativo) da realidade, declarações do tipo “só acontece comigo”, “isso é minha cruz”, “essa é minha sina”, “não mereço” são comuns. Também encontram-se nas causas da força concêntrica em estado de tensão, as histórias familiares, as repentinas e significativas alterações na vida sem a devida reflexão e conversas, relacionamentos excessivamente controladores e autoritários.
Em modo normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao outro em estado de aproximação. Somos naturalmente gregários e nossa tendência é nos aproximar, fazer amizade, conversar, interagir. Essa tendência natural, é uma das estratégias mais efetivas na geração de nossa força social. Com ela, estabelecemos os vínculos humanos mais fortes e nos constituímos como uma irmandade em todo o planeta.
De certa forma é a força concêntrica na nossa relação com o outro que proporciona o sentido de afeto e permanência. A aproximação é uma relação afetiva entre duas ou mais pessoas, decorrentes de um “encontro” espontâneo. Em sentido amplo, proporciona um nível de relacionamento que envolve conhecimento mútuo, além da lealdade implícita em nossa natureza. A aproximação tem como origem o instinto de sobrevivência da espécie, a necessidade de proteger e ser protegido por outros seres, bem como o senso de cooperação e colaboração como formas de superar as limitações individuais. Na aproximação, somos naturalmente levados à aceitação do outro como ele realmente é, e isso torna-se um dos pilares dos relacionamentos inteligentes. Veja, por exemplo: duas crianças bem novas que nunca se viram antes e, por se encontrarem casualmente em um parque ou na praia, em pouco tempo, estão em um relacionamento intenso, espontâneo e verdadeiro. Aí está o melhor exemplo da força concêntrica em modo normal.
Já em estado de pressão, nossa relação com o OUTRO caminha rumo ao distanciamento. Vejo o outro como ameaça, como “inimigo”, como estranho. Tenho a percepção de que sou um “estranho no ninho” ou de que estou “sempre errado” porque comparo-me excessivamente com aquilo que vejo nos outros e isso gera em mim medo que produz insegurança, que evolui para mecanismos de defesa, que me faz agir com agressividade. Armo-me de muitos mecanismos de defesa com o objetivo de manter o mínimo de interação possível nos relacionamentos. Há uma tendência à solidão, à introversão excessiva, ao distanciamento. Em estado de pressão, a emocionalidade que vem acompanhada com a percepção do outro, é de ressentimento; não consigo aceitar-me diante das comparações que faço. Minha plenitude não se consolida porque desloco minhas referências daquilo que sou (tenho, faço, etc), para o que os outros são (tem, fazem, etc).
As crianças, usualmente, estão com a força concêntrica em estado normal na relação eu-outro. Agora veja o seguinte exemplo: uma mãe leva sua criança à praia. Pouco tempo depois, chega, ao local, uma outra criança totalmente desconhecida e, espontaneamente, os dois começam a brincar. A mãe chama seu filho para perto de si com a seguinte frase: “Joãozinho, já lhe falei para não falar com estranhos. Brinque aqui perto de mim”. Nesse momento a mãe introduz no sistema de valoração da criança um estado de pressão na força concêntrica que irá determinar o modo como a criança construirá as possibilidades de relacionamentos no futuro. É claro que isso não ocorre instantaneamente; é fruto de um comportamento sistemático entre o eu e a quem tal confere autoridade ao longo de um tempo.
A dimensão temporal engloba os domínios do passado e do futuro. Em tensão normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao PASSADO em estado de reconhecimento. Recordamo-nos, de modo estável, das ocorrências de nossa vida, contidas nas histórias que contamos a nosso respeito e que envolvem nossas relações. Tais recordações nos dizem que foram o que foram e ficamos em paz com elas. Não há ressentimento nem resignação quanto aos fatos, mas sabemos das possibilidades de alterar as interpretações que fizemos das coisas que nos ocorreram. Meu passado torna-se uma poderosa força que justifica e protege minha identidade. Reconheço as dores, os sofrimentos, mas também as alegrias, superações, realizações; enfim, tenho a clareza de que a vida não erra se meu olhar para ela não for míope. Sou capaz de entender que cheguei onde cheguei porque segui determinado caminho que escolhi, consciente ou não. As lembranças são validadas e percebo equilíbrio nas emoções que evocam. Quando olho para traz e sinto saudades das coisas que aconteceram ou por perdas que tive, tenho a sensação de que valeram a pena. Em todo tempo, o passado me serve de referência para uma aprendizagem consistente. Permito-me pensar nas coisas que “poderiam ter sido” e não tenho restrições em pedir ajuda para entender melhor “como as coisas foram” e de que modo, se assim o desejar, posso ressignificá-las.
Já em estado de pressão, vemos o passado com desconsideração. Lamento “minha sorte” e sinto que houve uma conspiração cósmica a meu respeito. Julgo que teria sido melhor se tivesse tido outra origem, outras circunstâncias, outros recursos, outras decisões, ou se determinadas coisas não tivessem acontecido. O passado torna-se imutável quanto às interpretações que aprendi a fazer dele. Sinto-me culpado por coisas que fiz, sofri ou que deixei de fazer. As memórias dessas coisas me atormentam e me tornam refém de emoções não processadas. Usualmente, as lembranças fazem-me entrar em estado melancólico e tenho dificuldades em ver o mundo como possibilidade. Não raro, tenho dificuldades de falar sobre meu passado e sentimentos de agressividade e insegurança me acometem. Acredito que em minha história de vida alguns acontecimentos deixaram marcas profundas que me atrapalham e me inundam recorrentemente com memórias que considero traumáticas. Esse estado pode levar-nos a construir uma imagem de nós mesmos negativamente influenciada e, com isso, viver à sombra do passado, presos a ele, reduzidos a ele. Deixo de crer que a vida é, acima de tudo, um grande e constante desafio.
Em tensão normal, a força concêntrica coloca-nos em relação ao FUTURO em estado de significação. Aprendemos a vê-lo como infinitas possibilidades. Em tensão normal, a visão do futuro amplia nossas chances de criar oportunidades para todos os relacionamentos desejados de forma a orientar nossas decisões e atividades relacionais. Permite pensar “fora da caixinha” e antecipar possíveis barreiras e tendências que enfrentaremos. Além disso, ao construir uma visão de futuro significativa, as pessoas que envolveremos em nossas relações (ou outros), também contribuirão para que tenhamos resultados mais criativos e maiores oportunidades.
Uma visão de futuro significativa amplia o leque de oportunidades pela visualização de projetos de vida inovadores. Uma visão significativa de futuro é condição que antecede o processo de geração de possibilidades porque apresentam diversos componentes sinérgicos: a validação da história; as competências percebidas, os sonhos e planos pensados; as necessidades de aprendizagem; o contato com a proatividade, com o protagonismo e com a capacidade de empreender. A tensão normal é condição básica para o entendimento de que tudo o que teremos no futuro nasce de uma construção mental no presente, fundamentada em possibilidades que vemos a partir do passado.
Já em estado de pressão, vemos o futuro com perda de objetividade. Sabemos que estamos com a força concêntrica em estado de pressão quanto ao futuro, quando perdemos a esperança ou a temos por consolo. Perdemos a energia emocional que nos impulsiona na geração de possibilidades de resultados positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida pessoal. Temos pouca perseverança, desacreditando facilmente das possibilidades e desistindo delas diante da menor indicação de fracasso. Exponenciamos a percepção dos riscos e minimizamos as possibilidades de sucesso, julgamos que a “luta será inglória”, nos conformamos com o que temos porque sonhar é iludir-se, ficamos reféns dos modelos mentais que nossa história produziu e nos acomodamos ao que temos e somos, porque não acreditamos que seja possível algo novo.
Força excêntrica
Como tal, a força excêntrica é o vetor que nos faz exteriorizar o que temos dentro de nós. Ela nos possibilita oferecer-nos ao mundo, completando, assim, nosso processo relacional. Ou seja, interiorizamos a “realidade” para atuarmos sobre ela nos expondo e colocando-nos a serviço dos diversos papéis sociais que desempenhamos ou desempenharemos.
Evidentemente, a força excêntrica está fundada na força concêntrica. Nós nos expressamos a partir do que somos. Desse modo, também a força concêntrica atua em padrões normais e em estado de pressão. Há indicadores específicos para cada estado e o modo como os discernimos fará toda a diferença em nossos relacionamentos.
Considere o quadro a seguir:
FORÇA EXCÊNTRICA
TENSÃO NORMAL
ESTADO DE PRESSÃO
EU
identidade
recuo
OUTRO
legitimidade
ausência
PASSADO
validação
culpa / arrependimento
FUTURO
projeção
Incertezas / medos
A dimensão relacional excêntrica prossegue com os domínios do eu e do outro. Em tensão normal, a força excêntrica coloca o EU em plena expressão de nossa identidade. Naturalmente, nos expomos sem reservas. Nos reconhecemos, somos espontâneos e nos ofertamos ao mundo como somos. Em estado de tensão, temos a tendência ao recuo. Nos vemos com dificuldades em nos revelar, construímos um sentimento de “timidez”.
O estado de recuo ou acanhamento é percebido como desconforto e inibição em situações de interação pessoal e interferem, diretamente, na realização dos objetivos pessoais e profissionais. Caracteriza-se pela obsessiva preocupação com as atitudes, reações e pensamentos dos outros. Geralmente, mas não exclusivamente, em situações de confronto relacional, construímos comportamentos de fuga, escapismos e de não enfrentamento. O recuo pode comprometer de forma significativa a realização pessoal e constitui-se em fator de empobrecimento da qualidade de vida. A partir do recuo, pode-se instalar uma perda significativa na efetividade dos relacionamentos pela constatação de que o que desejamos, construído pela força concêntrica em estado normal, não é capaz de adquirir consistência em sua expressão social.
Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao OUTRO no estado de legitimidade que, em Inteligência Relacional é a condição que atribuo ao outro de modo a reconhecê-lo como “não falsificado”, ou seja, admito que, embora diferente, o outro tem as mesmas prerrogativas minhas e, assim como espero ser reconhecido como tal, reconheço também. Isso não significa aceitação ou concordância, mas entendimento de que o outro é o que é e não cabe a mim desqualificá-lo ou julgá-lo por qualquer forma que seja.
Já em estado de tensão, a força excêntrica coloca o outro diante de mim em ausência, ou seja, o outro se torna invisível. Ao nos expressarmos, não o levamos em consideração, nem nos sensibilizamos por ele. O outro torna-se uma mera paisagem e relaciono-me com ele como se fosse inerte ou, na melhor das hipóteses, um elemento cenográfico que compõem o meu contexto. De modo geral o recuo se demonstra quando elaboro juízos sobre os outros, cujo conteúdo expressa alguma forma de crítica, cuja intenção é justificar meu afastamento. Por outro lado, o recuo demonstra a dificuldade que tenho de aceitar a diferença como possibilidade; antes, vejo-a como ameaça e, por isso, me afasto.
A dimensão temporal excêntrica prossegue com os domínios do passado e do futuro. Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao PASSADO no estado de validação, ou seja, tudo o que vivi pode ser exteriorizado sem que isso me envergonhe ou que me faça sentir culpa. Orgulho-me de contar minhas histórias de vida e de relacionamentos. Não sou uma “propaganda enganosa”, nem procuro construir uma imagem externa incompatível ou inadequada ao meu conteúdo (imagem interna). O que expresso é verdadeiro.
Conforme Agostinho (354-430 d.C), em sua autobiografia intitulada Confissões, diz: “expresso-me de forma a manifestar-me como sou”. Esse estado nos promove uma grande consistência ontológica porque mantém a perfeita adequação entre meu mundo interno (força concêntrica) e o modo como expresso isso ao mundo externo (força excêntrica).
Leibniz (1646-1716 / Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano), corrobora com esse conceito ao afirmar que “a validade no ser humano é um atributo do que é verdadeiro no ser quando há a correspondência entre as proposições que faz e aquelas que estão no seu espírito, inerentes às coisas das quais se trata”. Já em estado de tensão, relaciono-me a partir da culpa e do arrependimento. Expresso-me como “santo do pau oco”. Minha comunicação ao mundo externo se dá por vitimização ou fantasia. Esse estado de tensão apresenta atitudes tóxicas porque nos levam a expressar coisas que não correspondem com a realidade interna, revelando incoerência. Essa visão distorcida mostra um processo de idealização e “fantasiamento” que, em estado avançado fomenta a mentira sistêmica ou a omissão da verdade.
Em tensão normal, a força excêntrica coloca-nos em relação ao FUTURO no estado de projeção. Sou capaz de coordenar ações efetivas (fazer pedidos, ser uma oferta e fazer reclamações), no sentido de instrumentalizar comportamentos e decisões de modo a concretizar aquilo que foi pensado como significativo pela força concêntrica no estado normal. Expresso-me com objetividade. O futuro mostra-se como promissor e com muitas possibilidades diante das quais não me acovardo. Corro riscos calculados e necessários, e não me abato com eventuais desventuras e perdas. Recomeço sempre. Aprendo com isso e retomo minha vida relacional.
Já em estado de tensão, relaciono-me a partir de incertezas e medos. Internamente posso ter grandes ideias e bons planos, mas não sou capaz de efetivá-las porque não consigo relacionar-me com ousadia, por que desconfio de minha própria capacidade. Creio que “boas ideias são bons negócios” em si mesmas e não consigo avançar nas ações que vão construir o futuro pensado. Acerco-me de juízos tais como: “não sei o que quero”, “não tenho certeza sobre meus planos”, “tenho dúvidas se estou no caminho certo”. Perco a capacidade de risco. Nesses casos, a resultante mais provável é uma vida relacional fantasiada e pouco efetiva. Tem-se grandes planos e poucas realizações. A vida passa e fico imaginando como poderia ter sido, embora em tempo algum arrisquei-me a ser.
Da combinação das forças concêntrica e excêntrica, em seu estado normal, surge o conceito de AGORA – momento de maior energia relacional, de presença plena. É caracterizado por um estado de disposição que nos mantém ativos na reflexão, no movimento e na ação. Pesquisas e estudos nesse campo apontam uma provável forma da energia psíquica, proveniente dos nossos pensamentos e emoções, na medida em que somos capazes de expressar coerentemente aquilo que está dentro de nós.
De outra forma, essa energia psíquica também permite que a força concêntrica seja exponenciada quando a ela agregamos os conteúdos que desejamos tornar objetivos na vida exterior. Essa mecânica coloca-nos, permanentemente, no domínio da aprendizagem. Essa energia também vem do exterior, dos ambientes por onde nos movemos, dos nossos semelhantes e outros agentes que nos direcionam na vida como mentores ou pessoas de referência. Nesse caminho, encontramos estados emocionais como fonte geradoras do amor, seguidos de otimismo, alegria, fé e esperança. No entanto, a combinação das forças concêntrica e excêntrica, em seu estado de tensão faz surgir o conceito de fuga do agora, cujo resultado pode gerar um estado relacional promissor para o ódio, a inveja, o imobilismo, a preguiça, o mau humor, o medo inadequado ou fantasioso, a ansiedade, o estresse, os sentimentos de culpa e de frustração, a lamúria, o comodismo e coisas assemelhadas. Também gerará possibilidades de provocar dificuldades de concentração, excesso de sono ou insônia, pesadelos e diversos outros tipos de mal-estar.
Pois bem, a partir do conceito de AGORA e das combinações possíveis dos estados normal e em tensão das forças concêntricas e excêntricas, podemos estabelecer uma escala que nos permitirá avaliar o nível da Inteligência Relacional instalada em cada um de nós. Se você chegou até aqui, quero desafiá-lo a ter essa experiência quali-quantitativa de avaliar sua inteligência relacional.
*Realizando o teste, você estará participando, também, de uma pesquisa mundial que lhe dará o índice de sua Inteligência Relacional, além de um diagnóstico de suas áreas mais delicadas e do equilíbrio das forças concêntrica e excêntrica. Você receberá em seu e-mail, uma resposta sistematizada de tudo isso que você leu aqui.
Se após viver esta experiência, aprofundar-se no resultado do teste ou mesmo conhecer um pouco mais sobre os nossos serviços clique aqui e entre em contato conosco.
Recentemente, eu escrevi um artigo explicando que o feedback é uma ferramenta de inteligência relacional que possibilita aprendizado mútuo por meio de ajuste de expectativas, possui escuta e fala ativas, e abre espaço para coordenar ações.
A isto, quero acrescentar mais 3 pontos que julgo essenciais quando falamos de feedback:
Trabalhar o feedback é também trabalhar os laços de pertencimento.
Relacionamentos são iniciados, mantidos e concluídos por meio de feedbacks.
Feedbacks abrem espaços para revelar possíveis agendas ocultas.
Eu explico mais sobre cada um desses pontos neste vídeo, inclusive o conceito de agenda oculta. Você sabe o que é? Assista:
Você provavelmente conhece uma boa técnica para dar feedback. Mas o que muitas pessoas não discutem é o que está por trás da técnica.
Feedback é, acima de tudo, uma ferramenta de inteligência relacional. Isso porque se trata de uma conversa de alto desempenho, na qual ambos os lados conseguem falar e escutar ativamente, expor suas expectativas e coordenar novas ações a partir disto.
Mas aqui, quero levantar 5 tópicos sobre a inteligência relacional que estão envolvidos no processo de dar e receber feedback (aproveite para analisar os feedbacks que você já entregou e os que você já recebeu):
1 – Não existe, a meu ver, feedback positivo, negativo ou outra classificação qualquer: As pessoas não reagem a conteúdos; reagem a formas. Tudo o que você disser será bem recebido se você souber dizer. Portanto, o feedback deve ser um momento de acolhimento, de respeito, de troca, de desafios e aprendizagens; não um momento de julgar, lavar roupa suja, mostrar poder etc. Cuidar uns dos outros é uma competência central na gestão efetiva;
2 – Sua equipe precisa ser inspirada, assim como você precisa de inspiração: Portanto, o momento do feedback é também o momento de recordar vitórias e salientar os pontos fortes e as oportunidades que se tem. Somos movidos a visões significativas de mundo e de propósito. Trabalhamos, nos capacitamos, produzimos e realizamos coisas para alcançarmos objetivos que transcendem o próprio trabalho e emolduram a vida. O momento do feedback é o momento de acendermos a chama dos valores e dos objetivos que nos conectam e conectam nosso trabalho com o propósito de vida que temos por agora e para o futuro. Manter esse alvo em mente, normalmente favorece compromissos mais profundos da equipe para com a organização;
3 – Use o feedback para construir, manter ou encerrar relacionamentos: Por isso, não é só nos momentos de avaliação do desempenho que se deve dar (ou receber) feedback. Essa deve ser uma prática diária, em todo o momento que se perceba que algo pode ser feito a mais ou melhor. É um prática que integra culturas organizacionais altamente eficazes. O alto desempenho é construído no cuidado com os detalhes, na hora em que os detalhes são percebidos;
4 – Fazer parte de algo, pertencer, esse é o maior desejo que as pessoas têm dentro das organizações: Isso nos desafia a feedbacks inclusivos; ou seja, ter em mente que o que se quer é fazer com que todos sejam parte do mesmo organismo. O feedback é uma ferramenta orgânica focado em manter a saúde dentro dos sistemas organizados;
5 – As organizações têm objetivos e estratégias “operadas” a partir da cultura organizacional: Esses elementos nem sempre estão claros para as pessoas. Dar feedbacks inclusivos é fazer com que a razão de ser das coisas (negócio, objetivos, estratégias etc.) esteja claro e alinhado com todos. Esse movimento amplia a força de atuação da equipe, evitando o desperdício de energia e recursos.
Reflexões sobre Sucesso, Qualidade de Vida e Meritocracia
Considere o seguinte contexto: uma vida pessoal e social inadequada; uma vida profissional sem sentido; solidão nos finais de semana e um sentimento de inadequação e insuficiência. Por outro lado, a “sociedade do trabalho” insiste em nos fazer acreditar que 1) uma carreira de sucesso é suficiente para gerar sentimento de pertencimento e realização; 2) vitórias sucessivas na vida são sinônimo de qualidade de vida; 3) somos o que conquistamos. De fato, tais premissas são “mentiras culturais” que precisamos enxergar melhor para ver se as coisas são mesmo assim. Vejamos.
Nossa vida societária nos conduz a acreditar em certas “verdades” culturais que acabam por moldar nossas expectativas em relação à carreira, conquistas pessoais e a tão almejada qualidade de vida pessoal e relacional. Quero questionar algumas dessas premissas que, ao invés de nos proporcionarem bem-estar, podem contribuir para uma vida pessoal e profissional desequilibrada.
Uma carreira de sucesso é suficiente para gerar sentimento de pertencimento e realização: A ideia de que uma carreira bem-sucedida é a chave para a realização pessoal é uma simplificação perigosa. A busca incessante por sucesso profissional muitas vezes leva a um isolamento emocional, especialmente quando se sacrifica tempo e energia em detrimento das relações pessoais. A verdadeira sensação de pertencimento vai além do reconhecimento no ambiente de trabalho e requer conexões profundas e significativas com outras pessoas.
Vitórias sucessivas na vida são sinônimo de qualidade de vida: A sociedade muitas vezes nos incentiva a medir nossa qualidade de vida pelo número de conquistas acumuladas. No entanto, essa mentalidade pode obscurecer o verdadeiro significado de uma vida plena. Sucessos superficiais podem mascarar sentimentos de vazio e insatisfação. Uma qualidade de vida genuína está intrinsecamente ligada à saúde mental, relacionamentos interpessoais significativos e equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
A meritocracia diz que somos o que conquistamos: Embora a meritocracia seja considerada um princípio justo, a realidade nem sempre reflete essa ideia. Fatores externos, como privilégios socioeconômicos e oportunidades desiguais, podem influenciar significativamente as trajetórias individuais. O sucesso nem sempre é um reflexo direto do esforço pessoal, e a crença cega na meritocracia pode levar à culpabilização injusta dos que enfrentam dificuldades.
Desafiando essas “mentiras culturais”, podemos redefinir nossas métricas de sucesso e qualidade de vida. Valorizar relacionamentos, saúde mental e a busca por um equilíbrio entre vida profissional e pessoal são aspectos fundamentais que muitas vezes são subestimados. A verdadeira realização está em abraçar nossa autenticidade, cultivar conexões significativas e buscar um entendimento mais profundo sobre o que realmente importa em nossas vidas. Para dar provocar sua reflexão, seguem algumas ideias para você começar a pensar em uma nova métrica para sua vida.
O mito da felicidade constante: Existe uma crença disseminada de que o sucesso contínuo deveria resultar em felicidade ininterrupta. No entanto, a vida é feita de altos e baixos, e a pressão para manter uma fachada de constante contentamento pode ser esmagadora. É importante aceitar e compreender que a felicidade é um estado emocional fluido, e não um destino final que se atinge com a acumulação de conquistas.
O individualismo exacerbado: A ênfase na busca individual de objetivos tem promovido uma sociedade individualista, onde a competitividade é exaltada. Essa mentalidade pode resultar em alienação social, pois a colaboração e o apoio mútuo são desvalorizados. A verdadeira satisfação muitas vezes é encontrada na construção de comunidades e na solidariedade.
A pressão da comparação social: A constante exposição a padrões de sucesso nas redes sociais cria uma cultura de comparação prejudicial. A ideia de que a vida dos outros é perfeita com base em suas realizações visíveis pode gerar um sentimento de inadequação. Desconstruir essa narrativa é crucial para cultivar uma mentalidade mais saudável e realista em relação ao próprio progresso.
A importância da autenticidade: A busca incessante por aceitação muitas vezes leva à supressão da verdadeira essência e a perda do sentido das paixões. Abraçar a autenticidade e seguir um caminho que ressoa com os valores pessoais é essencial para construir uma vida significativa. A aceitação de si mesmo, independentemente das expectativas externas, é um passo fundamental para alcançar uma verdadeira qualidade de vida.
Ao desafiar essas noções culturais, abrimos espaço para uma reflexão mais profunda sobre o que realmente importa em nossas vidas e como podemos criar um caminho mais autêntico e satisfatório, indo além das falsas promessas de sucesso superficial.
Gestão do Desempenho é um processo organizacional sistemático e contínuo que envolve a definição, avaliação e desenvolvimento do desempenho individual e coletivo dos colaboradores em relação aos objetivos estratégicos da organização.
Este processo busca melhorar a eficácia, a eficiência, a efetividade e o desenvolvimento profissional, utilizando ferramentas de indicação e mensuração do desempenho, tais como: estabelecimento de metas, feedback constante, avaliações periódicas e estratégias de reconhecimento (dentre outras), com o objetivo de maximizar o alinhamento entre as contribuições dos funcionários e os objetivos da organização.
Gerir o desempenho é essencial para o sucesso de qualquer organização, pois ao se concentrar na otimização do rendimento individual e coletivo dos colaboradores, alinha-os aos objetivos estratégicos da organização, promovendo uma equilibração da cultura organizacional e gerando um clima corporativo de pertencimento e satisfação com o trabalho, com o compromisso de se ter impecabilidade nos processos de trabalho e nas entregas. Este processo melhora a eficiência, a produtividade e o desenvolvimento de todo “time”, gerando e mantendo um ambiente relacional saudável e estimulante dos relacionamentos inteligentes e pacificados.
As melhores práticas para se ter um processo de Gestão de Desempenho efetivo, consideram os seguintes aspectos:
Estabelecimento de Metas Claras: Quanto mais claras forem as metas e as condições de satisfação das entregas, melhor é o resultado do desempenho e mais efetiva se torna a gestão. Metas e condições de satisfação devem ser claras e mensuráveis, alinhadas aos objetivos organizacionais; desafiadoras, mas realistas; proporcionar senso de superação, mas reconhecer os pequenos avanços; e, proporcionar sentido de propósito em todo o time.
Feedback Contínuo: A comunicação aberta e contínua é essencial. Feedbacks regulares ajudam os colaboradores a compreenderem suas áreas de melhoria, reconhecerem suas conquistas e manterem-se alinhados às expectativas corporativas.
Avaliação de Desempenho: A realização de avaliações formais e periódicas, construídas a partir da contribuição de todos, é uma prática desejável na gestão do desempenho. Elas oferecem uma visão mais abrangente do progresso individual, identificando pontos fortes e oportunidades de desenvolvimento, bem como estimulam o reconhecimento de oportunidades e ameaças no contexto geral em que o trabalho ocorre.
Desenvolvimento de Competências: A gestão do desempenho está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento de competências, notadamente daquelas ligadas a um cenário de mudanças aceleradas e inovação. As organizações devem oferecer oportunidades de treinamento e capacitação para que os colaboradores aprimorem suas habilidades e se mantenham atualizados, considerando dois importantes eixos, quando se trata de desenvolvimento em mundos digitais: flexibilidade cognitiva, metodologias de resolução de problemas complexos em grupo e relações em rede.
Reconhecimento e Recompensas: Reconhecer o bom desempenho é fundamental; tê-lo em constante desenvolvimento é essencial para manter todos com alto senso de propósito. Mas, também compõem a estratégia para uma excelente Gestão do Desempenho, ter políticas claras de recompensas, financeiras ou não, dentro de uma cultura que valoriza o “corpo funcional” e impulsione a moral da equipe num ambiente de trabalho positivo.
Identificação de Talentos: Todos crescem, mudam, amadurecem e, a cada novo ciclo, somos surpreendidos com novas possibilidades de trabalho e de carreira. A gestão do desempenho também está associada à identificação e desenvolvimento de talentos em todo o fluxo do trabalho e do relacionamento corporativo. Identificar colaboradores com potencial elevado e criar planos de sucessão e trilhas de carreira, contribui para a sustentabilidade e crescimento da organização. Isso requer a construção de indicadores de criatividade, inovação, áreas de interesse, níveis de interação, dentre outros.
Foco no Desenvolvimento Pessoal e Profissional: A gestão do desempenho não se limita apenas ao desempenho no trabalho, mas também ao crescimento pessoal e profissional dos colaboradores. O estímulo ao autodesenvolvimento cria uma cultura de aprendizado contínuo, bem como estabelece indicadores para a saúde integral de todos.
Ajustes e Melhorias Contínuas: O processo de gestão do desempenho é uma prática dinâmica. Isso implica ajustes constantes nas estratégias adotadas, considerando as mudanças nas metas organizacionais, nas tendências do mercado, nas necessidades dos colaboradores e no contexto sócio, político e cultural onde a organização está inserida.
Ao adotar uma abordagem abrangente e centrada no desenvolvimento humano, a gestão do desempenho torna-se uma ferramenta poderosa para impulsionar o sucesso organizacional, promovendo um ambiente de trabalho colaborativo e de alto desempenho.
OBSTÁCULOS, DESAFIOS E R ECOMENDAÇÕES
Conquanto a gestão do desempenho seja uma prática para a excelência, considerando os aspectos acima mencionados, sua implementação encontra obstáculos já mapeados na prática corporativa. Listo abaixo os mais comuns, ressaltando os desafios e as recomendações para enfrentá-los:
Dificuldades Conversacionais eFalta de Comunicação Clara: A humanidade se realiza a partir das conversas e da gregariedade. Conversar é o que faz as coisas acontecerem. Nesse sentido, saber conversar estabelece uma relação direta com a gestão do desempenho, assim como, NÃO saber conversar é a maior fonte dos problemas corporativos, relacionais ou não. Saber conversar é a base da comunicação clara e a fonte dos acordos e protocolos de conduta nas sociedades complexas, evitando mal-entendidos sobre o que se quer, o que se pode e o que se deve fazer. Os programas de capacitação em competências conversacionais são bem-vindos para enfrentar esse desafio.
Resistência à Mudança: O novo é uma possibilidade nem sempre compreendida em sua totalidade e nossa cultura prima por ter (ou tentar ter) controle absoluto de todas as coisas. Isso é impossível porque na novidade existe muito de desconhecido que se conhecerá na medida que caminhamos os caminhos da inovação. Essa possibilidade de não ter controle gera um certo medo que se manifesta na resistência à mudança. Colaboradores e líderes, quando não compreendem esse mecanismo tendem a construir (conscientes ou não) resistência à implementação de novos processos de gestão do desempenho, especialmente se estiverem acostumados com práticas tradicionais. A resistência pode impedir a adoção efetiva do sistema. Exercícios a partir de “laboratórios de criatividade” são recomendados para minimizar a resistência à mudança.
Foco Exclusivo em Métricas Quantitativas: A excessiva ênfase em métricas quantitativas pode desconsiderar aspectos qualitativos do desempenho, como habilidades interpessoais, relacionais, criatividade e inovação, levando a avaliações incompletas. Existem muitas habilidades e competências que não podem ser desenvolvidas quando se adota métricas qualitativas como as que se constroem a partir de metodologia “nexista” e dos protocolos relacionais.
Feedback Ineficaz: A falta de habilidades para fornecer feedback construtivo e oportuno compromete a gestão do desempenho. Há um conceito equivocado que confunde feedback com “sinceridade”. Feedback é um processo de construção de trilhas para o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes, a partir do movimento corporativo rumo ao futuro. O feedback genérico ou negativo sem orientações para melhoria e desvinculado do plano estratégico de ação, pode desmotivar os colaboradores além de encaminhar soluções equivocadas quanto ao trabalho, a carreira e os resultados. Também é desafiador estabelecer uma cultura que prime por negociar expectativas e fornecer feedbacks como demonstrações objetivas das competências conversacionais. A ausência de tais diretrizes compromete a eficácia da gestão do desempenho. Nesses casos indica-se programas de formação em comunicação não violenta, programa de capacitação para negociadores e mediadores.
Avaliações Infrequentes: Avaliações realizadas com pouca frequência e sem planejamento de aplicação e temporalidade podem resultar em uma falta de acompanhamento contínuo do desempenho. Isso pode levar a surpresas durante as revisões periódicas e dificultar a correção de problemas no momento adequado. Para tal, recomenda-se a adoção de programas de “consultores internos”.
Recompensas Inequitativas: Sistemas de recompensas que não são percebidos como justos, nem são negociados previamente, podem gerar insatisfação e desmotivação. Também a falta de transparência na distribuição de recompensas pode criar um ambiente desfavorável. Deve-se entender que tudo o que é ofertado sem demanda, não se constitui em um benefício. Para tais casos, recomenda-se que o corpo funcional construa, cooperativa e colaborativamente, uma cesta de benefícios indexada a indicadores de desempenho validada por todos os segmentos da organização.
Foco Exclusivo em Falhas: Uma gestão do desempenho centrada apenas nas áreas de melhoria, pode criar um ambiente negativo, muitas vezes eivado de críticas ou de juízos de valor. Reconhecer apenas as deficiências e não as conquistas pode minar a confiança e a autoestima dos colaboradores. Uma gestão de desempenho adequada prima-se por ser metodologicamente estruturada em três passos: diagnóstico (situação atual com ênfase nos aspectos críticos e nas possibilidades de melhoria), prognóstico (situação desejada com ênfase numa trilha de competências, habilidades e atitudes, juntamente com metas e indicadores), e, plano de ação (com ênfase no planejamento dos processos de aprendizagem e na realização de tarefas). Para enfrentar esse obstáculo e seus desafios, recomenda-se a adoção de alguma ferramenta de avaliação de perfil como, p.ex. Metodologia DISC, Teste de Perfil STAR, Teste de Dominância Cerebral ou HBDI, Exame das Competências Pessoais da Inteligência Relacional.
Falta de Integração com Objetivos Organizacionais: Quando os objetivos individuais não estão alinhados com os objetivos organizacionais, a gestão do desempenho perde seu propósito estratégico. É crucial garantir uma conexão clara entre os objetivos individuais e os corporativos. Para promover esse alinhamento, seminários conversacionais, coaching e mentoria sobre gestão de carreira apresentam-se como bastante efetivos.
Cultura Organizacional Desfavorável: Uma cultura organizacional inadequada pode desencadear uma série de problemas no ambiente de trabalho. A falta de valores compartilhados e um código ético inadequado (ou inexistente), pode resultar em colaboradores desmotivados, aumentando a rotatividade e prejudicando a produtividade. A ausência de comunicação eficaz sobre valores e protocolos de conduta corporativos gera mal-entendidos, conflitos e uma atmosfera de desconfiança. Além disso, uma cultura que não valoriza a diversidade pode levar à exclusão e à perda de talentos, comprometendo o progresso da organização, gerando falta de foco no desenvolvimento pessoal e limitando o crescimento individual e coletivo. Assim, é crucial cultivar uma cultura organizacional positiva para garantir um ambiente saudável e sustentável. Para isso, valorizar o aprendizado contínuo, o desenvolvimento e a colaboração podem facilitar e promover a gestão do desempenho. A construção de uma cultura organizacional adequada, principalmente em organização históricas, tem se mostrado mais efetiva quando se abrem reflexões para a elaboração de um código de ética representativo dos valores corporativos.
Tecnologia Inadequada: Por tecnologia, entende-se todos os procedimentos adotados na organização para coleta de dados, processamento de informações, estrutura de decisão, controle de ações e geração de resultados seja na área de bens, produtos ou serviços. A utilização de tecnologias inadequadas, (digitais ou não), sistemas desatualizados ou procedimentos pouco eficazes, cuja razão de existir e seus resultados não fazem sentido, é um obstáculo significativo para uma gestão de desempenho. Aqui, o desafio é promover a mais adequada relação possível entre os processos de trabalho, sua racionalidade, a qualidade das entregas e a impecabilidade dos processos. Se isso não for promovido, a gestão do desempenho pode prejudicar a eficiência do processo, levando a falhas na coleta e análise de dados.
Superar esses obstáculos requer comprometimento organizacional, uma abordagem flexível e capacidade de ajustar continuamente as práticas de gestão do desempenho para atender às necessidades em constante evolução da organização e de seus colaboradores.